A Congregação para a Doutrina da Fé publicou hoje (8) a Declaração Dignitas infinita, sobre a dignidade humana. Abaixo, o texto completo:

Declaração Dignitas infinita sobre a dignidade humana

Apresentação

No Congresso de 15 de março de 2019, a então Congregação para a Doutrina da Fé decidiu encaminhar «a redação de um texto, evidenciando a imprescindibilidade do conceito de dignidade da pessoa humana ao interno da antropologia cristã e ilustrando o alcance e as implicações benéficas em nível social, político e econômico, tendo em conta os últimos desenvolvimentos do tema em âmbito acadêmico e as suas ambivalentes compreensões no contexto hodierno». Um primeiro projeto a respeito, elaborado com a ajuda de alguns especialistas durante o ano de 2019, foi considerado insatisfatório pela Consulta reservada da Congregação, realizada em 8 de outubro do mesmo ano.

Procedeu-se à elaboração ex novo de outro delineamento do texto por parte do Ofício Doutrinal, em base à contribuição de diversos especialistas. O esboço foi apresentado e discutido durante a Consulta reservada de 4 de outubro de 2021. Em janeiro de 2022, o novo esboço foi apresentado na Sessão Plenária da Congregação, na qual os Membros resolveram abreviar e simplificar o texto.

Em 6 de fevereiro de 2023, o novo texto emendado foi avaliado pela Consulta reservada, que propôs algumas ulteriores modificações. A nova versão foi submetida à avaliação da Sessão Ordinária do Dicastério (Feria IV) de 3 de maio de 2023. Os Membros concordaram que o documento, com algumas modificações, poderia ser publicado. O Santo Padre Francisco aprovou os Deliberata desta Feria IV durante a Audiência concedida a mim em 13 de novembro de 2023. Nesta ocasião, pediu-me ainda para evidenciar no texto algumas temáticas estreitamente conexas ao tema da dignidade, como por exemplo o drama da pobreza, a situação dos migrantes, as violências contra as mulheres, o tráfico de pessoas, a guerra e outras. Para honrar o melhor possível tais indicações do Santo Padre, a Sessão Doutrinal do Dicastério dedicou um Congresso ao estudo da Carta encíclica Fratelli tutti, que oferece uma original análise e aprofundamento da questão da dignidade humana “para além de toda circunstância”.

Com carta datada de 2 de fevereiro de 2024, em vista da Feria IV do sucessivo 28 de fevereiro, foi enviada aos Membros do Dicastério um novo esboço do texto, notavelmente modificado, com a seguinte observação: «Esta ulterior redação foi necessária para vir ao encontro de um específico pedido do Santo Padre. Ele explicitamente solicitou que se fixasse melhor a atenção sobre graves violações atuais da dignidade humana, no sulco da encíclica Fratelli tutti. O Ofício Doutrinal se incumbiu assim de reduzir a parte inicial [...] e de elaborar mais detalhadamente quanto indicado pelo Santo Padre». A Sessão Ordinária do Dicastério, em 28 de fevereiro de 2024, enfim aprovou o texto da atual Declaração. Na Audiência concedida a mim, juntamente com o Secretário da Seção Doutrinal, Mons. Armando Matteo, em 25 de março de 2024, o Santo Padre aprovou a presente Declaração e ordenou a sua publicação.

A elaboração do texto, que durou cinco anos, permite entender que se encontra diante de um documento que, pela seriedade e centralidade do tema no pensamento cristão, precisou de um notável processo de amadurecimento para chegar à redação definitiva que hoje publicamos.

Nas primeiras três partes, a Declaração recorda princípios fundamentais e pressupostos teóricos, a fim de oferecer importantes esclarecimentos que podem evitar as frequentes confusões que se verificam no uso do termo “dignidade”. Na quarta parte, apresenta algumas situações problemáticas atuais, em que a imensa e inalienável dignidade que corresponde a todo ser humano não é adequadamente reconhecida. A denúncia de tais graves violações da dignidade humana é um gesto necessário porque a Igreja nutre a profunda convicção que não se pode separar a fé da defesa da dignidade humana, a evangelização da promoção de uma vida digna, a espiritualidade do empenho pela dignidade de todos os seres humanos.

Tal dignidade de todos os seres humanos pode, de fato, ser entendida como “infinita” (dignitas infinita), como São João Paulo II afirmou em um encontro com pessoas portadoras de certas limitações ou deficiências,[*] a fim de mostrar como a dignidade de cada ser humano vai além de toda aparência exterior ou de toda característica da vida concreta das pessoas.

Papa Francisco, na Carta encíclica Fratelli tutti, quis sublinhar com particular insistência que esta dignidade existe “para além de toda circunstância”, convidando todos a defendê-la em todo contexto cultural, em todo momento da existência de uma pessoa, independentemente de qualquer deficiência física, psicológica, social ou também moral. A este propósito, a Declaração se esforça por mostrar que nos encontramos diante de uma verdade universal, que todos precisamos reconhecer como condição fundamental para que as nossas sociedades sejam verdadeiramente justas, pacíficas, sadias e, por fim, autenticamente humanas.

O elenco dos temas escolhidos pela Declaração não é certamente exaustivo. Os assuntos tratados são, porém, aqueles que permitem exprimir vários aspectos da dignidade humana que hoje podem ser obscurecidos na consciência de muitas pessoas. Alguns serão facilmente compartilháveis por diversos setores das nossas sociedades, outros menos. Seja como for, todos nos parecem necessários, porque no seu conjunto ajudam a reconhecer a harmonia e a riqueza do pensamento, que brota do Evangelho, acerca da dignidade.

Esta Declaração não tem a pretensão de exaurir um argumento tão rico e decisivo, mas deseja fornecer alguns elementos de reflexão que ajudam a tê-lo presente no complexo momento histórico em que vivemos. Assim, em meio a tantas preocupações e ansiedades, não perderemos a estrada e não nos exporemos a mais lacerantes e profundos sofrimentos.

Víctor Manuel Card. Fernández

Prefeito

Introdução

1. (Dignitas infinita) Uma dignidade infinita, inalienavelmente fundada no seu próprio ser, é inerente a cada pessoa humana, para além de toda circunstância e em qualquer estado ou situação se encontre. Este princípio, que é plenamente reconhecível também pela pura razão, coloca-se como fundamento do primado da pessoa humana e da tutela de seus direitos. A Igreja, à luz da Revelação, reafirma de modo absoluto esta dignidade ontológica da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e redimida em Cristo Jesus. Desta verdade extrai as razões do seu empenho em favor daqueles que são mais fracos e menos dotados de poder, insistindo sempre «sobre o primado da pessoa humana e sobre a defesa da sua dignidade para além de toda circunstância».[1]

2. Desta dignidade ontológica e do valor único e eminente de cada mulher e de cada homem que existem neste mundo fez-se eco a Declaração universal dos direitos do homem (10 de dezembro de 1948) por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas.[2] Fazendo memória do 75º aniversário deste Documento, a Igreja vê a ocasião para proclamar novamente a própria convicção de que, criado por Deus e redimido por Cristo, cada ser humano deve ser reconhecido e tratado com respeito e com amor, em razão da sua inalienável dignidade. Tal aniversário oferece à Igreja também a oportunidade para esclarecer alguns equívocos que surgem frequentemente acerca da dignidade humana e para enfrentar algumas graves e urgentes questões concretas relacionadas a esta.

3. Desde o início da sua missão, impelida pelo Evangelho, a Igreja se esforçou para afirmar a liberdade e para promover os direitos de todos os seres humanos.[3] Nos últimos tempos, graças à voz dos Pontífices, desejou formular mais explicitamente tal empenho através do renovado apelo pelo reconhecimento da dignidade fundamental que corresponde à pessoa humana. São Paulo VI disse que «nenhuma antropologia se iguala àquela da Igreja sobre a pessoa humana, considerada também singularmente, acerca de sua originalidade, sua dignidade, seu caráter intocável, da riqueza de seus direitos fundamentais, sua sacralidade, sua educabilidade, sua aspiração a um desenvolvimento completo, sua imortalidade».[4]

4. São João Paulo II, em 1979, durante a Terceira Conferência do Episcopado Latino-americano em Puebla, afirmou: «a dignidade humana representa um valor evangélico, que não pode ser desprezado sem grave ofensa ao Criador. Esta dignidade é espezinhada, em nível individual, quando não são considerados devidamente valores como a liberdade, o direito de professar a religião, a integridade física e psíquica, o direito aos bens essenciais, à vida. É espezinhada, em nível social e político, quando o homem não pode exercitar o seu direito à participação, ou é submetido a injustas e ilegítimas coerções ou a torturas físicas ou psíquicas etc. (...) Se a Igreja se faz presente na defesa ou na promoção da dignidade do homem, ela o faz em conformidade à sua missão que, mesmo sendo de caráter religioso e não social ou político, não pode renunciar a considerar o homem no seu ser integral»[5].

