A Comissão dos EUA sobre Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF, na sigla em inglês) organizou uma audiência online sobre a deterioração da liberdade religiosa na Nicarágua. Quatro testemunhas apontaram as graves ações repressivas do regime do presidente Daniel Ortega, ex-líder guerrilheiro de esquerda que soma mais de 30 anos no poder.

A USCIRF é uma entidade independente e bipartidária do governo federal dos EUA responsável por monitorar, analisar e relatar ameaças à liberdade religiosa em vários países.

"Desde 2018, o governo nicaraguense restringiu severamente a liberdade de religião ou crença. O clero e os leigos católicos foram arbitrariamente presos, encarcerados e exilados. Instituições de caridade católicas e organizações educacionais foram fechadas sob acusações forjadas de lavagem de dinheiro e falha em se registrar adequadamente com as autoridades", disse a USCIRF.

O painel de testemunhas foi composto por Cristopher Hernández Roy, Felix Maradiaga, Jon Britton Hancock e Anexa Alfred, todos especialistas na situação nicaraguense, que também assessoraram o governo dos EUA sobre como contribuir para melhorar a liberdade religiosa no país e responsabilizar as autoridades responsáveis pelos abusos contra os cidadãos.

 

 

 

 

O objetivo de Ortega é desmantelar a Igreja Católica

Hernández Roy, vice-diretor e membro sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, falou sobre uma análise das motivações do regime de Ortega e Murillo para avançar contra a liberdade religiosa no país, afetando muito a sociedade.

"As instituições e líderes religiosos estão intimamente ligados às comunidades que servem, o que os torna uma ameaça ao projeto autoritário de Ortega e Murillo", disse Hernández Roy.

Roy disse que o objetivo final do regime é "desmantelar a Igreja Católica" e outras organizações religiosas por meio de assédio e perseguição implacável. Para neutralizar isso, ele aconselhou o governo americano a aplicar medidas graduais que afetem o comércio e a importação de produtos de origem nicaraguense.

Nesse sentido, ele também disse que o Departamento de Estado dos EUA deve consultar vários atores internacionais, incluindo a Santa Sé, para montar um caso legal que permita uma ação contra o regime.

 

O regime busca "subjugar e manipular" a fé na Nicarágua

Durante seu depoimento, Félix Maradiaga disse que os ataques do regime à liberdade religiosa são apenas o começo, e depois vão contra outros direitos fundamentais, como a liberdade de pensamento e expressão.

Ele também ressaltou que, ao contrário de outros regimes comunistas, como Cuba e China, as ações de Ortega e Murillo não visam necessariamente promover o ateísmo, mas "subjugar e manipular a fé dos nicaraguenses".

 

 

 

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"Pelo menos 84 padres foram expulsos do país, forçados ao exílio, impedidos de entrar novamente na Nicarágua e, no pior dos casos, presos e depois enviados para o exílio", disse Maradiaga, que é curador da organização de defesa da democracia Freedom House e ativista nicaraguense de direitos humanos no exílio.

"As denúncias devem continuar sobre a proibição de várias ordens religiosas e a expulsão do país de pelo menos 70 freiras dedicadas a atividades religiosas na Nicarágua, incluindo as conhecidas Irmãs da Caridade, as Irmãs do Sagrado Coração de Jesus e as Irmãs Carmelitas", acrescentou.

Por fim, recomendou que o governo dos EUA adote as medidas da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Nicarágua, para também coletar informações que posteriormente permitirão possíveis ações criminais contra autoridades do regime e aconselhou que não se esqueçam dos presos políticos, mas que garantam sua libertação.

Outras denominações cristãs também sofrem perseguição

Em nome do Mountain Gateway Ministry, uma organização americana dedicada ao treinamento de ministros evangélicos, Jon Britton Hancock denunciou que, em dezembro do ano passado, a polícia nicaraguense prendeu 11 de seus pastores locais sob a acusação de lavagem de dinheiro. Britton também foi acusado do mesmo crime, junto com seu filho e nora. A organização nega veementemente as acusações.

"Os pastores estão em uma prisão de segurança máxima desde então. Um deles é uma mulher, separada ilegalmente de seus filhos, um dos quais tinha dois meses de idade no momento de sua prisão", disse Britton, fundador e presidente da organização.

 

 

 

Os detidos foram impedidos de ter contato com qualquer pessoa e foram condenados a uma pena de 12 e 15 anos de prisão, e uma pesada multa em dólares americanos. Embora o Mountain Gateway Ministry tenha perdido um recurso do caso para os tribunais nicaraguenses, seu status legal tenha sido destituído e seus bens confiscados, eles continuam a trabalhar por meio de canais legais e diplomáticos para resolver esses problemas.

Abusos contra comunidades indígenas locais

Por fim, Anexa Alfred, membro do Mecanismo de Especialistas da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e líder do grupo étnico centro-americano Miskitu no exílio, falou sobre o sofrimento das populações indígenas, cujas tradições e crenças também foram ferozmente assediadas por Ortega e Murillo.

As comunidades indígenas sofreram "perseguição, criminalização, desaparecimentos, massacres, deslocamentos forçados, invasão de suas terras e descarte de seus recursos naturais", denunciou a ativista, ao acrescentar que também não estão imunes à perseguição religiosa.

Ao concluir, Alfred pediu pelo fim da perseguição sistemática contra populações vulneráveis e todas as instituições religiosas na Nicarágua.

O papel da Santa Sé na realidade nicaraguense

Maradiaga destacou durante a rodada de perguntas que o aparente silêncio dos membros do clero da Nicarágua no exílio deve-se às represálias que o regime poderia tomar contra seus parentes que ainda estão no país.

"Está se tornando cada vez mais difícil entrevistar qualquer líder religioso no exílio, porque eles têm uma família extensa – não apenas seus parentes de sangue, mas também seus irmãos e irmãs na fé – dentro da Nicarágua", disse o ativista.

 Ao mesmo tempo, Maradiaga classifica a Nicarágua como um caso extremo de "repressão transnacional", que obriga os membros do clero a manter o silêncio para proteger as pessoas próximas a eles.

Nesse sentido, ele disse que, embora "gostaria de ouvir um pouco mais do papa Francisco", entende a situação. Em janeiro, o papa condenou a perseguição do regime à Igreja e pediu a promoção do diálogo. Francisco também pediu aos fiéis que se unam em oração pelos perseguidos.

Nos últimos meses, desenvolveram-se várias tentativas de negociação entre a Santa Sé e o regime de Ortega, que acabaram permitindo a libertação de alguns bispos, sacerdotes e seminaristas presos, incluindo o renomado bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez.