10 de ago de 2024 às 00:01
O santuário de Santa Filomena, em Sorocaba (SP), é o primeiro da América Latina dedicado à santa cujo martírio é celebrado hoje (10) pela Igreja. Embora sua história tenha sido posta em dúvida, a devoção a Filomena cresce a cada dia e é marcada por vários relatos de milagres, disse à ACI Digital o pároco da paróquia São José, a que pertence o santuário, padre Wagner Ruivo.
“Aqui no santuário, mais uma evidência da realidade da intercessão de santa Filomena é a busca pelos sacramentos, a mudança de vida, pessoas em união irregular querendo se casar na Igreja, adultos pedindo o batismo... Então, quando percebemos que há esses elementos de conversão, de fato ali aquele santo está cumprindo o seu papel, que é ser uma seta que aponta para Cristo”, disse o sacerdote, que está há 15 anos na paróquia. Segundo ele, atualmente, o santuário recebe peregrinos de todo o Brasil e também “de outros países, como Venezuela, Colômbia”, além de relatos de milagres, que “chegam com reconhecimento médico, exames, diagnósticos”.
Quem foi santa Filomena
Embora santa Filomena seja uma mártir do século III, a devoção a ela “ficou ofuscada, escondida por muito tempo”, disse o padre Wagner Ruivo. “Foi no século XIX que se descobriram as relíquias dela”, nas escavações das catacumbas de Priscila, em Roma, Itália, em 25 de maio de 1802. Entre as descobertas estava os ossos de uma menina de 13 anos, uma ampola que se pensava que fosse o sangue dela e três lápides na qual estava escrito em latim “A paz esteja contigo, Filomena”.
O padre Ruivo destacou que nas lápides “havia elementos” que representavam o martírio da jovem. “Flechas, que foram instrumento da tortura dela, uma âncora, porque uma âncora lhe foi amarrada no pescoço e ela foi lançada no rio Tibre, e, sobretudo, o mais importante, as palmas, porque como diz o livro do Apocalipse, os mártires trazem as palmas nas mãos. Isso acabou sendo uma evidência muito forte de que ela era uma donzela mártir”, disse.
As relíquias foram levadas ao Vaticano e, depois, a pedido do padre Francisco de Lucia, foram transferidas para a igreja de Nossa Senhora das Graças, em Mugnano del Cardinale, Itália. “Essa igreja se transformou no primeiro modelo de santuário de santa Filomena para todos os demais santuários”, disse o padre Wagner Ruivo.
Depois da descoberta das relíquias de santa Filomena, sua história só foi realmente conhecida em 1833, pelas revelações privadas da própria santa à irmã Maria Luiza de Jesus, fundadora da Ordem Religiosa das Irmãs da Imaculada e de Santa Filomena, que está em processo de beatificação. O relato dessas revelações teve autorização do Santo Ofício (atual dicastério para a Doutrina da Fé) em 21 de dezembro do mesmo ano.
Segundo o relato, Filomena era a filha de reis da Grécia. Eles não tinham filhos e ofereciam sacrifícios a deuses pagãos pedindo por um herdeiro. Até que um alguém lhes falou sobre a fé cristã e eles se converteram ao cristianismo. Depois da conversão, o casal gerou uma menina a quem deram chamaram Lumena, que significa luz. No batismo, recebeu o nome de Filomena, ou seja, amiga da luz.
O imperador romano Diocleciano declarou guerra ao pai de Filomena. A família dela, então, foi a Roma tentar negociar a paz. Diocleciano se apaixonou pela donzela e propôs ao seu pai a paz em troca da mão de Filomena em casamento. Apesar da insistência de seus pais, Filomena se recusou, pois já tinha feito votos de castidade, como esposa de Cristo.
Furioso, Diocleciano a colocou na prisão e mandou torturá-la durante dias. Mas, anjos a restabeleceram. O imperador, então, mandou que uma âncora fosse amarrada ao seu pescoço e ela fosse lançada ao rio Tibre. Mas, um anjo cortou a corda, a âncora foi para o fundo do rio e Filomena foi levada à margem, sem se molhar. Muitos que presenciaram o fato se converteram.
Diocleciano mandou que Filomena fosse flechada. Seu corpo ferido foi levado para a prisão e novamente restabelecido. O imperador, então, ordenou que a donzela fosse ferida com flechas em chamas. Mas, as flechas se voltaram contra os arqueiros, mantando alguns deles. Mais conversões se deram entre os que testemunharam este fato.
Por fim, o imperador mandou que Filomena fosse decapitada. Segundo as revelações, o martírio aconteceu em 10 de agosto, uma sexta-feira, às 15h.
O culto a santa Filomena foi aprovado pelo papa Gregório XVI em 1837, depois do reconhecimento da cura milagrosa da beata Pauline Jaricot, por intercessão de santa Filomena, durante uma peregrinação ao santuário de Mugnano del Cardinale.
