31 de jul de 2024 às 14:17
A Igreja celebra hoje (31) santo Inácio de Loyola, o nobre espanhol que abandonou a vida de soldado e formou a Companhia de Jesus, uma ordem a serviço do papa como uma companhia militar. Era a época das navegações do século XVI e os jesuítas de santo Inácio se espalharam pelo mundo.
“Santo Inácio de Loyola viveu uma experiência que transformou sua vida, isto é, de ser um cavaleiro um pouco vão, que simplesmente buscava o êxito e que buscava reputação, que buscava se tornar famoso, se transformou em uma pessoa que entendeu que o verdadeiro sentido da vida é viver pelos outros e abrir-se ao poder transformador de Deus”, disse à ACI Digital o secretário mundial para a Educação Básica da Companhia de Jesus, padre José Alberto Mesa.
O padre Mesa é o responsável pela coordenação da rede global de escolas jesuítas, atua na sede do secretariado, em Roma, Itália. Também é professor convidado na Universidade Loyola, em Chicago, EUA, nas áreas de Filosofia da Educação e Pedagogia Inaciana. Ele estará no Brasil em agosto, para o II Congresso da Rede Jesuíta de Educação Básica, que acontece entre os dias 6 e 9, no Rio de Janeiro (RJ). O evento terá como tema “Tradição em inovar” e o padre Mesa fará a conferência de abertura sobre “A tradição espiritual e pedagógica inaciana propulsora de inovações educacionais”.
Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil em 29 de março de 1549, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega e já viam na educação uma forma de realizar a tarefa de catequizar a que tinham se proposto. Apenas 15 dias depois do desembarque na Bahia, “enquanto os portugueses iam construindo a cidade de Salvador, ao lado do Arraial do Pereira, os jesuítas colocavam em funcionamento a primeira instituição educativa em solo brasileiro”, uma “escola elementar de ler, escrever, contar e cantar”, diz o site oficial da Rede Jesuíta de Educação (RJE).
Outras expedições de jesuítas chegaram ao Brasil e, entre eles, são José de Anchieta, que chegou em 1553. Ele fundou o Colégio de São Paulo, nos campos de Piratininga, que deu origem à cidade de São Paulo (SP).
Isso aconteceu nos primórdios da Companhia de Jesus, quando o seu fundador, santo Inácio de Loyola, ainda era o superior geral da ordem, cargo que ocupou de 1541 a 1556.
Santo Inácio de Loyola nasceu em 1491, em Azpeitia, no País Basco da Espanha, em uma família da nobreza rural. Era o caçula de treze irmãos e seu nome de batismo era Íñigo López de Loyola. Optou pela carreira militar e, em 1521, foi ferido por uma bala de canhão em uma luta para defender Pamplona. Durante o período de convalescência, no castelo de Loyola, como não tinha os livros de cavalaria, seus preferidos, leu a Vida de Cristo, de Ludolfo da Saxônia, e livros sobre a vida de santos, o que levou à sua conversão.
Recuperado, decidiu peregrinar à Terra Santa. Antes, parou no santuário de Montserrat, em Barcelona, onde se confessou por três dias, deixou seu equipamento militar diante da imagem da Virgem e trocou suas ricas vestes pelas roupas de um mendigo. Deteve-se um tempo em Manresa, onde escreveu o que mais tarde se transformaria em seus Exercícios Espirituais. Ao chegar a Jerusalém, queria se estabelecer ali, mas foi impedido pelo superior dos franciscanos, considerando seus escassos conhecimentos teológicos. Retornou para a Europa, estudou nas universidades de Salamanca e, depois, Paris.
Foi em Paris que adotou o nome Inácio e, em 15 de agosto de 1534, com outros seis companheiros, fundou a Companhia de Jesus, aprovada oficialmente pelo papa Paulo III, em 27 de setembro de 1540, por meio da bula Regimini militantis Ecclesiae. No ano seguinte, Inácio de Loyola foi eleito superior geral da ordem, cargo que ocupou até sua morte em 31 de julho de 1556.
Uma tradição viva
O padre Mesa disse à ACI Digital que “a educação da Companhia de Jesus teve um papel muito importante” na educação no Brasil e em outras partes do mundo, porque “os jesuítas, desde a fundação, descobriram que a educação era um meio excepcional e privilegiado para alcançar os objetivos que tinham”. A “intenção inicial” dos jesuítas, disse, “era simplesmente compartilhar sua experiência espiritual com outros”.
Segundo o padre Mesa, os colégios jesuítas surgiram “com a ideia de oferecer uma aproximação à Escritura, a Deus, a Jesus, mas, ao mesmo tempo, oferecendo uma educação de qualidade, de muito rigor acadêmico, uma educação que fosse verdadeiramente integral”. Atualmente, a Rede Jesuíta de Educação (RJE), constituída em 2014, conta com 17 unidades de Educação Básica da Companhia de Jesus no Brasil.