Mais em

5. Em 2010, diante da Pontifícia Academia para a Vida, Bento XVI afirmou que a dignidade da pessoa é «um princípio fundamental que a fé em Jesus Cristo Ressuscitado sempre defendeu, sobretudo quando é desatendido em relação aos sujeitos mais simples e indefesos».[6] Em outra ocasião, falando aos economistas, disse que «a economia e a finança não existem para si mesmas, elas não são outra coisa que um instrumento, um meio. Seu fim é unicamente a pessoa humana e sua plena realização na dignidade. É este o único capital que é oportuno salvar».[7]

6. Desde os inícios de seu pontificado, Papa Francisco convidou a Igreja a «confessar um Pai que ama infinitamente cada ser humano» e a «descobrir que “com isso mesmo lhe confere uma dignidade infinita”»,[8] sublinhando com força que tal imensa dignidade representa um dado originário que se precisa reconhecer com lealdade e acolher com gratidão. Sobre tal reconhecimento e acolhimento é possível fundar uma nova coexistência entre os seres humanos, que modele a socialidade em um horizonte de autêntica fraternidade: unicamente «reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, podemos fazer renascer entre todos uma aspiração mundial à fraternidade».[9] Segundo Papa Francisco, «esta fonte de dignidade humana e de fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo»,[10] mas é também uma convicção à qual a razão humana pode chegar através da reflexão e do diálogo, dado que «se é preciso respeitar em toda situação a dignidade dos outros, é porque nós não inventamos ou supomos tal dignidade, mas porque existe efetivamente neles um valor superior em relação às coisas materiais e às circunstâncias, que exige que sejam tratados de outro modo. Que cada ser humano possui uma dignidade inalienável é uma verdade correspondente à natureza humana, para além de qualquer mudança cultural»[11]. Na verdade, conclui Papa Francisco, «o ser humano possui a mesma dignidade inviolável em qualquer época histórica e ninguém pode sentir-se autorizado pelas circunstâncias a negar esta convicção ou a não agir em consequência».[12] Em tal horizonte, a sua encíclica Fratelli tutti já constitui uma Magna Charta dos deveres atuais voltados a salvaguardar e promover a dignidade humana.

Um esclarecimento fundamental

7. Ainda que agora exista um consenso quase geral sobre a importância e também sobre o caráter normativo da dignidade e do valor único e transcendente de cada ser humano,[13] a expressão “dignidade da pessoa humana” pode prestar-se a muitos significados e assim a possíveis equívocos[14] e «contradições que induzem a perguntar-nos se realmente a igual dignidade de todos os seres humanos [...] seja reconhecida, respeitada, protegida e promovida em toda circunstância».[15] Tudo isso nos leva a reconhecer a possibilidade de uma quádrupla distinção do conceito de dignidade: dignidade ontológicadignidade moraldignidade social e, enfim, dignidade existencial. O sentido mais importante é aquele ligado à dignidade ontológica, que compete à pessoa enquanto tal, pelo simples fato de existir e de ser querida, criada e amada por Deus. Esta dignidade não pode jamais ser cancelada e permanece válida para além de toda circunstância em que os indivíduos venham a se encontrar. Quando se fala de dignidade moral, deseja-se referir ao exercício da liberdade por parte da criatura humana. Esta última, ainda que dotada de consciência, permanece sempre sujeita à possibilidade de agir contra ela. Fazendo assim, o ser humano se comporta de um modo que “não é digno” da sua natureza de criatura amada por Deus e chamada a amar os outros. Mas esta possibilidade existe. E não só: a história atesta que o exercício da liberdade contra a lei do amor revelada pelo Evangelho pode alcançar picos incalculáveis de maldade provocada aos outros. Quando isso acontece, encontra-se diante de pessoas que parecem ter perdido qualquer traço de humanidade, qualquer traço de dignidade. A este respeito, a distinção aqui introduzida ajuda a discernir propriamente entre o aspecto da dignidade moral, que pode ser de fato “perdida”, e o aspecto da dignidade ontológica, que não pode jamais ser anulada. E é justamente em razão desta última que se deverá trabalhar com todas as forças para que todos que cometeram o mal possam arrepender-se e converter-se.

8. Restam ainda outras duas acepções possíveis de dignidade: social e existencial. Quando se fala de dignidade social, quer-se referir às condições nas quais uma pessoa se encontra a viver. Na pobreza extrema, por exemplo, quando não se dão as condições mínimas para que uma pessoa possa viver segundo a sua dignidade ontológica, diz-se que a vida daquela pessoa tão pobre é uma vida “indigna”. Esta expressão não indica de nenhum modo um juízo quanto à pessoa, mas deseja evidenciar o fato que a sua dignidade inalienável foi contradita pela situação na qual é obrigada a viver. A última acepção é aquela de dignidade existencial. Sempre mais frequentemente fala-se hoje de uma vida “digna” e de uma vida “não digna”. Com tal indicação, quer-se referir a situações de tipo existencial: por exemplo, ao caso de uma pessoa que, aparentemente tendo todo o necessário para viver, por diversas razões tem dificuldade de viver em paz, com alegria e esperança. Em outras situações, é a presença de doenças graves, de contextos familiares violentos, de certas dependências patológicas e de outras dificuldades que levam a experimentar a própria condição de vida como “indigna” diante da percepção da dignidade ontológica que jamais pode ser obscurecida. As distinções aqui introduzidas, em todo caso, somente recordam o valor daquela dignidade ontológica enraizada no próprio ser da pessoa humana e que subsiste para além de qualquer circunstância.

9. É útil, enfim, recordar que a definição clássica da pessoa como «substância individual de natureza racional»[16] explicita o fundamento da sua dignidade. De fato, enquanto “substância individual”, a pessoa possui dignidade ontológica (isto é, no nível metafísico do próprio ser): ela é um sujeito que, recebendo de Deus a existência, “subsiste”, vale dizer exercita a existência de modo autônomo. A palavra “racional” compreende todas as capacidades do ser humano, seja a de conhecer e entender, seja a de querer, amar, escolher, desejar. O termo “racional” compreende também todas as capacidades corpóreas intimamente relacionadas àquelas já mencionadas. A expressão “natureza” indica as condições próprias do ser humano que tornam possíveis as várias operações e experiências que o caracterizam: a natureza é o “princípio do agir”. O ser humano não cria a sua natureza, mas a possui como um dom recebido, podendo cultivar, desenvolver e enriquecer as próprias capacidades. Exercendo a liberdade para cultivar as riquezas da sua natureza, a pessoa humana se constrói no tempo. Mesmo se, por causa dos vários limites ou condições, não é capaz de atuar tais capacidades, a pessoa subsiste sempre como “substância individual”, com toda a sua dignidade. Isto se verifica, por exemplo, em uma criança ainda não nascida, em uma pessoa em estado de inconsciência, em um idoso em agonia.

1. Uma progressiva consciência sobre o caráter central da dignidade humana

10. Já na antiguidade clássica[17] se manifesta uma primeira intuição acerca da dignidade humana, que procede de uma perspectiva social: cada ser humano é revestido de uma dignidade particular, segundo o seu grau e ao interno de uma determinada ordem. Do âmbito social, a palavra passou a descrever a diferente dignidade dos seres presentes no cosmos. Nesta visão, todos os seres possuem uma “dignidade” própria, segundo a sua colocação na harmonia do todo. Certamente, alguns expoentes do pensamento antigo começam a reconhecer um lugar singular ao ser humano, enquanto dotado de razão e, por isso mesmo, capaz de assumir responsabilidade quanto a si mesmo e aos outros seres no mundo,[18] mas estamos ainda longe de um pensamento capaz de fundar o respeito pela dignidade de cada pessoa humana, para além de toda circunstância.

Perspectivas bíblicas

11. A Revelação bíblica ensina que todos os seres humanos possuem dignidade intrínseca porque são criados à imagem e semelhança de Deus: «Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança” [...]. E Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou» (Gn 1, 26-27). A humanidade tem uma qualidade específica que a torna irredutível à pura materialidade. A “imagem” não define a alma ou as capacidades intelectivas, mas a dignidade do homem e da mulher. Ambos, na mútua relação de igualdade e amor recíproco, cumprem a função de representar Deus no mundo e são chamados a cuidar do mundo e cultivá-lo. Sermos criados à imagem de Deus significa, portanto, possuir em nós um valor sagrado que transcende toda distinção sexual, social, política, cultural e religiosa. A nossa dignidade é-nos conferida, não é nem pretendida e nem merecida. Todo ser humano é por si mesmo amado e querido por Deus e, por isso, é inviolável na sua dignidade. No Êxodo, coração do Antigo Testamento, Deus se mostra como Aquele que escuta o grito do pobre, vê a miséria do seu povo, cuida dos últimos e dos oprimidos (cf. Ex 3, 7; 22, 20-26). O mesmo ensinamento se encontra no Código Deuteronômico (cf. Dt 12-26): aqui o ensinamento sobre os direitos transforma-se em “manifesto” da dignidade humana, particularmente em favor da tríplice categoria do órfão, da viúva e do estrangeiro (cf. Dt 24, 17). Os antigos preceitos do Êxodo são retomados e e atualizados pela pregação dos profetas, os quais representam a consciência crítica de Israel. Os profetas Amós, Oseias, Isaías, Miqueias e Jeremias têm inteiros capítulos de denúncia da injustiça. Amós repreende duramente a opressão do pobre, o fato de não se reconhecer ao mísero nenhuma fundamental dignidade humana (cf. Am 2, 6-7; 4, 1; 5, 11-12). Isaías pronuncia uma maldição contra aqueles que espezinham os direitos dos pobres, negando a eles qualquer justiça: «ai daqueles que fazem decretos iníquos e escrevem às pressas sentenças opressivas, para negar a justiça aos míseros» (Is 10, 1-2). Este ensinamento profético é retomado na literatura sapiencial. O Eclesiástico equipara a opressão dos pobres ao homicídio: «mata o próximo quem lhe priva do nutrimento, derrama sangue quem nega o salário ao operário» (Eclo 34, 22). Nos Salmos, a relação religiosa com Deus passa através da defesa do fraco e do necessitado: «defendei o fraco e o órfão, ao pobre e ao mísero fazei justiça! Salvai o fraco e indigente, livrai-o da mão dos malvados!» (Sl 82, 3-4).

