“A adoção também é abertura à vida”, diz Bruno José Silveira Bonifácio, que há dez anos faz o apostolado Católicos Adoção. A frase alude à necessária abertura à vida que a Igreja determina para o casamento, ordenado para receber os filhos. “A adoção é um santo remédio, porque salva o bebê, salva a mãe que está entregando o bebê e, de alguma forma, ajuda a família que está esperando por um filho”.

Analista de sistema de 34 anos, de São Paulo (SP), Bonifácio viveu o que diz. “Minha mãe era dependente química, era alcoólatra e tudo indica que sofreu abuso sexual”, contou ele à ACI Digital. “Ela tinha 17 anos”. A jovem foi acolhida por uma paróquia onde havia “uma pastoral com dependentes químicos”.

Até onde Bonifácio sabe, a ideia de sua mãe era abortar. “O padre falou ‘calma, minha filha, a Igreja está com você e vamos te ajudar’. Minha mãe não me abortou, graças a Deus”, diz Bonifácio. “Fiquei cinco meses com uma pessoa da paróquia e, aos cinco meses, eu fui adotado” por outra família da paróquia. Ele tem uma irmã também adotada.

Bonifácio começou a falar sobre adoção na internet, “mas não no âmbito católico”, diz. Certo dia, uma “menina do Ceará de 17 anos” entrou em contato dizendo que precisava de sua ajuda e oração porque queria abortar. “Ela disse que tinha lido uma reflexão que eu tinha colocado da visão do filho adotivo e ela viu que o melhor que podia fazer era entregar o filho para adoção”, conta Bonifácio. “E ela disse: acho que você devia falar isso para todo mundo”.

“Eu já conhecia alguns católicos falando sobre adoção na internet, mas na visão dos pais, dos filhos adotivos não”, conta Bonifácio. “Eu não via na Igreja algo coeso de pegar o que os papas tinham falado e mostrar ‘olha, é isso aqui’”.

Daí surgiu Católicos Adoção, que já ajudou mais de 400 famílias, visitou mais de 60 paróquias e participou de várias atividades em defesa da vida. “Muitos padres agora têm pedido essa palestra da adoção”, disse Guimarães. “Acho que a Igreja começou a entender que a adoção deve ser a única saída, caso o aborto venha a ganhar mais força no nosso país”.

O processo de adoção

“A adoção, na verdade, é uma forma de oferecer uma família substituta, que passa a ser a família principal”, disse à ACI Digital a advogada Marizete Pires da Silva Costa, da União dos Juristas Católicos de Goiás (UNIJUC), que trabalha com adoção. “A ideia da adoção é sempre encaminhar a pessoa que está sem a família regular para um lar regular”.

Segundo a advogada, uma criança vai para a adoção “quando o poder familiar é afastado”. Pode ser um afastamento voluntário, quando a mãe entrega a criança para adoção, ou imposto pelo Estado “quando a criança está em risco, está vulnerável socialmente, financeiramente, emocionalmente, ou está sofrendo maus-tratos e violência, nessas situações em que há risco real para a criança e adolescente”.

A entrega voluntária está prevista no artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude”.

A entrega pode ser feita notificando o Conselho Tutelar, a delegacia da Infância e da Juventude, ou o Tribunal de Justiça.

A tutela do Estado é, necessariamente, temporária. As pessoas que querem adotar se cadastram no Tribunal de Justiça e passam por uma preparação e uma avaliação. Um juiz determina a inclusão no cadastro nacional de adotantes. Ao se habilitar para a adoção, a pessoa diz quantos filhos quer adotar, e traça um perfil deles.

Encontrada uma família e uma criança para a adoção, começa um período de aproximação acompanhado pela Justiça. Depois, o juiz dá a sentença de adoção e a criança recebe um novo registro de nascimento. “A adoção é irreversível, uma vez que sai a sentença e é efetuado um novo registro, essa criança não pode mais ser devolvida, ela passa a pertencer àquela família, com todos os direitos”, disse a advogada.

Combate ao aborto

Depois de ver uma placa promovendo o aborto, Bruno Bonifácio decidiu fazer placas sobre a entrega legal como meio de evitar abortos. Um QRCode na placa liga ao site do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), onde se pode fazer a notificação da entrega voluntária. A iniciativa de espalhar as placas por São Paulo deu tão certo que um seguidor da França que a postagem sobre as placas decidiu fazer o mesmo em seu país.

Em maio de 2023, os vereadores de Goiânia (GO) aprovaram o projeto de lei 246/2022, da vereadora Gabriela Rodart (PTB), para a fixação obrigatória de placas informativas ou de comunicados sobre a entrega legal de recém-nascidos para adoção em unidades públicas e privadas de saúde.

