3 de abr de 2024 às 14:50
No último livro sobre o papa Francisco, escrito pelo jornalista Javier Martínez-Brocal e intitulado O Sucessor: Minhas Memórias de Bento XVI, o papa Francisco narra alguns detalhes sobre o conclave de 2005, no qual Bento XVI foi eleito papa.
Francisco diz, entre outras coisas, que houve até uma “manobra” durante a votação por parte de alguns cardeais que queriam “negociar um candidato diferente”.
O próprio papa Francisco justifica as suas declarações no livro e diz que, apesar de “os cardeais jurarem não revelar o que acontece no conclave”, os papas “têm licença para contar”.
O que é Universi Domini Gregis?
Tomando como referência estas palavras do papa Francisco, o canonista e fundador do jornal online italiano Vox Canonica, Rosario Vitale disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, que “o documento que hoje regula a vacância da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice é a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis”.
“Nos números 59-60 prescreve explicitamente que é proibido aos cardeais revelar a qualquer outra pessoa notícias relativas à eleição do papa ou das Congregações Gerais, seja antes, durante ou mesmo depois da eleição”, continuou.
Ele também disse que a situação do papa é diferente, “por ser o Legislador Supremo, não está sujeito ao direito canônico, que pode ser dispensado por ele a qualquer momento. O que é diferente é a lei divina, à qual todo ser humano está sujeito e que não pode ser dispensada por ninguém”.
O juramento dos cardeais no conclave
Antes do início da votação na Capela Sistina, os cardeais fazem um juramento no qual prometem manter sigilo sobre o que foi dito e feito durante a eleição.
Depois de invocar a presença do Espírito Santo com o canto do hino latino Veni Creator Spiritus, os cardeais prestam o juramento.
Nele, prometem e juram “observar, com a máxima fidelidade e com todos, tanto clérigos como leigos, o segredo acerca de tudo aquilo que, de algum modo, disser respeito à eleição do romano pontífice e sobre aquilo que suceder no lugar da eleição”.
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“Não violar, de modo nenhum, este segredo, quer durante quer depois da eleição do novo pontífice, a não ser que para tal seja concedida explícita autorização do próprio pontífice; não dar nunca apoio ou favor a qualquer interferência, oposição ou outra forma qualquer de intervenção, pelas quais autoridades seculares de qualquer ordem e grau, ou qualquer gênero de pessoas, em grupo ou individualmente, quisessem imiscuir-se na eleição do romano pontífice”, pronunciam os cardeais.
O sigilo sempre existiu no conclave?
O canonista italiano Rosario Vitale disse à ACI Prensa que o segredo do conclave nem sempre existiu.
Vitale disse que “nos primeiros séculos da Igreja, o papa, assim como os outros bispos, era eleito pelo clero e pelo povo da sua diocese, Roma, com a colaboração dos bispos vizinhos que consagravam a eleição".
“No século IV, segundo a prática estabelecida no Concílio de Niceia, o papa era eleito apenas pelo clero, enquanto os leigos, e em particular a aristocracia, limitavam-se a dar o seu consentimento”, disse.
O canonista disse à ACI Prensa que “nos séculos posteriores, o pontífice tinha que esperar o consentimento imperial para ser consagrado”, e em 769, com o Concílio de Latrão, todos os leigos foram excluídos da consagração, “concedendo-lhes apenas o direito de aclamação dos eleitos”.
Depois, com o papa Nicolau II e precisamente com a bula In Nomine Domini de 1059, "a eleição do papa foi reservada apenas aos cardeais e especialmente aos cardeais-bispos, enquanto o clero e o povo de Roma tinham apenas o direito de aclamação".
Isso, segundo Vitale, "só se tornou prático em 1179, quando Alexandre III conseguiu abolir os privilégios dos imperadores e estabeleceu que o Colégio de Cardeais seria chamado para eleger o papa, para o qual deveria haver uma maioria de dois terços dos presentes".
"Foi por ordem de Gregório X, com a Constituição Apostólica Ubi periculum de 1274, que o Conclave foi instituído: os cardeais eleitores deveriam ser trancados em um recinto (cum clave) e depois de três dias deveriam ser privados de comida, e ainda mais depois de cinco dias".
No entanto, o canonista observou que essas regras "foram abolidas por serem muito rigorosas depois de alguns anos e depois restabelecidas no final do século XIII".
Portanto, "fica claro que o sigilo do conclave é algo que não afetou a Igreja ao longo dos dois milênios, mas que mudou ao longo dos séculos até os dias atuais", concluiu.