25 de jun de 2024 às 13:23
O arcebispo de Burgos, Espanha, dom Mario Iceta, comissário pontifício, disse às dez ex-freiras clarissas de Belorado que saiam do mosteiro porque o cisma já foi consumado. Ele disse que a lei deve prevalecer e que reza pela conversão das mulheres excomungadas.
Numa longa entrevista coletiva ontem (21), dom Iceta disse que as dez ex-freiras têm que deixar o mosteiro de Belorado depois da sua excomunhão e expulsão da vida consagrada porque “não elas têm título legal para permanecer no mosteiro e nos quartos anexos”.
“Se uma saída voluntária não ocorrer num futuro próximo, os serviços jurídicos não terão outra escolha senão iniciar as ações judiciais apropriadas”.
Segundo Iceta, trata-se de uma “questão especialmente sensível” por causa da situação das irmãs clarissas idosas, que não foram excomungadas e cujos direitos de receber assistência espiritual católica estão sendo violados.
O arcebispo de Burgos acrescentou que “desde 13 de maio estão à espera de abrir um diálogo com a comunidade”. Outro bispo chegou até a intervir na passada segunda-feira, mas “não houve resposta”, disse.
“A atitude da comunidade não tornou possível qualquer diálogo”, disse o arcebispo em referência à denúncia apresentada pelas ex-freiras contra ele e também à expulsão das dependências do mosteiro de Belorado dos membros da comissão gestora nomeada pelo comissário pontifício. As ex-freiras chamaram a Guarda Civil para tirá-los de lá.
O arcebispo também disse que, nas comunicações das Clarissas, "as questões espirituais e de vida consagrada, as mais importantes e essenciais, são surpreendentemente deixadas de fora de suas considerações", do que se pode deduzir que seu interesse está centrado "em questões econômicas, patrimoniais e imobiliárias".
Sobre o possível diálogo, disse dom Iceta, é importante estabelecer sobre o que se quer dialogar. Se for sobre imóveis, sua resposta é “que a lei seja cumprida”. Ele também rejeitou a alegação das ex-freiras clarissas de terem “direitos patrimoniais”. Dom Iceta se pergunta: “Que patrimônio elas trouxeram para o mosteiro? Nós o recebemos de séculos de pessoas que doaram ao mosteiro”.
A quem pertencem os mosteiros onde estão as ex-clarissas cismáticas?
O comissário pontifício disse que “os bens e imóveis são bens eclesiásticos” e que pertencem aos mosteiros “como entidades eclesiásticas públicas”.
São bens “que estão a serviço da comunidade das clarissas há mais de seis séculos e devem continuar assim para os que vierem depois”. Pertencem à Federação Franciscana de Nossa Senhora de Aránzazu e nenhum estatuto, regra monástica ou norma canônica prevê a possibilidade de alteração desse status. Somente a Santa Sé poderia tomar uma decisão dessa magnitude, segundo disse o arcebispo.
Foi estabelecido um prazo para saída do mosteiro?
Dom Iceta disse que não existe um prazo estabelecido para que as ex-clarissas abandonem o mosteiro de Belorado.
“Não queremos agir precipitadamente. Queremos ser muito respeitosos. Queremos que elas percebam que, por não serem mais religiosas, não pertencem ao mosteiro e não deveriam estar naquele lugar”, disse dom Iceta.
Ele espera que esta reflexão das ex-freiras possa acontecer nos primeiros dias de julho, embora tenha insistido: “Não temos um prazo estabelecido”. A esse respeito, acrescentou: "seremos pacientes, mas a paciência também chega a um momento em que precisa ser transformada em ações que avaliaremos de acordo com os acontecimentos".
Que norma jurídica é aplicável neste caso?
As ex-freiras clarissas reiteraram nas suas últimas comunicações públicas que, tendo-se colocado sob a autoridade de Pablo de Rojas, que se faz passar por bispo e nobre espanhol, não reconhecem o direito canônico como aplicável no seu caso.
Contudo, segundo dom Iceta, “o direito canônico tem reconhecimento no direito civil por causa da existência dos acordos do Estado espanhol com a Santa Sé”.
O Acordo sobre Assuntos Jurídicos entre o Reino de Espanha e a Santa Sé estabelece no art. 1.4 no que diz respeito às Ordens, Congregações Religiosas e outros Institutos de vida consagrada que “para efeitos de determinar a extensão e o limite da sua capacidade de agir e, portanto, de dispor dos seus bens, serão seguidas as disposições da legislação canônica, que atuará neste caso como um direito estatutário”.
Isto significa que “o direito civil obedece ao que diz o direito canônico nas entidades eclesiásticas”, da mesma forma que a inscrição que um padre faz do casamento celebrado canonicamente tem validade civil na Espanha.
Que consideração é dada à comissão mediadora nomeada pelas ex-freiras clarissas?
O comissário pontifício não reconhece a chamada "comissão mediadora de advogados" nomeada pelas ex-freiras e diz que "a única coisa que cabe é o cumprimento da legalidade vigente”.
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Se seus membros se dirigirem a dom Iceta, "com grande respeito serão respondidos juridicamente".
Dom Iceta: “A excomunhão é sempre reversível”
Dom Iceta disse que a Igreja continua esperando as ex-freiras clarissas “em oração e com as portas abertas”. Espero que elas sejam conscientes da verdade do que estão vivendo e empreendam o caminho de volta para casa”.
Assim, referiu-se à parábola do filho pródigo, para dizer que “serão sempre acolhidas com amor e misericórdia. Não tenham dúvida. Esperamos por elas e rezamos por elas, mas a legalidade é a legalidade e isso diz respeito a todos nós”.
Dom Iceta disse que “a excomunhão é sempre reversível. Não é que a Igreja as expulsa. Elas decidiram ir embora. É por isso que se diz que a Igreja faz uma declaração de excomunhão”.
Segundo Iceta, “na Igreja não há nada irreversível. A Igreja deseja a sua volta. Reza, eu rezo pelo retorno delas e espero por elas”.
Dom Iceta disse que reza diariamente o terço pelas ex-freiras e, em particular, aplica um dos mistérios a Rojas e Ceacero, a quem “perdoou de coração”.
Situação das clarissas idosas que não foram excomungadas
Além das ex-freiras excomungadas, no Mosteiro de Belorado vivem cinco clarissas idosas, algumas com mais de 100 anos, segundo dom Iceta. “Sabemos que elas estão bem cuidadas. Agora, efetivamente, elas não recebem assistência espiritual católica com os sacramentos católicos”, disse o arcebispo.
Segundo o comissário pontifício, os familiares destas freiras “querem o bem das suas tias e tias-avós” e estão “disponíveis para qualquer posição e ação que seja necessária”. Há uma comunicação constante com elas, geralmente com frequência semanal.
Para atender adequadamente as irmãs idosas, foi perguntado aos 27 conventos da federação franciscana de Aránzazu se podem disponibilizar algumas irmãs. Nas primeiras 48 horas, ao menos três comunidades de clarissas já responderam afirmativamente, embora não se saiba quando poderão ir a Belorado, nem quantas serão: "Certamente mais do que o necessário", disse o arcebispo. Com relação ao momento, ele acrescentou: "preferimos ir devagar para não prejudicar ninguém ou tomar a decisão errada".
Como estão as contas do mosteiro de Belorado?
O comissariado pontifício informou que o saldo das dez contas bancárias cujo controle a arquidiocese recuperou é insuficiente para atender as necessidades do mosteiro de Belorado e o pagamento dos mantimentos, bem como o que corresponde aos trabalhadores.
A comunidade é famosa pela fabricação de bombons de chocolate e também pela criação de animais. No entanto, não há mais de 6 mil euros nas contas, conforme relatou dom Iceta, que acrescentou que faltam “muitas peças do quebra-cabeça” econômico da comunidade, entre outras os contratos de fornecedores, trabalhadores e das próprias ex-religiosas.
"Ainda temos informações muito parciais, e espero que, à medida que a documentação for fornecida, possamos reconstruir a realidade exata da gestão econômica atual e passada e o que fazer para o futuro”.
Assim, está previsto que sejam transferidos fundos de outros mosteiros das Clarissas para atender aos pagamentos no início do próximo mês, cujo valor total ainda não é conhecido. Iceta também disse que, no momento, pagarão todas as contas que chegarem, sem discriminar se correspondem ao sustento das freiras idosas ou das excomungadas: "Preferimos pagar muitas coisas além do que ficar coisas sem pagar, o que seria injusto”.
Aprendizado sobre a crise das clarissas cismáticas de Belorado
Dom Iceta considerou que “estes casos sempre suscitam uma reflexão e uma análise serena sobre como chegamos até aqui. Também suscitará uma reflexão sobre como melhorar a vida das comunidades de clausura, como ajudá-las”.
Para dom Iceta o que foi especialmente surpreendente nesta situação é que aconteceu com freiras jovens, que ele conhecia muito bem e que frequentemente ia fazer retiros com elas e as visitava com seminaristas e sacerdotes.
“Todas as coisas devem ser revistas para melhorar a vida consagrada e também para melhorar a forma de cuidar adequadamente delas”, concluiu.