A adoção tardia

Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça, consultado em 18 de julho, atualmente, no Brasil há 4.873 crianças e adolescentes para adoção e 36.041 pretendentes para adotar.

“Em regra, o casal quando nos procura para fazer a adoção, busca crianças menores de cinco anos”, disse Marizete Costa. Segundo ela, o “principal perfil” de procura por quem quer adotar é “menina, menor de sete anos e branca”.

As crianças que estão nos abrigos temporários à espera de adoção são “crianças mais velhas, com algum tipo de doença, com algum tipo de deficiência, ou crianças que têm algum histórico de ter passado por muita violência”, disse Costa.

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Fazer a vontade de Deus

Nos dez anos do apostolado Católicos Adoção, Bruno Bonifácio disse que algo que sempre pergunta às famílias é: “qual é a motivação da adoção”. Não pode ser uma questão social ou só a vontade de ser mãe ou pai. “A verdadeira motivação é ‘eu quero fazer a vontade de Deus, quero me abrir à vida e quero levar esses filhos para o céu’”, disse.

Em muitos casos, a criança ou adolescente vêm de uma situação complicada e trazem “suas chagas”, diz Bonifácio. “Não podemos florear a adoção”.

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“Eu costumo brincar com as famílias e digo: se Jesus aparecesse hoje chagado para você, você queria cuidar? E todo mundo diz que queria. E pergunto? Então, por que ainda tem tantas crianças esperando?”, disse. “Abrir-se à vida é isso, deixar Deus conduzir a história sabendo que aquilo é o melhor para você, e nem sempre vai ser aquilo que você idealizou como projeto. Mas, Deus tem um projeto de salvação para cada um”.

Fernanda Aparecida Sousa Gobbato, 37 anos, e Felipe de Oliveira Gobbato, 36 anos, são casados há 14 anos e adotaram quatro filhos: Luana, hoje com nove anos, Gustavo, seis anos, Gabriel, quatro anos, e Davi, dois anos. Segundo Felipe, durante o processo de adoção, essa era “uma pergunta que sempre martelava: por que quero ser pai? Por que quero ser mãe? É uma satisfação própria? É algo pessoal?”.

Fernanda e Felipe com os filhos. Arquivo pessoal
Fernanda e Felipe com os filhos. Arquivo pessoal

“Muitas pessoas acabam entrando no processo de adoção e depois acabam se frustrando porque elas buscam algo pessoal. E quando chega uma criança que é o Cristo chagado em sua casa, a pessoa não consegue entender que aquela criança não veio satisfazer suas expectativas. E muitas pessoas devolvem por conta disso. As pessoas acabam idealizando algo para sanar aquela ânsia de querer ter um filho a todo custo”, disse.

Projeto de salvação

É assim que Talita Carvalho Ventura Rodrigues, 36 anos, vê a sua história com a adoção: “um projeto de salvação”. Ela e o marido Aroldo Rodrigues de Souza Carvalho, 48 anos, são casados há 13 anos. “Nós nunca nos prevenimos e os filhos não vieram”, contou à ACI Digital.

Em 2020, “estávamos vivendo uma vida muito bem, com bom emprego, bem estruturados. Um dia, na praia, ele olhou para mim disse: ‘é uma vida boa essa né? Mas, será que é isso que Deus quer da gente?’. Ali mesmo começamos a conversar e decidimos pela adoção e, como tenho tudo digitalizado, dali eu fiz o cadastro do processo remoto”, disse.

Inicialmente, tinham traçado o perfil de uma criança de zero a três anos. Depois de estudar mais sobre adoção, “sobre a visão de Deus”, chegaram ao perfil de duas crianças de zero a oito anos.

Três anos se passaram e a ansiedade foi aumentando. Um dia, durante a comunhão na missa, Talita disse para Deus: “Senhor, me conceda filhos, quantos o Senhor quiser, eu estou pronta para fazer sua vontade”. Sem saber de nada, seu marido também falou com Deus em uma oração que “estava pronto para quantos filhos Ele quisesse”.

Apareceram quatro irmãos para serem adotados. Logo depois do primeiro encontro, Talita e Aroldo decidiram adotar os quatro: Isabel Naiadine, hoje com 12 anos, Miriãm Iraci, com 10 anos, João Miguel, sete anos, e Maria Eloá, quatro anos. 

Talita e Aroldo com os filhos. Arquivo pessoal
Talita e Aroldo com os filhos. Arquivo pessoal

Depois da adoção, a empresária resolveu abandonar o emprego de carteira assinada e empreender de casa, para ter mais tempo para os filhos.