Ele disse que a tradição jesuíta “é uma tradição viva”, que “leva não a repetir o passado – por melhor que tenha sido –, mas a manter os olhos muito abertos”. Essa tradição, disse, busca “avançar, reconhecendo que vivemos em um contexto diferente e um contexto que cremos que Deus também segue atuando aí e que Deus segue falando através dos desafios, das possibilidades e das oportunidades atuais”. Consiste, então, em “olhar o que está acontecendo e ver o que significa hoje oferecer uma educação de qualidade, uma educação integral a partir de nossa perspectiva”.
O padre Mesa disse que, para os jesuítas, educação integral significa, “como costuma expressar o papa Francisco”, uma educação que educa a mente, o coração e as mãos. Por isso, busca o rigor acadêmico, mas também a formação de uma pessoa “que entenda sua responsabilidade pelos outros, sua responsabilidade pelo bem comum e uma pessoa que se abra para a transcendência”, além de “levar as pessoas a serem capazes de ter ferramentas para transformar o seu entorno” em “uma sociedade melhor, em uma sociedade mais justa, entendendo justa a partir da perspectiva do Evangelho”.
Essa definição, segundo ele, se expressa no que a educação jesuíta chama de perspectiva dos 4 C’s, que consiste em formar alunos conscientes, competentes, compassivos e comprometidos.
“Queremos alunos que sejam competentes, isto é, que possam desempenhar-se, que tenham rigor acadêmico, mas que também sejam conscientes com uma formação moral e ética que os leve a entender sua responsabilidade pelos demais e hoje também pelo planeta, porque hoje não podemos falar de formação ética sem uma formação também para o cuidado da casa comum, para um cuidado do planeta, da criação; mas também é uma educação que deve levar ao compromisso, porque não se trata somente de uma questão meramente acadêmica, mas que a pessoa aprenda também a ter esse compromisso e seja capaz de levar adiante e ser uma pessoa que se transforma a si mesmo e transforma esse entorno”, disse o jesuíta.
Os valores inacianos
Em seu site, a Rede Jesuíta de Educação diz que sua missão é “promover educação de excelência, inspirada nos valores cristãos e inacianos, contribuindo para a formação de cidadãos competentes, conscientes, compassivos, criativos e comprometidos”.
Segundo o padre Mesa, “o ingrediente secreto que faz com que a educação da Companhia de Jesus, embora aparentemente seja muito similar a muitas outras, tenha um sabor distinto” é “a espiritualidade inaciana”, ou seja, de santo Inácio de Loyola.
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“É uma espiritualidade que se pode descrever primeiro dentro do conceito de discernimento, isto é, há uma necessidade de continuamente se perguntar o que Deus quer de nós e estar abertos, nesse sentido, às mudanças, porque Deus está vivo, está entre nós e segue nos incentivando para que possamos ser uma humanidade em plenitude, como nos expressou através de Jesus”, disse.
Além disso, “é uma espiritualidade também que entende o poder transformador da transcendência, da abertura a Deus”, disse. O jesuíta destacou que essa abertura à transcendência “é um convite muito importante que fazemos aos nossos estudantes”. “Não a impomos, porque não se pode impor, é um convite, a verdadeira educação nunca é domesticação, nunca é imposição, mas um convite”. “Para nós”, acrescentou, esse “é um convite que quer enfatizar uma abertura à transcendência, essa abertura a Deus, que nos pode transformar”.
Tradição x inovação
Para o padre Mesa, tradição e inovação não são “uma contradição”, mas as características que permitem à Companhia de Jesus estar “em um processo de discernimento contínuo”. Assim, na educação jesuíta, buscam, “a partir da espiritualidade inaciana”, perguntar-se “como Deus está agindo neste mundo, o que Deus está fazendo ao nosso redor”. “Uma vez tenhamos isso, ver como podemos renovar nossos processos, inovar nossos processos educativos para responder melhor”, disse.
“Curiosamente, nossa tradição nos lança, nos pressiona, por assim dizer, a abrir bem os olhos e a estar nesse processo contínuo de renovação”, disse. Segundo ele, a “experiência espiritual” inaciana é o “critério” para “para discernir e escolher quais são as inovações pertinentes e quais inovações não devem ser incluídas em nosso processo educativo”.
O secretário mundial para a Educação Básica da Companhia de Jesus recordou que, há algumas décadas, “o que se chamava a tecnologia educativa estava em seu furor” e era “uma proposta que queria incorporar as mesmas práticas que se incluíam nas indústrias na educação”. “Nós nunca aceitamos essa proposta, porque vimos que concebia o ser humano mais como uma máquina do que verdadeiramente como um ser humano e que, nesse sentido, estava contra nossa experiência educativa. Por isso, nunca incorporamos o que se chamava tecnologia educativa”, que se desenvolveu “nas décadas de 1970, 1980 em diversas partes do mundo”.
O sacerdote ressaltou que os jesuítas sempre querem “oferecer uma educação de qualidade e excelência”, que são, disse, “conceitos históricos”, porque a excelência que os jesuítas ofereciam no século XVI “não é a mesma que podemos oferecer hoje”, devido às mudanças no mundo.