12. Jesus nasce e cresce em condições humildes e revela a dignidade dos necessitados e dos trabalhadores[19]. No decurso do seu ministério, Jesus afirma o valor e a dignidade de todos aqueles que trazem em si a imagem de Deus, independentemente da sua condição social e das circunstâncias externas. Jesus abateu as barreiras culturais e cultuais, dando novamente dignidade às categorias dos “descartados” ou àquelas consideradas às margens da sociedade: os cobradores de impostos (cf. Mt 9, 10-11), as mulheres (cf. Jo 4, 1-42), as crianças (cf. Mc 10, 14-15), os leprosos (cf. Mt 8, 2-3), os doentes (cf. Mc 1, 29-34), os estrangeiros (cf. Mt 25, 35), as viúvas (cf. Lc 7, 11-15). Ele cura, alimenta, defende, livra, salva. Ele é descrito como um pastor solícito, até pela única ovelha perdida (cf. Mt 18, 12-14). Ele mesmo se identifica com os seus irmãos mais pequeninos: «aquilo que fizestes ao menor dos meus, a mim o fizestes» (Mt 25, 40). Na linguagem bíblica, os “pequenos” não são somente as crianças, mas também os discípulos indefesos, os mais insignificantes, os rejeitados, os oprimidos, os descartados, os pobres, os marginalizados, os ignorantes, os doentes, os que são desqualificados pelos grupos dominantes. O Cristo glorioso julgará em base ao amor para com o próximo, que consiste em ter assistido o faminto, o sedento, o estrangeiro, o nu, o doente, o encarcerado, com os quais Ele mesmo se identifica (cf. Mt 25, 34-36). Para Jesus, o bem que for feito a cada ser humano, independentemente dos laços de sangue e de religião, é o único critério de juízo. O apóstolo Paulo afirma que cada cristão deve comportar-se segundo as exigências da dignidade e do respeito aos direitos de todos os seres humanos (cf. Rm 13, 8-10), segundo o mandamento novo da caridade (cf. 1Cor 13, 1-13).

Desenvolvimentos do pensamento cristão

13. O prosseguimento do pensamento cristão estimulou e acompanhou os progressos da reflexão humana sobre o tema da dignidade. A antropologia cristã clássica, baseada sobre a grande tradição dos Padres da Igreja, colocou em relevo a doutrina do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus e o seu papel singular na criação.[20] O pensamento cristão medieval, avaliando criticamente a herança do pensamento filosófico antigo, chegou a uma síntese da noção de pessoa, reconhecendo o fundamento metafísico da sua dignidade, como atestam as seguintes palavras de Santo Tomás de Aquino: «pessoa significa o que de mais nobre existe em todo o universo, isto é, o subsistente de natureza racional».[21] Tal dignidade ontológica, na sua manifestação privilegiada através do livre agir humano, foi posteriormente ressaltada sobretudo pelo humanismo cristão do Renascimento.[22] Também na visão de pensadores modernos, como Descartes e Kant, não obstante colocassem em discussão alguns fundamentos da antropologia cristã tradicional, podem-se encontrar também fortes ecos da Revelação. Sobre a base de algumas reflexões filosóficas mais recentes sobre o estatuto da subjetividade teorética e prática, a reflexão cristã chegou a sublinhar ainda mais a grandeza do conceito de dignidade, alcançando uma perspectiva original, como por exemplo o personalismo no século XX. Tal perspectiva não só retoma a questão da subjetividade, mas a aprofunda na direção da intersubjetividade e das relações que ligam entre si as pessoas humanas.[23] A proposta antropológica cristã contemporânea igualmente se enriqueceu com o pensamento proveniente desta última visão.[24]

Tempos atuais

14. Nos nossos dias, o termo “dignidade” é utilizado prevalentemente para sublinhar o caráter único da pessoa humana, incomensurável em relação aos outros seres do universo. Neste horizonte, compreende-se o modo em que é usado o termo dignidade na Declaração das Nações Unidas de 1948, em que se trata «da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos, iguais e inalienáveis». Somente este caráter inalienável da dignidade humana permite que se fale de direitos do homem.[25]

15. Para esclarecer melhor o conceito de dignidade, é importante assinalar que ela não é concedida à pessoa por outros seres humanos, a partir de seus talentos e qualidades, de modo que poderia ser eventualmente retirada. Se a dignidade fosse concedida à pessoa por outros seres humanos, então ela se daria de modo condicionado e alienável e o próprio significado de dignidade (ainda que merecedor de grande respeito) permaneceria exposto ao risco de ser abolido. Na verdade, a dignidade é intrínseca à pessoa, não conferida a posteriori, prévia a qualquer reconhecimento, não podendo ser perdida. Em consequência, todos os seres humanos possuem a mesma e intrínseca dignidade, independentemente do fato que sejam ou não capazes de exprimi-la adequadamente.

16. Por isso, o Concílio Vaticano II fala da «eminente dignidade da pessoa humana, superior a todas as coisas e cujos direitos e deveres são universais e invioláveis».[26] Como recorda o incipit da Declaração conciliar Dignitatis humanae, «os seres humanos tornam-se sempre mais conscientes da própria dignidade como pessoa e cresce o número daqueles que exigem poder agir por própria iniciativa, exercendo sua liberdade responsável, movidos pela consciência do dever e não obrigados por medidas coercitivas».[27] Tal liberdade de pensamento e de consciência, seja individual ou comunitária, é baseada sobre o reconhecimento da dignidade humana «como foi-lhes dada a conhecer pela Palavra de Deus revelada e pela própria razão».[28] O mesmo Magistério eclesial amadureceu, com sempre maior perfeição, o significado de tal dignidade, junto com as exigências e as implicações a ele conexas, chegando à tomada de consciência de que a dignidade de cada ser humano é tal para além de toda circunstância.

2. A Igreja anuncia, promove e garante a dignidade humana

17. A Igreja proclama a igual dignidade de todos os seres humanos, independentemente da sua condição de vida ou das suas qualidades. Este anúncio se apoia sobre uma tríplice convicção que, à luz da fé cristã, confere à dignidade humana um valor incomensurável e reforça as suas intrínsecas exigências.

Uma indelével imagem de Deus

18. Em primeiro lugar, segundo a Revelação, a dignidade do ser humano provém do amor do seu Criador, que imprimiu nele os traços indeléveis da sua imagem (cf. Gn 1, 26), chamando-o a conhecê-lo, amá-lo e viver uma relação de aliança consigo, bem como na fraternidade, na justiça e na paz com todos os outros homens e mulheres. Nesta visão, a dignidade se refere não só à alma, mas à pessoa como unidade incindível, e assim é inerente também ao corpo, o qual participa a seu modo do ser imagem de Deus da pessoa humana e é chamado igualmente a participar da glória da alma na beatitude divina.

Cristo eleva a dignidade do homem

19. Uma segunda convicção procede do fato que a dignidade da pessoa humana foi revelada plenamente quando o Pai enviou seu Filho, que assumiu a existência humana por inteiro: «o Filho de Deus, no mistério da encarnação, confirmou a dignidade do corpo e da alma, que constituem o ser humano». [29] Assim, unindo-se de certo modo a cada ser humano através da sua encarnação, Jesus Cristo confirmou que o homem possui uma dignidade inestimável, pelo simples fato de pertencer à mesma comunidade humana e que esta dignidade não pode ser perdida jamais.[30] Proclamando que o Reino de Deus pertence aos pobres, aos humildes, àqueles que são desprezados, que sofrem no corpo e no espírito; curando todo tipo de doença e de enfermidade, mesmo as mais dramáticas como a lepra; afirmando que aquilo que é feito a essas pessoas é fato a ele, porque ele está presente nessas pessoas, Jesus trouxe a grande novidade do reconhecimento da dignidade de cada pessoa, como também e sobretudo daquelas qualificadas como “indignas”. Este princípio novo na história, pelo qual o ser humano é tanto mais “digno” de respeito e de amor quanto mais é fraco, mísero e sofredor, até o ponto de perder a própria “figura” humana, mudou o rosto do mundo, dando vida a instituições que se dedicam a cuidar daqueles que se encontram em condições desfavoráveis: os recém-nascidos abandonados, os órfãos, os idosos deixados sozinhos, os doentes mentais, os portadores de doenças incuráveis ou com graves malformações, os sem-teto.

Uma vocação à plena dignidade

20. A terceira convicção diz respeito ao destino final do ser humano: depois da criação e da encarnação, a ressurreição de Cristo nos revela um aspecto ulterior da dignidade humana. De fato, «o aspecto mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à comunhão com Deus»,[31] destinada a durar para sempre. Desse modo, «a dignidade [da vida humana] não é ligada só às suas origens, ao seu proceder de Deus, mas também ao seu fim, ao seu destino de comunhão com Deus, conhecendo-o e amando-o. É à luz desta verdade que Santo Irineu dá precisão e arremata a sua exaltação do homem: “glória de Deus” é sim o “o homem que vive”, mas “a vida do homem consiste na visão de Deus”».[32]

21. Em consequência, a Igreja crê e afirma que todos os seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus e recriados[33] no Filho feito homem, crucificado e ressuscitado, são chamados a crescer sob a ação do Espírito Santo para refletir a glória do Pai, naquela mesma imagem, participando da vida eterna (cf. Jo 10, 15-16.17, 22-24; 2Cor 3, 18; Ef 1, 3-14). De fato, «a Revelação [...] faz conhecer a dignidade da pessoa humana em toda a sua amplitude».[34]

Um empenho pela própria liberdade

22. Ainda que cada ser humano possua uma inalienável e intrínseca dignidade desde o início da sua existência como dom irrevogável, depende da sua decisão livre e responsável exprimi-la e manifestá-la plenamente ou senão ofuscá-la. Alguns Padres da Igreja – como S. Irineu e S. João Damasceno – estabeleceram uma distinção entre a imagem e a semelhança de que fala Gênesis, permitindo assim um olhar dinâmico sobre a mesma dignidade humana: a imagem de Deus é confiada à liberdade do ser humano para que, sob a guia e a ação do Espírito, cresça a sua semelhança com Deus e cada pessoa possa chegar à sua mais alta dignidade.[35] Toda pessoa é chamada a manifestar em nível existencial e moral o caráter ontológico da sua dignidade, na medida em que com a própria liberdade se orienta para o verdadeiro bem, em resposta ao amor de Deus. Desse modo, enquanto é criada à imagem de Deus, de uma parte, a pessoa humana jamais perde a sua dignidade e não deixa de ser chamada a acolher livremente o bem; de outra parte, enquanto a pessoa humana responde ao bem, a sua dignidade pode livremente, dinamicamente e progressivamente manifestar-se, crescer e amadurecer. Isto significa que o ser humano deve buscar viver à altura da própria dignidade. Compreende-se então em que sentido o pecado possa ferir e ofuscar a dignidade humana, como ato contrário a ela, mas ao mesmo tempo isso não pode jamais cancelar o fato de o ser humano ter sido criado à imagem de Deus. A fé contribui de modo decisivo a ajudar a razão na sua percepção da dignidade humana, bem como para acolher, consolidar e precisar seus traços essenciais, como evidenciou Bento XVI: «sem o corretivo fornecido pela religião, também a razão pode sofrer distorções, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia ou aplicada em modo parcial, que não tem em conta plenamente a dignidade da pessoa humana. Foi este uso distorcido da razão, no fim das contas, que deu origem ao comércio dos escravos e ainda a muitos outros males sociais, não por último as ideologias totalitárias do século XX».[36]

3. A dignidade, fundamento dos direitos e dos deveres humanos

23. Como já recordado por Papa Francisco, «na cultura moderna, a referência mais próxima ao princípio da dignidade inalienável da pessoa é a Declaração universal dos direitos do homem, que São João Paulo II definiu “pedra miliar colocada sobre o longo e difícil caminho do gênero humano”, e como “uma das mais altas expressões da consciência humana”».[37] Para resistir às tentativas de alterar ou cancelar o significado profundo daquela Declaração, vale a pena recordar alguns princípios essenciais que devem ser sempre honrados.

Respeito incondicionado à dignidade humana

24. Em primeiro lugar, ainda que seja difundida uma sempre maior sensibilidade quanto ao tema da dignidade humana, ainda hoje se observam numerosos mal-entendidos sobre o conceito de dignidade, que distorcem o seu significado. Alguns propõem que seria melhor usar a expressão “dignidade pessoal” (e direitos “da pessoa”) ao invés de “dignidade humana” (e direitos do homem), porque entendem como pessoa somente “um ser que é capaz de raciocinar”. Em consequência, sustentam que a dignidade e os direitos se deduzem da capacidade de conhecimento e de liberdade, que nem todos os seres humanos possuem. Logo, não teria dignidade pessoal a criança ainda não-nascida, nem o idoso não autossuficiente, nem o portador de deficiência mental.[38] A Igreja, ao contrário, insiste no fato que a dignidade de cada pessoa humana, porque é intrínseca, permanece “para além de toda circunstância” e o seu reconhecimento não pode absolutamente depender do juízo sobre a capacidade da pessoa de entender e de agir livremente. De outro modo, a dignidade não seria, como tal, inerente à pessoa, independente dos seus condicionamentos e merecedora de um respeito incondicionado. Somente reconhecendo ao ser humano uma dignidade intrínseca, que não se perde jamais, é possível garantir a tal qualidade um inviolável e seguro fundamento. Sem nenhuma referência ontológica, o reconhecimento da dignidade humana oscilaria à mercê de diferentes e arbitrárias avaliações. A única condição para que se possa falar de dignidade inerente à pessoa é a sua pertença à espécie humana, pelo que «os direitos da pessoa são direitos do ser humano».[39]

Uma referência objetiva para a liberdade humana

25. Em segundo lugar, o conceito de dignidade humana foi às vezes usado de modo abusivo também para justificar uma multiplicação arbitrária de novos direitos, muitos dos quais em contraste com aqueles originalmente definidos e, não raro, postos em contraste com o direito fundamental à vida[40], como se fosse devido garantir a expressão e a realização de toda preferência individual ou desejo subjetivo. A dignidade se identificaria então com uma liberdade isolada e individualista, que pretende impor como “direitos”, garantidos e financiados pela coletividade, alguns desejos e algumas propensões subjetivas. Mas a dignidade humana não pode ser baseada sobre standards meramente individuais, nem identificada somente com o bem-estar psicofísico do indivíduo. Ao invés disso, a defesa da dignidade do ser humano é fundada sobre exigências constitutivas da natureza humana, que não dependem nem do arbítrio individual, nem do reconhecimento social. Os deveres que brotam do reconhecimento da dignidade do outro e os correspondentes direitos que disso derivam têm, pois, um conteúdo concreto e objetivo, fundado sobre a natureza humana possuída em comum. Sem uma tal referência objetiva, o conceito de dignidade acabaria por se sujeitar aos mais diversos arbítrios, como também aos interesses de poder.

Estrutura relacional da pessoa humana

26. A dignidade humana, à luz do caráter relacional da pessoa, ajuda a superar a perspectiva redutiva de uma liberdade autorreferencial e individualista, que pretende criar os próprios valores prescindindo das normas objetivas do bem e da relação com os outros seres viventes. Sempre mais frequentemente existe o risco de limitar a dignidade à capacidade de decidir de modo discricional sobre si e sobre o próprio destino, independentemente daquele dos outros, sem ter presente a pertença à comunidade humana. Em tal compreensão errada da liberdade, os deveres e os direitos não podem ser mutuamente reconhecidos, de modo que se cuide uns dos outros. Na verdade, como recorda São João Paulo II, a liberdade é colocada «a serviço da pessoa e da sua realização mediante o dom de si e o acolhimento do outro; quando, porém, é absolutizada em chave individualista, a liberdade é esvaziada do seu conteúdo originário e é contradita na sua própria vocação e dignidade».[41]

27. Desse modo, a dignidade do ser humano compreende também a capacidade, ínsita na mesma natureza humana, de assumir obrigações para com os outros.

28. A diferença entre o ser humano e o restante dos seres viventes, que se ressalta graças ao conceito de dignidade, não deve fazer esquecer a bondade dos outros seres criados, que existem não só em função do homem, mas também com um valor próprio e, portanto, como dons a ele confiados para que sejam cuidados e cultivados. Assim, enquanto se reserva ao ser humano o conceito de dignidade, deve-se afirmar ao mesmo tempo a bondade criatural do inteiro cosmos. Como sublinha Papa Francisco: «Devido à sua dignidade única e por ser dotado de inteligência, o ser humano é chamado a respeitar a criação com as suas leis internas [...]: “Cada criatura tem a sua própria bondade e a sua própria perfeição [...]. As várias criaturas, queridas no seu próprio ser, refletem, cada uma a seu modo, um raio da infinita sabedoria e bondade de Deus. Por isso o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar um uso desordenado das coisas”».[42] Ainda mais, «hoje somos obrigados a reconhecer que é possível sustentar somente um “antropocentrismo situado”. Quer dizer, reconhecer que a vida humana é incompreensível e insustentável sem as outras criaturas».[43] Nesta perspectiva, «não é irrelevante para nós que muitas espécies estejam desaparecendo e que a crise climática esteja colocando em perigo a vida de tantos seres».[44] Pertence, de fato, à dignidade do homem o cuidado com o ambiente, considerando em particular aquela ecologia humana que lhe preserva o próprio existir.

Libertação do ser humano de condicionamentos morais e sociais

29. Estes pré-requisitos basilares, ainda que necessários, não bastam para garantir um crescimento da pessoa que seja coerente com a sua dignidade. Mesmo se «Deus criou o homem racional, conferindo-lhe a dignidade de uma pessoa dotada de iniciativa e do domínio sobre seus atos»[45] em vista do bem, o livre-arbítrio frequentemente prefere o mal ao bem. Por isso, a liberdade humana tem necessidade de ser, por sua vez, libertada. Na Carta aos Gálatas, afirmando que «Cristo nos libertou para que permanecêssemos livres» (Gal 5, 1), São Paulo recorda a tarefa própria de cada cristão, sobre cujos ombros pesa uma responsabilidade de libertação extensiva ao mundo inteiro (cf. Rm 8, 19ss). Trata-se de uma libertação que, a partir do coração de cada pessoa, é chamada a difundir-se e a manifestar a sua força humanizante em todas as relações.

