A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse que pode rever a forma de pagar compensações financeiras a vítimas de abusos, depois de uma reunião com a Associação Coração Silenciado, que representa vítimas de abusos sexuais na Igreja. A associação defende que as compensações sejam a todas as vítimas e não que sejam definidas caso a caso.

“Ao fazê-lo desta forma, está a incentivar a inveja entre as pessoas que venham a ser eventualmente compensadas” , disse o representante da associação António Grosso à Rádio Renascença, da CEP. “Depois, há outra coisa fundamental: não há nenhuma medida [para o sofrimento]”.

A associação se reuniu ontem (11) com a presidência da CEP, em Coimbra. Segundo Grosso, o tema da atribuição das compensações financeiras foi abordado nesse encontro.

O bispo de Leiria-Fátima, dom José Ornelas, presidente da CEP, disse à Renascença que a conferência acolheu “todas as sugestões” e que a proposta da associação sobre a atribuição de compensação financeira “vai ser objeto de ponderação”.

Abusos na Igreja em Portugal

Em fevereiro de 2023, foi divulgado o relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal. Segundo o documento, de 1950 a 2022 há pelo menos 4.815 vítimas no país.

Depois desse relatório, foi criado o Grupo VITA, um grupo de acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal.

Em abril deste ano, a CEP aprovou em sua 209ª Assembleia Plenária a atribuição de compensação financeira a vítimas de abusos sexuais contra crianças e vulneráveis na Igreja em Portugal. Os pedidos devem ser enviados ao Grupo VITA até o dia 31 de dezembro. Uma comissão vai avaliar cada pedido.

O presidente da CEP ressaltou à Renascença que, em outros países onde se falou em compensação financeira para vítimas de abuso, começou-se com a ideia de “fazer uma atribuição comum, única para todos”. Mas, “depois, reviu-se esse processo a pedido das próprias vítimas”.

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“Até ao fim do ano, estamos a recolher os pedidos das pessoas que foram vítimas destes atos. Em conjunto, vão ser avaliados todos os processos, para se chegar a uma ponderação da forma de agir. Esse caminho não está ainda fechado”, disse.

Os dados da Comissão Independente

Para a Associação Coração Silenciado, os testemunhos validados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa deveriam ser usados para os pedidos de compensação financeira, a fim de evitar que as vítimas tivessem que relatar tudo de novo.

No mês passado, a coordenadora do Grupo VITA, a psicóloga Rute Agulhas, disse em uma coletiva de imprensa em Fátima que a entidade estava tendo dificuldades no acesso a informações sobre vítimas ouvidas pela Comissão Independente, já extinta depois da apresentação de seu relatório em fevereiro de 2023.

Em resposta, o coordenador da extinta comissão, Pedro Strecht, disse à agência Lusa que os dados foram destruídos por questões de sigilo. “Como o próprio Grupo VITA sabe e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) foi informada e concordou, os nossos dados foram sempre em registo anônimo e posteriormente destruídos pela nossa parte, a fim de garantir o sigilo pessoal, sempre por nós assegurado desde o inicio do estudo a toda e qualquer pessoa que nele participasse com o seu testemunho”, disse na ocasião.

Ontem o representante da Associação Coração Silenciado, António Grosso, disse à Renascença que, “quando a Igreja criou a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais, pelo visto – está demonstrado – não estava no plano acompanhar e ajudar as vítimas que viessem dar o seu testemunho”.

Segundo dom Ornelas, há “uma database, mas esses dados são números”. “Não tem nome de ninguém. Era objetivo mesmo não chegar à identificação de ninguém. Isso tem a ver com a proteção de dados. O que temos é uma caracterização deste tipo de dados, o tipo de abusos que foram cometidos, mas não temos essas descrições concretas”, disse.

O presidente da CEP disse que o objetivo da Comissão Independente era “dar a conhecer o fenômeno dentro da Igreja”.