15 de mar de 2024 às 10:24
O papa Francisco não tem planos de renunciar ao cargo, embora alegue que alguns na Igreja gostariam que fizesse isso.
O papa aborda o tema em sua autobiografia: Vida: Minha História Através da História que deve ser lançada em 19 de março. Trechos do livro, que explora detalhadamente os momentos mais marcantes da vida do papa de 87 anos até os dias atuais, foram publicados ontem (14) pelo jornal italiano Corriere della Sera.
No livro, o papa Francisco diz que apesar das críticas e dos problemas médicos que enfrentou durante os seus 11 anos de pontificado, considera o ministério petrino como algo “para toda a vida” e não vê motivos para renúncia, exceto graves deficiências físicas.
“Ao longo dos anos, talvez algumas pessoas tenham esperado que mais cedo ou mais tarde, talvez depois de ser hospitalizado, eu fizesse um anúncio como esse, mas não existe esse risco: Graças ao Senhor, gozo de boa saúde, e se Deus quiser, há muitos projetos ainda para realizar”.
O papa diz que alguns já estão se concentrando em quem poderá sucedê-lo, o que ele diz ser “apenas humano”, mas também alerta que esse tipo de especulação pode ser motivada por ganhos pessoais ou “pelo lucro com jornais”.
Respondendo a críticas feitas a ele durante os seus mais de dez anos como papa, Francisco diz estar magoado com aqueles que afirmam que ele está “destruindo o papado”. Mas diz que teria de ir ao psicólogo uma vez por semana se desse atenção a todas as críticas, que sugere serem motivadas pela oposição ao seu desejo de tornar a Igreja mais pastoral e menos monárquica.
O papa também escreve que lhe “doeu” ver o papa Bento XVI, que renunciou em 2013 e viveu no Vaticano como papa emérito antes de morrer em 31 de dezembro de 2022, ser usado contra ele para “fins ideológicos e políticos” por “pessoas sem escrúpulos que, não tendo aceitado a sua renúncia, pensaram no seu próprio ganho e no seu pequeno jardim para cultivar, subestimando a dramática possibilidade de uma fratura dentro da Igreja”.
No novo livro, o papa Francisco também defende o que é, sem dúvida, a ação mais divisiva do seu papado: a aprovação da Santa Sé de bênçãos de uniões homossexuais. O papa disse que a publicação da declaração Fiducia supplicans, especialmente do seu capítulo III “As bênçãos a casais em situações irregulares e a casais do mesmo sexo” confirma que “Deus ama a todos, especialmente os pecadores”, e que se alguns decidirem não implementar a orientação, como fizeram muitos bispos e algumas conferências episcopais, “isso não significa que este seja o prenúncio de um cisma, porque a doutrina da Igreja não é questionada”.
Embora o papa diga que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é uma possibilidade, ele reitera a sua aprovação às uniões civis homossexuais, afirmando que “é certo que estas pessoas que vivem o dom do amor possam ter cobertura legal como todas as outras”.
Reviravoltas e uma 'pequena paixão'
A autobiografia revela muitos detalhes da história da família do papa, de sua educação e de seu ministério ordenado – incluindo várias reviravoltas e “quase acidentes” ao longo do caminho.
Por exemplo, o papa conta como os seus avós paternos e o seu pai quase estiveram a bordo de um navio italiano que naufragou em 1927 a caminho da Argentina, resultando na morte de 300 emigrantes. Mas a família Bergoglio não tinha dinheiro suficiente para comprar as passagens e foi providencialmente poupada da viagem trágica.
O papa Francisco também conta como, quando seminarista, desenvolveu uma “pequena paixão” por uma jovem que conheceu no casamento do seu tio, por quem ficou “deslumbrado”.
“Durante uma semana sempre tive a imagem dela na mente e para mim era difícil rezar! Então, felizmente, [os pensamentos sobre ela] passaram e eu me dediquei de corpo e alma à minha vocação”.
Outro quase redirecionamento ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando o jovem jesuíta pediu para ir ao Japão como missionário. Mas seu pedido foi negado devido a problemas de saúde.
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“Se me tivessem enviado para aquela terra missionária, a minha vida teria tomado um rumo diferente; e talvez alguém no Vaticano estivesse em melhor situação agora”, brinca o papa, referindo-se aos seus detratores na cúria.
Francisco também relata alguns dos destaques do seu ministério ordenado, como o conclave de 2013 que o elegeu papa, mas também os períodos mais difíceis, como a sua experiência durante a ditadura militar argentina de 1976 a 1983 e o seu “exílio” na Argentina rural por seus superiores jesuítas.
“Foi um período de purificação”, diz o papa sobre os anos que passou em Córdoba na década de 1990, depois de erros que diz ter cometido “devido a uma atitude autoritária”.
“Eu estava muito fechado em mim mesmo, um pouco deprimido.”
Figuras formativas importantes também influenciam a autobiografia do papa Francisco, incluindo os seus avós paternos, Giovanni e Rosa, mas também a sua chefe enquanto estudante num laboratório: uma mulher chamada Esther, que o papa descreve como “uma verdadeira comunista”.
Aborto, barriga de aluguel e arte desfigurada
Em “Vida: Minha História Através da História”, o papa Francisco também expõe seus pontos de vista sobre algumas das questões mais urgentes que a Igreja e a sociedade enfrentam.
Ele reitera a sua descrição do aborto como “um ato criminoso” semelhante à contratação de “assassinos”.
“Chega de abortos, por favor! É fundamental defender e promover sempre a objeção de consciência”.
O papa também condenou a barriga de aluguel como “desumana”, pois “ameaça a dignidade dos homens e das mulheres, sendo as crianças tratadas como mercadorias”.
Sobre o tema da proteção da criação, o papa Francisco escreve que “o tempo está se esgotando” para salvar o planeta, mas exorta os ativistas a não recorrerem à violência ou à “desfiguração de obras de arte” em seus esforços para pressionar por mudança.
O papa também enfatiza a necessidade da Igreja seguir o exemplo de Cristo de ir até as pessoas marginalizadas ao abordar pessoas que têm atração pelo mesmo sexo e que se identificam como transgênero, “que são frequentemente marginalizadas dentro da Igreja”.
“Façam-os sentir-se em casa, especialmente aqueles que receberam o batismo e que, para todos os efeitos, fazem parte do povo de Deus”.
O papa Francisco co-escreveu “Vida: Minha História Através da História” com o jornalista da Santa Sé e seu amigo pessoal Fabio Marchese Ragona.