30. A liberdade é um dom maravilhoso de Deus. Mesmo quando nos atrai com sua graça, Deus o faz de modo tal que jamais a nossa liberdade seja violada. Seria, portanto, um grave erro pensar que, longe de Deus e da sua ajuda, podemos ser mais livres e, em consequência, sentir-nos mais dignos. Desligada do seu Criador, a nossa liberdade não pode senão enfraquecer-se e ofuscar-se. O mesmo acontece se a liberdade se imagina como independente de qualquer referência que não seja si mesma e estima toda relação com uma verdade precedente como se fosse uma ameaça. Consequentemente, também o respeito pela liberdade e pela dignidade dos outros será deteriorado. Papa Bento XVI o explicou: «uma vontade que se crê radicalmente incapaz de buscar a verdade e o bem não tem razões objetivas nem motivos para agir, senão aqueles impostos pelos seus interesses momentâneos e contingentes, não tem uma “identidade” a ser preservada e construída através de escolhas verdadeiramente livres e conscientes. Não pode, portanto, reclamar o respeito por parte das outras “vontades”, também elas desligadas do próprio ser mais profundo, que possam fazer valer outras “razões” ou até mesmo nenhuma “razão”. A ilusão de encontrar no relativismo moral a chave para uma pacífica convivência é, de fato, a origem da divisão e da negação da dignidade dos seres humanos».[46]

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31. Além disso, não seria realístico afirmar uma liberdade abstrata, isenta de qualquer condicionamento, contexto ou limite. Ao invés, «o reto exercício da liberdade pessoal exige precisas condições de ordem econômica, social, jurídica, política e cultural»[47], que permanecem muitas vezes despercebidas. Neste sentido, podemos dizer que alguns têm maior “liberdade” que outros. Papa Francisco se deteve particularmente sobre este ponto: «alguns nascem em famílias de boas condições econômicas, recebem boa educação, crescem bem nutridos ou possuem naturalmente capacidades notáveis. Estes seguramente não terão necessidade de um Estado ativo e requererão só liberdade. Mas, evidentemente, não vale a mesma regra para uma pessoa deficiente, para quem nasceu em uma casa pobre, para quem cresceu com uma educação de baixa qualidade e com escassas possibilidades de cuidar como se deve das próprias doenças. Se a sociedade se rege primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência, não haverá lugar para estes e a fraternidade será ao máximo uma expressão romântica».[48] Torna-se, pois, indispensável compreender que «a libertação das injustiças promove a liberdade e a dignidade humana»[49] em todos os níveis das ações humanas. Para que seja possível uma autêntica liberdade, «devemos recolocar a dignidade humana ao centro e sobre esta pilastra sejam construídas as estruturas sociais alternativas de que temos necessidade».[50] De modo análogo, a liberdade é frequentemente obscurecida por tantos condicionamentos psicológicos, históricos, sociais, educativos, culturais. A liberdade real e histórica precisa sempre ser “libertada”. E deve-se ainda reafirmar o fundamental direito à liberdade religiosa.

32. Ao mesmo tempo, é evidente que a história da humanidade mostra um progresso na compreensão da dignidade e da liberdade das pessoas, não isento de sombras e perigos de involução. Disso é testemunha o fato que existe uma crescente aspiração – também sob a influência cristã, que continua a ser fermento, mesmo em sociedades sempre mais secularizadas – a erradicar o racismo, a escravidão, a marginalização das mulheres, crianças, doentes e pessoas deficientes. Mas este árduo caminho está longe de ser concluído.

4. Algumas graves violações da dignidade humana

33. À luz das reflexões aqui feitas acerca do caráter central da dignidade humana, esta última seção da Declaração enfrenta algumas concretas e graves violações da mesma. Isto é feito no espírito próprio do magistério da Igreja, que encontrou plena expressão no ensinamento dos últimos Pontífices, como já recordado. Papa Francisco, por exemplo, de uma parte não se cansa de recordar o respeito à dignidade humana: «todo ser humano tem direito a viver com dignidade e a desenvolver-se integralmente e nenhum país pode negar tal direito fundamental. Cada um o possui, mesmo se é pouco eficiente, mesmo se nasceu ou cresceu com limitações; de fato, isso não diminui a sua imensa dignidade como pessoa humana, que não se funda sobre as circunstâncias, mas sobre o valor do seu ser. Quando este princípio elementar não é salvaguardado, não existe futuro nem para a fraternidade, nem para a sobrevivência da humanidade».[51] De outra parte, o Papa não cessa de indicar a todos as concretas violações da dignidade humana no nosso tempo, chamando cada um a redespertar a responsabilidade e o empenho concreto.

34. Querendo indicar algumas das numerosas e graves violações da dignidade humana no mundo contemporâneo, podemos recordar o ensinamento do Concílio Vaticano II. É preciso reconhecer que se opõe à dignidade humana «tudo aquilo que é contrário à vida mesma, como toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário».[52] Atenta ainda contra a nossa dignidade «tudo aquilo que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas».[53] Enfim, «tudo aquilo que ofende a dignidade humana, como as condições de vida sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas condições de trabalho com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis».[54] É necessário mencionar aqui o tema da pena de morte[55], que também viola a dignidade inalienável de toda pessoa humana para além de toda circunstância. Deve-se, ao contrário, reconhecer que «a decidida rejeição da pena de morte mostra até que ponto é possível reconhecer a inalienável dignidade de cada ser humano e admitir que tenha um lugar neste mundo, já que se não o nego ao pior dos criminosos, não o negarei a ninguém, darei a todos a possibilidade de partilhar comigo este planeta, malgrado o que nos possa separar».[56] Parece oportuno também reafirmar a dignidade das pessoas que se encontram encarceradas, muitas vezes obrigadas a viver em condições indignas, como também que a prática da tortura afronta, para além de todo limite, a dignidade própria de cada ser humano, mesmo no caso de alguém culpado de graves crimes.

35. Mesmo sem ter a pretensão de exaustividade, naquilo que segue chamamos novamente a atenção sobre algumas graves violações da dignidade humana particularmente atuais.

O drama da pobreza

36. Um dos fenômenos que contribui consideravelmente para negar a dignidade de tantos seres humanos é a pobreza extrema, ligada à desigual distribuição da riqueza. Como já sublinhado por São João Paulo II, «uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo consiste propriamente nisto: que são relativamente poucos aqueles que possuem muito e muitos aqueles que não possuem quase nada. É a injustiça da má distribuição dos bens e dos serviços destinados originariamente a todos».[57] Além disso, seria ilusório fazer uma distinção sumária entre “países ricos” e “países pobres”: já Bento XVI reconhecia que «cresce a riqueza mundial em termos absolutos, mas aumentam as disparidades. Nos países ricos, novas categorias sociais se empobrecem e nascem novas pobrezas. Em áreas mais pobres, alguns grupos têm uma espécie de super-desenvolvimento dissipador e consumista, que contrasta de modo inaceitável com perdurantes situações de miséria desumanizante. Continua “o escândalo de desigualdades clamorosas”»,[58] em que a dignidade dos pobres é duplamente negada, seja pela falta de recursos à disposição para satisfazer as suas necessidades primárias, seja pela indiferença com que são tratados por aqueles que vivem a seu lado.

37. Com Papa Francisco deve-se, portanto, concluir que «aumentou a riqueza, mas sem equidade, e assim o que acontece é que “nascem novas pobrezas”. Quando se diz que o mundo moderno reduziu a pobreza, isso se faz medindo-a com critérios de outras épocas não comparáveis com a realidade atual».[59] Em consequência, a pobreza se difunde «de muitos modos, como na obsessão por reduzir os custos do trabalho, sem dar-se conta das graves consequências que isso provoca, porque o desemprego que se produz tem como efeito direto o alargar-se dos confins da pobreza».[60] Entre esses «efeitos destrutivos do império do dinheiro»,[61] deve-se reconhecer que «não existe pior pobreza do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho».[62] Se alguns nasceram em um país ou em uma família onde se tem menos possibilidade de desenvolvimento, é necessário reconhecer que isto contrasta com a sua dignidade, que é exatamente a mesma daqueles que nasceram em uma família ou em um país rico. Todos somos responsáveis, ainda que em diversos graus, desta evidente iniquidade.