“Não é por mim essa abertura à vida”, disse. “Foi o Espírito Santo que nos permitiu. Até um tempo atrás era impensável, eu era uma menina feminista, egoísta, burguesinha. Trabalhávamos e erámos só eu e meu marido, então vivíamos bem só nós dois. Quando as crianças chegaram, eu olhei e disse: de onde saiu esse ‘sim’, essa abertura, por que não tive medo? É o Espírito Santo. Não é de mim”.

Para Talita, “é uma conversão”. “Quando eu tive que abrir mão do meu trabalho integral, quando eu tive que me colocar no papel de esposa e mãe, que o feminismo não comporta, eu abri mão do que fui ensinada a vida inteira. Foi uma desconstrução e não é um nível fácil. É uma consciência de que eu preciso ser melhor, porque meus filhos estão vindo atrás, estão me olhando e o foco é em Deus, preciso chegar lá. Quando eu chegar lá, o que vou dizer? ‘Senhor, sabe as moedas que me deu, então, eu enterrei todas’. Não, não dá. Hoje eu entendo que é um desgaste, é cansativo, mas vale a pena. É isso o que vale a pena, não a loucura que eu fazia antes”, acrescentou.

Segundo Bruno Bonifácio histórias de mudanças, conversões são comuns para famílias que se abrem à adoção. “O que tenho testemunhado em relação aos casais é uma coisa que não consigo expressar. A espera da adoção é muito dura e casais me dizem: não estava nem indo mais à missa, ia às vezes, mas agora estou rezando todo dia, agora estou visitando mais os sacramentos. Já aconteceu de tudo, teve mãe que se converteu ao catolicismo quando decidiu entregar o filho e não abortar, teve casal que estava quase para separar e começou a falar sobre adoção e aquilo foi ajudando”.

Plano de Deus

Fernanda e Felipe Gobbato sempre foram abertos à vida, mas não conseguiam engravidar. Depois de três anos, decidiram investigar em diversos médicos e descobriam que são “ISCA, que é infertilidade sem causa aparente”. O médico chegou a lhes propor a fertilização in vitro, mas se recusaram.

Bruno Bonifácio contou que em seu apostolado “muitos casais têm vindo muito forte com essa questão da infertilidade, o sofrimento”. Segundo ele, muitas “pessoas têm um péssimo costume – e até dentro da Igreja – de dizer: você é segunda mãe. E veem a adoção como um plano B, como um band-aid da infertilidade”. “Eu digo: como vocês podem falar que adoção é plano B se fazer a vontade de Deus é o primeiro?”.

“Às vezes, o Senhor vai te chamar para aquilo mesmo. Às vezes, a sua questão de infertilidade é Deus te usando para que você testemunhar Deus ao mundo. E falo isso com muita convicção, porque humanamente é impossível uma pessoa que use a razão e diga: ‘nossa, vou esperar vários anos na fila, sofrer vários anos, ou decidir adotar quatro, cinco, seis filhos’. É impossível, tem que ter algo sobrenatural ali que sustente a pessoa a tomar essa ação”, disse.

Fernanda e Felipe enxergaram na adoção o plano de Deus para sua família. “Precisamos passar por tudo isso para entender que essa era a nossa vocação”, disse Fernanda. “Ser pai e mãe é uma vocação e ser pai e mãe pela adoção é uma vocação dentro da vocação, porque nem todas as pessoas são chamadas a isso. Mas, nós fomos escolhidos”, acrescentou Felipe.

Quando deram início ao processo, colocaram no perfil duas crianças, podendo ser mais uma. Em 13 de fevereiro de 2023, nove meses depois que tinham começado o processo, receberam uma ligação informando que havia três irmãos que batiam com o perfil que tinham colocado. Mas, os meninos tinham uma irmã que seria separada.

“Quando é um número grande de irmãos, eles acabam separando, pois é muito difícil uma família adotar muitos, principalmente a adoção tardia”, disse Felipe. Mas, para eles essa não era uma opção. “Antes de nos ligarem, nós já tínhamos certo que essa questão de família separada é inviável, temos nossos valores, nossa fé”, disse Fernanda. Então, disseram para a assistente social e a psicóloga que queriam adotar os quatro.

“As pessoas falam: ‘mas vocês adotaram quatro crianças?’ E eu falo: eu e Fernanda somos abertos à vida e, pelo tempo de casado que temos, era para termos muito mais do que quatro, se fosse para acontecer, porque nunca evitamos nada. Então, são os planos de Deus mesmo. É seguir aquilo que o sacramento do matrimônio diz: estar abertos à vida e não ficar se restringindo”, disse Felipe.