O padre Mesa citou, por exemplo, a questão “dos desenvolvimentos tecnológicos, que devem ser utilizados para o bem comum e para o desenvolvimento, não para maior escravidão ou maior exploração”.
Hoje em dia, disse, também estão pensando no “conceito de cidadania global, isto é, a realização de que, como humanidade, estamos em um período em que descobrimos que nossa responsabilidade vai além de nossas fronteiras nacionais e deve ser verdadeiramente uma responsabilidade por todos”. “Nesse sentido, estamos nos descobrindo como uma só raça humana, uma raça que tem que sentir e expressar sua solidariedade comum, porque muitos dos problemas que nos atormentam, como a mudança climática, como a pandemia já demonstrou, são globais”, acrescentou.
Identidade dos colégios jesuítas
O padre Mesa disse à ACI Digital que um tema “muito importante” para os jesuítas é o da “identidade”, que foi abordado em um seminário internacional da Companhia de Jesus, em junho deste ano, em Yogyakarta, na Indonésia, com tema “Educar para a fé no século XXI”. O seminário teve como objetivo: “esclarecer o significado de ser escolas católicas/jesuítas a serviço do Evangelho e da Igreja nos contextos atuais; promover uma formação aprofundada da fé no contexto do diálogo inter-religioso e multiconviccional a serviço da nossa missão de justiça e reconciliação; esclarecer o lugar da espiritualidade inaciana no processo de formação da fé para estudantes e educadores; identificar os desafios e oportunidades de educar para a fé dentro dos contextos seculares/religiosos fundamentalistas”.
Segundo o secretário mundial para a Educação Básica da Companhia de Jesus, “uma das ideias que ficou muito clara nesse seminário é que nossos colégios, é claro, estão fundados e ancorados em nossa identidade católica, cristã, inaciana, mas ao mesmo tempo o diálogo inter-religioso, o diálogo com outras confissões faz parte de nossa identidade, como afirmou o Concílio Vaticano II, como os últimos papas insistiram”. “Essa é parte de nossa identidade hoje”, disse.
O sacerdote recordou que, em 2022, a Congregação para a Educação Católica da Santa Sé publicou a instrução A identidade da escola católica para uma cultura do diálogo, que “fala precisamente sobre a identidade dos colégios católicos e enfatiza que parte de nossa identidade é esse diálogo”, disse.
Sobre o diálogo, a instrução da Santa Sé diz que “as sociedades atuais caracterizam-se por uma composição multicultural e multirreligiosa. Neste contexto, ‘a educação está comprometida com um desafio fundamental para o futuro: tornar possível a convivência entre a diversidade das expressões culturais e promover um diálogo que favoreça uma sociedade pacífica’. A história das escolas católicas caracteriza-se pelo acolhimento de alunos de ambientes culturais e crenças religiosas diferentes. Neste contexto, ‘é exigida uma fidelidade corajosa e inovadora a seu projeto educativo’ que se expressa na capacidade de testemunho, conhecimento e diálogo com as diversidades”.
“Diálogo não significa que ocultemos nossa identidade, ou que a ignoremos, ou que não a colocamos no centro”, disse o padre Mesa. Ele recordou que as escolas jesuítas estão presentes “em contextos onde inclusive os cristãos, os católicos são uma pequena minoria e, nesses contextos, muitos do que vão aos nossos colégios não são católicos”. No entanto, acrescentou, “para nós é muito importante expressar-lhes nossa identidade, expressar-lhes por que fazemos isso, acolhê-los com respeito, escutá-los e lhes propor uma proposta educativa que, se bem está centrada no Evangelho, centrada na tradição da Igreja Católica, está em diálogo com essas outras religiões, com essas outras propostas éticas e confessionais que nos ajudam”.
O jesuíta disse acreditar que “esta é a maneira que hoje a Igreja quer” que se faça a educação católica. “Significa que parte da educação católica seja expressar nossa proposta de fé e ajudar as pessoas, sobretudo, a que se abram à transcendência e, em nosso caso concreto, a que se abram ao Evangelho, que se abram a Jesus”. Mas, ressaltou, isso se faz “em um contexto de grande respeito e se faz em um contexto em que reconhecemos que há outros caminhos e outras sensibilidades religiosas e confessionais”.
O Congresso da Rede Jesuíta de Educação Básica
Para o padre Mesa, o II Congresso da Rede Jesuíta de Educação Básica, no Rio de Janeiro, estará inserido nesse contexto da educação jesuíta. “Acredito que este congresso busca ajudar nossos colégios brasileiros a responder a seu contexto e a ver como essa proposta de educação de qualidade pode se encarnar no contexto de Brasil e como nossos colégios no Brasil podem seguir contribuindo significativamente ao bem comum de Brasil e do mundo”, disse.
O evento vai acontecer no Colégio Santo Inácio, em Botafogo, e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na Gávea. No dia 6 de agosto, o arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Orani Tempesta, abrirá o congresso com a celebração da missa, às 1630, na igreja do Sagrado Coração, na PUC-Rio.