A guerra

38. Outra tragédia que nega a dignidade humana é o prolongar-se da guerra, hoje como em todos os tempos: «guerras, atentados, perseguições por motivos raciais e religiosos e tantas opressões contrárias à dignidade humana [...] vão “multiplicando-se dolorosamente em muitas regiões do mundo, de modo a assumir as feições daquela que se poderia chamar uma ‘terceira guerra mundial em pedaços’”».[63] Com o seu rastro de destruição e dor, a guerra ataca a dignidade humana a curto e a longo prazo: «ainda que reafirmando o direito inalienável à legítima defesa, como também a responsabilidade de proteger aqueles cuja existência é ameaçada, devemos admitir que a guerra é sempre uma “derrota da humanidade”. Nenhuma guerra vale a as lágrimas de uma mãe que viu seu filho mutilado ou morto; nenhuma guerra vale a perda da vida, ainda que fosse de uma só pessoa humana, ser sagrado, criado à imagem e semelhança do Criador; nenhuma guerra vale o envenenamento da nossa casa comum; nenhuma guerra vale o desespero de quantos são obrigados a deixar a sua pátria e são privados, de um momento a outro, da sua casa e de todos os vínculos familiares, de amizade, sociais e culturais que foram construídos, às vezes ao longo de gerações».[64] Todas as guerras, pelo simples fato de contradizer a dignidade humana, são «conflitos que não resolverão os problemas, mas os aumentarão».[65] Isto resulta ainda mais grave no nosso tempo, quando se tornou normal que, fora do campo de batalha, morram tantos civis inocentes.

39. Em consequência, também hoje a Igreja não pode senão fazer suas as palavras dos Pontífices, repetindo com São Paulo VI: «jamais plus la guerre, jamais plus la guerre!»[66] e pedindo, junto com São João Paulo II, «a todos, em nome de Deus e em nome do homem: Não matai! Não preparai aos homens destruição e extermínio! Pensai nos vossos irmãos que sofrem fome e miséria! Respeitai a dignidade e a liberdade de cada um!».[67] No nosso tempo propriamente, este é o grito da Igreja e de toda a humanidade. Papa Francisco sublinha, enfim, que «não podemos mais pensar na guerra como solução. Diante desta realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais maturados em outros séculos para falar de uma possível “guerra justa”. Nunca mais a guerra!».[68] Já que a humanidade recai frequentemente nos mesmos erros do passado, «para construir a paz é necessário sair da lógica da legitimidade da guerra».[69] A íntima relação que existe entre fé e dignidade humana torna contraditório que a guerra seja fundada sobre convicções religiosas: «Aqueles que invocam o nome de Deus para justificar o terrorismo, a violência e a guerra não seguem o caminho de Deus: a guerra em nome da religião é uma guerra contra a própria religião».[70]

O sofrimento dos migrantes

40. Os migrantes estão entre as primeiras vítimas das múltiplas formas de pobreza. Não só a sua dignidade é negada nos seus países,[71] mas a sua própria vida é colocada em risco porque não têm mais os meios para formar uma família, para trabalhar ou para nutrir-se.[72] Uma vez que chegam em países que deveriam ser capazes de acolhê-los, «não são considerados dignos o bastante para participar da vida social como qualquer outro, e se esquece que possuem a mesma intrínseca dignidade de toda pessoa [...] Não se dirá jamais que não são humanos, mas na prática, com as decisões e os modos de tratá-los, manifesta-se que são considerados de menor valor, menos importantes, menos humanos».[73] É, portanto, sempre urgente recordar que «cada migrante é uma pessoa humana que, enquanto tal, possui direitos fundamentais inalienáveis que devem ser respeitados por todos em todas as situações».[74] O seu acolhimento é um modo importante e significativo de defender «a inalienável dignidade de toda pessoa humana para além da origem, da cor ou da religião».[75]

O tráfico de pessoas

41. O tráfico de pessoas humanas deve também ser contado como violação grave da dignidade humana.[76] Não constitui uma novidade, mas o seu desenvolvimento assume dimensões trágicas que estão sob os olhos de todos, razão pela qual Papa Francisco a denunciou em termos particularmente fortes: «reafirmo que o “tráfico de pessoas” é uma atividade indigna, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas! Exploradores e clientes em todos os níveis deveriam fazer um sério exame de consciência diante de si mesmos e diante de Deus! A Igreja renova hoje o seu forte apelo para que sejam sempre tuteladas a dignidade e a centralidade de cada pessoa, no respeito dos direitos fundamentais, como a sua Doutrina social evidencia, direitos que ela pede que sejam estendidos realmente lá onde não são reconhecidos a milhões de homens e mulheres em todos os continentes. Num mundo em que se fala tanto de direitos, parece estranho que o único a os ter seja o dinheiro».[77]

42. Por tais motivos, a Igreja e a humanidade não devem renunciar a lutar contra fenômenos como «comércio de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de crianças, trabalho escravizado, incluída a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e crime internacional organizado. É tão grande a dimensão dessas situações e o número de vidas inocentes envolvidas, que devemos evitar qualquer tentação de cair em um nominalismo declamatório com efeito tranquilizante sobre as consciências. Devemos cuidar para que as nossas instituições sejam realmente eficazes na luta contra todos esses flagelos».[78] Diante de formas tão diversas e brutais de negação da dignidade humana, é necessário ser sempre mais conscientes que «o tráfico de pessoas é um crime contra a humanidade»,[79] que nega substancialmente a dignidade humana de dois modos pelo menos: «o tráfico [de pessoas] deturpa a humanidade da vítima, ofendendo a sua liberdade e dignidade, mas, ao mesmo tempo, desumaniza quem o pratica».[80]

Abusos sexuais

43. A profunda dignidade inerente ao ser humano na sua inteireza de alma e corpo permite também compreender por que todo abuso sexual deixa profundas cicatrizes no coração daquele que o sofre: de fato, ele se reconhece ferido na sua dignidade humana. Trata-se de «sofrimentos que podem durar toda a vida e a que nenhum arrependimento pode remediar. Tal fenômeno é difuso na sociedade, toca também a Igreja e representa um sério obstáculo à sua missão».[81] Daqui brota o empenho que a Igreja não cessa de exercitar para colocar fim a todo tipo de abuso, iniciando do seu interior.

As violências contra as mulheres

44. As violências contra as mulheres são um escândalo global, que é sempre mais reconhecido. Se nas palavras se reconhece a igual dignidade da mulher, em alguns países as desigualdades entre mulheres e homens são gravíssimas; também nos países mais desenvolvidos e democráticos a realidade social concreta testemunha o fato que frequentemente não se reconhece às mulheres a mesma dignidade dos homens. Papa Francisco evidencia este fato quando afirma que «a organização das sociedades em todo o mundo está ainda longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e os idênticos direitos dos homens. Com palavras se afirmam certas coisas, mas as decisões e a realidade gritam outra mensagem. É um fato que “são duplamente pobres as mulheres que sofrem situações de exclusão, maus tratos e violência, porque muitas vezes se encontram com menores possibilidades de defender os seus direitos”».[82]

45. Já São João Paulo II reconhecia que «muito ainda resta por fazer para que o ser mulher e mãe não comporte uma discriminação. É urgente obter em toda parte a efetiva igualdade dos direitos da pessoa e assim a paridade de salário em relação à paridade de trabalho, tutela da trabalhadora-mãe, justas progressões na carreira, igualdade entre os cônjuges no direito de família, o reconhecimento de tudo quanto é ligado aos direitos e aos deveres do cidadão em um regime democrático».[83] As desigualdades nestes aspectos são diversas formas de violência. E recordava também que «é hora de condenar com vigor, dando vida a apropriados instrumentos legislativos de defesa, as formas de violência sexual que, não raro, têm por objeto as mulheres. Em nome do respeito à pessoa, não podemos não denunciar a difusa cultura hedonista e mercantil que promove a sistemática exploração da sexualidade, induzindo inclusive jovens em tenra idade a cair nos circuitos da corrupção e a fazerem do seu corpo uma mercadoria».[84] Entre as formas de violência exercidas sobre as mulheres, como não citar a constrição ao aborto, que fere seja a mãe que o filho, tão frequente para satisfazer o egoísmo dos homens? E como não citar também as práticas da poligamia que – como recorda o Catecismo da Igreja Católica – é contrária à igual dignidade das mulheres e dos homens e é ainda contrária «ao amor conjugal, que é único e exclusivo»?[85]

46. Neste horizonte de violência contra as mulheres, jamais se condenará o suficiente o fenômeno do feminicídio. Neste front o empenho da inteira comunidade internacional deve ser compacto e concreto, como reafirmou Papa Francisco: «O amor por Maria nos deve ajudar a gerar atitudes de reconhecimento e gratidão para com a mulher, para com nossas mães e avós, que são um baluarte na vida das nossas cidades. Quase sempre silenciosas, levam adiante a vida. É o silêncio e a força da esperança. Obrigado pelo vosso testemunho! [...] mas olhando as mães e as avós, desejo convidar-vos a lutar contra uma chaga que fere o nosso continente americano: os numerosos casos de feminicídio. E são muitas as situações de violência mantidas em silêncio além de tantas paredes. Convido-vos a lutar contra esta fonte de sofrimento, pedindo que se promova uma legislação e uma cultura de repúdio a toda forma de violência».[86]

