“Todas as vidas importam, a da menina que precisa ser acolhida, protegida e acompanhada, sobretudo por ter sido vítima de estupro; e a vida indefesa e inocente do bebê que ela espera”, disse a arquidiocese de Goiânia (GO) à ACI Digital sobre o caso da adolescente de Goiânia, de 13 anos, grávida de 30 semanas de um bebê gerado por estupro de vulnerável que teve o aborto autorizado ontem (26), pela presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Assis Moura diz em sua decisão que que o crime de estupro de vulnerável, tipificado no artigo 217-a do Código Penal, “se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente", segundo súmula do STJ.

A arquidiocese “não teve acesso ao processo, que corre em segredo de justiça. Contudo, o que se pode afirmar, é que a Igreja Católica é a favor da defesa e proteção da vida em todas suas etapas”.

“A Igreja reconhece que ‘o direito à vida é o mais fundamental dos direitos e, por isso, mais do que qualquer outro, deve ser protegido. Ele é um direito intrínseco à condição humana e não uma concessão do Estado. Os Poderes da República têm obrigação de garanti-lo e defendê-lo’ (Nota da CNBB Pela vida, contra o aborto, 2017). Portanto, o aborto nunca é uma solução”, enfatizou a arquidiocese.

A garota de 13 anos ficou grávida de um relacionamento com um homem de 24 anos, que é amigo do pai dela. Depois que descobriu que estava grávida foi a uma unidade de saúde e os profissionais que a atenderam denunciaram a gravidez ao Conselho Tutelar. Quando estes souberam pela garota, que ela e o jovem tiveram quatro encontros amorosos em janeiro, procuraram o pai dela para ter mais explicações e orientaram ele a denunciar o caso à polícia, visto que ela era menor, e todo relacionamento amoroso com uma menor de 14 anos. O pai disse que fez um acordo com o jovem, para que ele “assumisse toda responsabilidade acerca do bebê”.

Em junho, o Conselho entrou com um pedido no Juizado da Infância e da Juventude e pelo Ministério Público de Goiás e a juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso da Silva autorizou a interrupção da gravidez, desde que fosse usando técnicas para preservar a vida do bebê, atendendo a um pedido do pai da garota. Em 27 de junho, a desembargadora Doraci Lamar acatou o recurso do pai da adolescente no qual argumentou que “não há relatório médico que indique risco na continuidade da gestação” e decidiu proibir o aborto, pedindo a garota que esperasse até 28 ou 30 semanas para que o bebê nasça sem problemas.

 O corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ministro Luís Felipe Salomão disse que iria aguardar a realização do aborto na adolescente para decidir se abrirá processo administrativo disciplinar contra a juíza Maria do Socorro de Sousa e a desembargadora Doraci Lamar do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) que tinham proibido o aborto da jovem.

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Em 12 de julho, Salomão intimou as magistradas e deu cinco dias para que elas dessem “as informações que entenderem pertinentes" sobre suas decisões judiciais quanto a proibição do aborto à menor. Ele também afirmou ser “inequívoca a urgência e a gravidade do caso”, e se este fosse comprovado, as magistradas teriam realizado “prática de falta funcional” com repercussão disciplinar.

O advogado Maurício Colonna, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP) disse à ACI Digital que o caso mostra como “o livre convencimento do juiz vem sendo posto em cheque”, com a recente abertura de “procedimentos de investigação contra as magistradas”.

Segundo o jurista, “dificilmente a sanção será pesada contra essas duas magistradas”, mas esta intimação feita a elas é “muito séria e preocupante” e “provavelmente gerará um receio entre os magistrados que coibirá decisões contrárias ao aborto por parte dos menos convictos”.

Para Colonna, o artigo 217 “não caracteriza uma gravidez como estupro”, mas “pressupõe que as relações sexuais com menores de 14 anos é equivalente ao estupro”. “Todavia, se a relação é consentida entre menores de idade, não há crime”, disse o jurista citando decisão do STJ (STJ, REsp n. 1.480.881/PI).

“A meu ver, um grande problema que não é bem colocado é que a despenalização da prática do aborto em caso de estupro não significa que não haja riscos à saúde da mulher”, disse Collona. “Uma decisão judicial sobre esse assunto não pode ser superficial ou movida pelo marketing pró-aborto que o propagandeia como se não tivesse consequências”.