Aborto

47. A Igreja não cessa de recordar que «a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e vale desde o momento da sua concepção até a sua morte natural. A afirmação de uma tal dignidade é o pressuposto irrenunciável para a tutela de uma existência pessoal e social, como também a condição necessária para que a fraternidade e a amizade social possam realizar-se entre todos os povos da terra».[87] Sobre a base deste valor intocável da vida humana, o magistério eclesial sempre se pronunciou contra o aborto. A propósito, escreve São João Paulo II: «Entre todos os delitos que o homem pode cometer contra a vida, o aborto procurado apresenta características que o tornam particularmente grave e deplorável. [...] Mas hoje, na consciência de muitos, a percepção da sua gravidade foi-se progressivamente obscurecendo. A aceitação do aborto na mentalidade, no costume e na própria lei é sinal eloquente de uma perigosíssima crise do senso moral, que se torna sempre mais incapaz de distinguir entre o bem e o mal, mesmo quando está em jogo o direito fundamental à vida. Diante de uma tão grave situação, é preciso mais que nunca ter a coragem de encarar a verdade e de chamar as coisas pelo seu nome, sem ceder a compromissos de comodidade ou à tentação do autoengano. A tal propósito, ressoa categórica a denúncia do Profeta: “Ai daqueles que chamam de bem o mal e o mal de bem, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas” (Is 5, 20). Propriamente no caso do aborto, registra-se a difusão de uma terminologia ambígua, como aquela de “interrupção da gravidez”, que tende a esconder sua verdadeira natureza e a atenuar sua gravidade na opinião pública. Talvez este próprio fenômeno linguístico seja sintoma de um mal-estar das consciências. Mas nenhuma palavra consegue mudar a realidade das coisas: o aborto procurado é o assassínio deliberado e direto, seja qual for o modo de sua atuação, de um ser humano na fase inicial da sua existência, compreendida entre a concepção e o nascimento».[88] As crianças nascituras são assim «os mais indefesos e inocentes de todos, aos quais hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que se quer, tirando deles a vida e promovendo legislações de modo que ninguém o possa impedir».[89] Deve-se, portanto, afirmar com toda força e clareza, também no nosso tempo, que «esta defesa da vida nascente é intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em toda fase de seu desenvolvimento. É um fim em si mesmo e jamais um meio para resolver outras dificuldades. Se esta convicção cai, não restam sólidos e permanentes fundamentos para a defesa dos direitos humanos, que seriam sempre sujeitos às conveniências contingentes dos poderosos de ocasião. A pura razão é suficiente para reconhecer o valor inviolável de toda vida humana, mas se a contemplamos também a partir da fé, “cada violação da dignidade pessoal do ser humano grita por reparação diante da face de Deus e se configura como ofensa ao Criador do homem”».[90] Merece aqui ser recordado o generoso e corajoso empenho de Santa Teresa de Calcutá pela defesa de todo concebido.

Maternidade sub-rogada

48. Além disso, a Igreja toma posição contra a prática da maternidade sub-rogada, através da qual a criança, imensamente digna, torna-se mero objeto. A este propósito, as palavras de Papa Francisco são de uma clareza única: «o caminho da paz exige o respeito pela vida, de toda vida humana, a partir daquela do nascituro no ventre da mãe, que não pode ser suprimida, nem se tornar mercadoria. Quanto a isso, considero deplorável a prática da assim chamada maternidade sub-rogada, que lesa gravemente a dignidade da mulher e do filho. Esta [prática] se funda sobre a exploração de uma situação de necessidade material da mãe. Uma criança é sempre um dom e nunca objeto de um contrato. Faço votos, portanto, que haja um empenho da comunidade internacional para proibir em nível universal tal prática». [91]

49. A prática da maternidade sub-rogada viola, antes de tudo, a dignidade da criança. Cada criança, desde a concepção, do nascimento e no seu crescimento como menino ou menina, tornando-se adulto, possui uma dignidade intocável que se exprime claramente, ainda que de modo singular e diferenciado, em cada fase da sua vida. A criança tem pois o direito, em virtude da sua inalienável dignidade, de ter uma origem plenamente humana e não conduzida artificialmente, e de receber o dom de uma vida que manifeste, ao mesmo tempo, a dignidade de quem a doa e de quem a recebe. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana comporta ainda aquele da dignidade da união conjugal e da procriação humana em todas as suas dimensões. Nesta direção, o legítimo desejo de ter um filho não pode ser transformado em um “direito ao filho” que não respeita a dignidade deste mesmo filho, como destinatário do dom gratuito da vida.[92]

50. A maternidade sub-rogada viola, ao mesmo tempo, a dignidade da mulher que é obrigada ou que decide livremente submeter-se a tal prática. Com esta, a mulher se separa do filho que nela cresce e se torna um simples meio, sujeito ao lucro ou ao desejo arbitrário de outrem. Isso afronta totalmente a dignidade fundamental de todo ser humano e o seu direito de ser sempre reconhecido por si mesmo e não como instrumento para outros fins.

Eutanásia e suicídio assistido

51. Existe um caso particular de violação da dignidade humana que é mais silencioso, mas que está ganhando muito terreno. Apresenta a peculiaridade de utilizar um conceito errado de dignidade humana para fazê-lo voltar-se contra a vida mesma. Tal confusão, muito comum hoje, vem à luz quando se fala de eutanásia. Por exemplo, as leis que reconhecem a possibilidade da eutanásia ou do suicídio assistido designam-se às vezes como “leis da morte digna” (death with dignity acts). É muito difusa a ideia que a eutanásia ou o suicídio assistido sejam coerentes com o respeito à dignidade da pessoa humana. Diante desse fato, deve-se reafirmar com força que o sofrimento não faz perder ao doente aquela dignidade que lhe é própria de modo intrínseco e inalienável, mas pode tornar-se ocasião para reforçar os vínculos da mútua pertença e para tomar maior consciência da preciosidade de cada pessoa para a humanidade inteira.

52. Certamente, a dignidade do doente em condições críticas ou terminais requer esforços adequados e necessários para aliviar o seu sofrimento mediante os oportunos cuidados paliativos, evitando toda obsessão terapêutica ou intervenções desproporcionais. Os cuidados paliativos respondem ao «dever constante de compreensão pelas necessidades do doente: necessidades de assistência, alívio da dor, necessidades emocionais, afetivas e espirituais». [93] Mas tal esforço é totalmente diverso, distinto, antes contrário à decisão de eliminar a própria vida ou a vida de outrem sob o peso do sofrimento. A vida humana, mesmo em uma condição de dor, é portadora de uma dignidade que deve ser sempre respeitada, que não pode ser perdida e cujo respeito permanece incondicionado. Não existem algumas condições, em falta das quais a vida humana deixe de ser dignamente tal e por isso possa ser suprimida: «A vida tem a mesma dignidade e o mesmo valor para cada um: o respeito pela vida do outro é o mesmo que se deve pela própria existência».[94] Ajudar o suicida a matar-se é, portanto, uma ofensa objetiva contra a dignidade da pessoa que o pede, mesmo que se esteja realizando um seu desejo: «devemos acompanhar até a morte, mas não provocar a morte ou ajudar qualquer forma de suicídio. Recordo que deve ser sempre privilegiado o direito ao cuidado e ao cuidado para todos, para que os mais fracos, em particular os idosos e doentes, não sejam jamais descartados. A vida é um direito, não a morte, a qual precisa ser acolhida, não aplicada. E este princípio ético se refere a todos, não só aos cristãos ou aos que têm fé».[95] Como já acenado, a dignidade de cada um, ainda que fraco ou sofredor, implica a dignidade de todos.

O descarte das pessoas com deficiência

53. Um critério para verificar a real atenção à dignidade de cada indivíduo é, obviamente, a assistência fornecida aos mais desvalidos. O nosso tempo, infelizmente, não se distingue muito por tal cuidado: na verdade, vai-se impondo uma cultura do descarte.[96] Para contrastar tal tendência, é merecedora de especial atenção e solicitude a condição daqueles que se encontram em uma situação de deficit físico ou psíquico. Tal condição de particular vulnerabilidade,[97] tão relevante nas narrações do Evangelho, interroga universalmente sobre o que significa ser pessoa humana, propriamente a partir de um estado de deficiência. A questão da imperfeição humana comporta claras implicações também do ponto de vista sociocultural, já que em algumas culturas as pessoas com deficiência sofrem marginalização, senão opressão, sendo tratadas como “descartáveis”. Realmente, cada ser humano, seja qual for a condição de vulnerabilidade em que venha a se encontrar, recebe a sua dignidade pelo fato mesmo de ser querido e amado por Deus. Por tal motivo, deve-se favorecer o mais possível a inclusão e a participação ativa na vida social e eclesial de todos aqueles que são de alguma forma marcados pela fragilidade ou deficiência.[98]

54. Numa perspectiva mais ampla, deve-se recordar que a «caridade, coração do espírito da política, é sempre um amor preferencial pelos últimos, o qual está por detrás de toda ação realizada em favor deles. [...] “Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, quer dizer luta e fecundidade em meio a um modelo funcionalista e privatista, que conduz inexoravelmente à ‘cultura do descarte’. [...] Significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo com dignidade”. Assim, certamente dar-se-á vida a uma atividade intensa, porque “tudo deve ser feito para tutelar a condição e a dignidade da pessoa humana”».[99]

Teoria de gênero (gender)

55. A Igreja deseja, em primeiro lugar, «reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, cuidando de evitar “toda marca de injusta discriminação” e particularmente toda forma de agressão e violência».[100] Por esta razão, denuncia-se como contrário à dignidade humana o fato que em alguns lugares não poucas pessoas são encarceradas, torturadas e até mesmo privadas da vida unicamente pela sua orientação sexual.

56. Ao mesmo tempo, a Igreja evidencia os intensos pontos críticos da teoria de gênero (gender). A tal propósito, Papa Francisco recordou que: «o caminho da paz exige o respeito dos direitos humanos, segundo aquela simples, mas clara, formulação contida na Declaração universal dos direitos humanos, cujo 75º aniversário celebramos há pouco. Trata-se de princípios racionalmente evidentes e comumente aceitados. Infelizmente, as tentativas realizadas nas últimas décadas para introduzir novos direitos, não plenamente consistentes em relação àqueles originalmente definidos e não sempre aceitáveis, deram espaço a colonizações ideológicas, entre as quais tem um papel central a teoria de gênero (gender), que é perigosíssima porque cancela as diferenças na pretensão de tornar todos iguais».[101]

57. Em mérito à teoria de gênero, sobre cuja consistência científica muitas têm sido as discussões na comunidade dos especialistas, a Igreja recorda que a vida humana, em todos os seus componentes, físicos e espirituais, é um dom de Deus, que se deve acolher com gratidão e colocar a serviço do bem. Querer dispor de si, como prescreve a teoria de gênero, independentemente desta verdade basilar da vida humana como dom, não significa outra coisa senão ceder à antiquíssima tentação do homem que se faz Deus e entrar em concorrência com o verdadeiro Deus do amor, revelado no Evangelho.

58. Uma segunda observação sobre a teoria de gênero refere-se à sua tentativa de negar a maior das diferenças possíveis entre os seres viventes: a diferença sexual. Tal diferença fundante é não só a maior, mas a mais bela e a mais potente: na dualidade homem-mulher, ela alcança a mais admirável reciprocidade e é assim a fonte daquele milagre, que não deixa de surpreender-nos, qual é a chegada de novos seres humanos ao mundo.

59. Neste sentido, o respeito ao próprio corpo e àquele dos outros é essencial diante da proliferação dos pretensos novos direitos, propostos pela teoria de gênero. Tal ideologia «propõe uma sociedade sem diferenças de sexo e esvazia a base antropológica da família».[102] É, pois, inaceitável que «algumas ideologias deste tipo, que pretendem responder a certas aspirações às vezes compreensíveis, tentem impor-se como um pensamento único que determine a educação das crianças. Não se deve ignorar que o sexo biológico (sex) e o papel sociocultural do sexo (gender) podem-se distinguir, mas não separar».[103] Devem-se rejeitar todas aquelas tentativas de obscurecer a referência à insuprimível diferença sexual entre homem e mulher: «Não podemos separar o que é masculino e feminino da obra criada por Deus, que é anterior a todas as nossas decisões e experiências e onde existem elementos biológicos que não podem ser ignorados».[104] Cada pessoa humana, somente quando pode reconhecer e aceitar esta diferença na reciprocidade, torna-se capaz de descobrir plenamente a si mesma, a própria dignidade e a própria identidade.

Mudança de sexo

60. A dignidade do corpo não pode ser considerada inferior àquela da pessoa como tal. O Catecismo da Igreja Católica nos convida expressamente a reconhecer que «o corpo do homem participa da dignidade de “imagem de Deus”». [105] Tal verdade merece ser recordada sobretudo quando se trata do tema da mudança de sexo. O ser humano é composto de corpo e alma, unidos de modo incindível, sendo que o corpo é o lugar vivente em que a interioridade da alma se expande e se manifesta, inclusive através da rede das relações humanas. Constituindo o ser da pessoa, alma e corpo participam daquela dignidade que conota o ser humano.[106] A propósito, deve-se recordar que o corpo humano participa da dignidade da pessoa, enquanto é dotado de significados pessoais, particularmente na sua condição sexuada.[107] É no corpo, de fato, que cada pessoa se reconhece gerada por outros e é através do seu corpo que homem e mulher podem estabelecer uma relação de amor capaz de gerar outras pessoas. Sobre a necessidade de respeitar a ordem natural da pessoa humana, Papa Francisco ensina que «a criação nos precede e deve ser reconhecida como dom. Ao mesmo tempo, somos chamados a cuidar da nossa humanidade e isso significa em primeiro lugar respeitá-la e aceitá-la assim como foi criada».[108] Daqui deriva que qualquer intervenção de mudança de sexo normalmente se arrisca a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção. Isto não significa excluir a possibilidade que uma pessoa portadora de anomalias dos genitais, já evidentes desde o nascimento ou que se manifestem sucessivamente, possa decidir-se por receber assistência médica com o fim de resolver tais anomalias. Neste caso, a intervenção não configuraria uma mudança de sexo no sentido aqui entendido.

Violência digital

61. O progresso das tecnologias digitais, que oferecem muitas possibilidades para promover a dignidade humana, tende sempre mais à criação de um mundo em que crescem a exploração, a exclusão e a violência, que podem chegar a lesar a dignidade da pessoa humana. Pense-se como é fácil, através desses meios, colocar em perigo a boa fama de qualquer pessoa com notícias falsas e calúnias. Sobre este ponto, Papa Francisco sublinha que «não é sadio confundir a comunicação com o simples contato virtual. Realmente, “o ambiente digital é também um território de solidão, manipulação, exploração e violência, até o caso extremo da dark web. Os meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, de isolamento e de progressiva perda de contato com a realidade concreta, obstaculizando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas. Novas formas de violência se difundem através das redes sociais, por exemplo o cyberbullying; a web é também um canal de difusão da pornografia e de exploração das pessoas para fins sexuais ou através dos jogos de azar”».[109] E é assim que, ali onde crescem as possibilidades de conexão, paradoxalmente acontece que cada um se encontre sempre mais isolado e empobrecido de relações interpessoais: «na comunicação digital, quer-se mostrar tudo e cada indivíduo torna-se objeto de olhares que esquadrinham, desnudam e divulgam, muitas vezes de maneira anônima. Dilui-se o respeito pelo outro e assim, ao mesmo tempo em que o apago, ignoro e mantenho à distância, posso invadir a sua vida, sem nenhum pudor, até ao extremo».[110] Tais tendências representam um lado obscuro do progresso digital.

62. Nesta perspectiva, se a tecnologia deve servir à dignidade humana, e não causar-lhe dano, e se ela deve promover a paz ao invés da violência, então a comunidade humana deve ser proativa no enfrentar estas tendências, no respeito pela dignidade humana, e promover o bem: «neste mundo globalizado “os mass media podem ajudar a fazer-nos sentir mais próximos uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana que impele à solidariedade e ao empenho sério por uma vida mais digna. [...] Podem ajudar-nos nisto, particularmente hoje, quando as redes da comunicação humana alcançaram desenvolvimentos inauditos. Em especial, a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos, e esta é uma coisa boa, é um dom de Deus”. É, porém, necessário verificar continuamente se as atuais formas de comunicação nos orientam efetivamente ao encontro generoso, à busca sincera da verdade plena, ao serviço, à proximidade aos últimos, ao esforço de construir o bem comum».[111]

Conclusão

63. Na ocorrência do 75º aniversário da promulgação da Declaração universal dos direitos do homem (1948), Papa Francisco reafirmou que esse documento «é como uma via preferencial sobre a qual muitos passos adiante já foram dados, mas faltam ainda tantos outros, e às vezes infelizmente se volta atrás. O empenho pelos direitos humanos não termina nunca! A este propósito, sou próximo a todos aqueles que, sem publicidade, na vida concreta de cada dia, lutam e pagam pessoalmente para defender os direitos de quem não conta».[112]

64. É nesse espírito que, com a presente Declaração, a Igreja ardentemente exorta a colocar o respeito pela dignidade da pessoa humana, para além de toda circunstância, ao centro dos esforços pelo bem comum e de todo ordenamento jurídico. O respeito pela dignidade de cada um e de todos é, de fato, a base imprescindível para a existência mesma de cada sociedade que se pretende fundada sobre o justo direito e não na força do poder. Sobre a base do reconhecimento da dignidade humana se sustentam os direitos humanos fundamentais, que precedem e fundam toda convivência civil.[113]

65. A cada pessoa e, ao mesmo tempo, a cada comunidade humana compete portanto a tarefa da concreta e efetiva realização da dignidade humana, enquanto aos Estados compete não somente tutelá-la, mas também garantir aquelas condições necessárias para que ela possa florescer na promoção integral da pessoa humana: «na atividade política é preciso recordar que “além de qualquer aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação”».[114]

66. Também hoje, diante de tantas violações da dignidade humana que ameaçam seriamente o futuro da humanidade, a Igreja encoraja a promoção da dignidade de cada pessoa humana, sejam quais forem as suas qualidades físicas, psíquicas, culturais, sociais e religiosas. Ela o faz com esperança, certa da força que brota do Cristo Ressuscitado, que revelou plenamente a dignidade integral de todo homem e de toda mulher. Esta certeza torna-se apelo nas palavras de Papa Francisco: «A cada pessoa deste mundo peço que não se esqueça desta sua dignidade, que ninguém tem direito de tirar-lhe».[115]

O Sumo Pontífice Francisco, na Audiência concedida ao subscrito Prefeito, juntamente com o Secretário para a Seção Doutrinal do Dicastério para a Doutrina da Fé, no dia 25 de março de 2024, aprovou a presente Declaração, decidida na Sessão Ordinária deste Dicastério, realizada em 28 de fevereiro de 2024, e ordenou a sua publicação.

Dado em Roma, na sede do Dicastério para a Doutrina da Fé, aos 2 de abril de 2024, 19º aniversário de morte de São João Paulo II.

Víctor Manuel Card. Fernández

Prefeito

Mons. Armando Matteo

Secretário para a Seção Doutrinal

EX AUDIENTIA DIE 25.03.2024

FRANCISCUS