Controvérsias
A existência de santa Filomena foi colocada em dúvida por algumas pessoas. Em 1904, o arqueólogo Orazio Marcchi questionou se Filomena teria de fato existido e seria mártir, alegando que a ânfora encontrada no túmulo não era sangue, mas perfume ressecado, que as lápides encontradas teriam sido reutilizadas e poderiam ter pertencido a qualquer pessoa e que o relato da vida dela era apenas revelações privadas, sem caráter histórico.
Os argumentos foram refutados dois anos depois pelo jesuíta Giuseppe Bonavenia, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, e pelo arqueólogo J. B. Rossi, especialista em paleoarqueologia cristã no livro Controversia sul Celeberrimo Epitaffio di Santa Filomena, V. e M.
“Ainda há muitas dúvidas sobre detalhes [da vida de santa Filomena], porque quando olhamos para o martirológio romano e vamos para alguns santos muito populares como santa Luzia, santa Bárbara, temos algumas informações, mas nunca podemos nos esquecer de que estamos falando de quase dois mil anos atrás”, disse à ACI Digital o padre Wagner Ruivo.
Segundo ele, “os registros não são muito detalhados, muita coisa que se passa vem da piedade popular e também de uma espécie de tradição oral. Essas informações que ficam mais no âmbito popular, a Igreja sempre tem cautela”, disse. “Hoje, a santa Filomena é reconhecida, o culto dela foi permitido pelo papa Gregório XVI”.
O sacerdote ressaltou que, em relação aos “santos dos primeiros séculos”, não há processos de canonização “nos moldes que conhecemos hoje”. Esses santos “têm seu culto reconhecido pelo papa e, quando o papa reconhece que se pode prestar o culto de veneração àquele santo ou àquela santa, é equiparado a uma canonização”, disse.
“Então, de fato, há muitas lacunas dos santos dos primeiros séculos, o que não os torna menos reais e menos testemunhas, porque a mensagem principal da Igreja sobre santa Filomena é de alguém que amou a Deus sobre todas as coisas e que morreu por amor a Jesus Cristo”, acrescentou.
O sacerdote lembrou que são Pio de Pietrelcina era muito devoto de santa Filomena e não aceitava os questionamentos sobre sua existência. “Ele escutava as pessoas dizendo: ‘Não tem consistências relevantes sobre essa história e, portanto, duvidamos da existência de Filomena’. São Padre Pio ficava muito bravo. Ele dizia assim: ‘Qualquer pessoa que tenha dúvida sobre a existência de Filomena, não tenha dúvida que é o demônio que está semeando tais dúvidas’”, contou. O padre Ruivo destacou que Padre Pio também costumava dizer: “Se de fato esse era o nome dela, Filomena, tudo bem, não sabemos, mas que ela é real e consegue muitas graças e milagres incontáveis isso não podemos negar”. Filomena vem do grego e significa “amada”.
“Padre Pio falava que os demônios proporcionaram que esse túmulo [de santa Filomena] lá na catacumba de Priscila fosse escondido por milênios porque sabiam que após a descoberta dessa devoção, miríades de conversões viriam por causa dos milagres e prodígios. Tanto é que quando os restos mortais dela eram levados para o santuário [de Mugnano del Cardinale], os milagres começam a acontecer pelo caminho, à vista do bispo, dos padres. Então, repercutiu muito rápido”, disse o sacerdote.
O padre Wagner Ruivo lembrou ainda que a reforma litúrgica de 1961 tirou o nome de Filomena do calendário, mas “o culto a ela permanece”.
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“Na tradução nova do Missal Romano, muitos santos não estão ali com formulários próprios, porque felizmente nós temos tantos santos que não tem como colocar formulários para todos eles no Missal”, disse.
Segundo o padre, “a missa aprovada pela Igreja” para santa Filomena “é o formulário comum de virgem e mártir”.
Santos e papas devotos
O padre Wagner Ruivo contou que, além de são Pio de Pietrelcina, outro santo que era “devotíssimo” de santa Filomena era são João Maria Vianney. “Eles tinham uma amizade espiritual muito interessante, porque ele é do século XIX e a santa é do século III. E os dois tinham uma amizade espiritual, o que corrobora a doutrina católica da comunhão dos santos, porque ele mantinha diálogos com ela, atribuía alguns milagres a ela, ela solicitava que ele intercedesse por alguns milagres – já em vida são Cura D’Ars realizava milagres em nome de Jesus”, disse. Segundo o sacerdote, são João Maria Vianney pedia que santa Filomena “o auxiliasse no atendimento às pessoas, nas intervenções miraculosas”.
“Por causa dele, no século XIX, a devoção a santa Filomena começa a ganhar o mundo e uma vultuosidade não vista antes. Isso é tão verdadeiro que é ele quem escreve a ladainha a santa Filomena”, disse.
O sacerdote lembrou também que “grandes papas foram defensores de santa Filomena”, como Gregório XVI, que autorizou o culto a ela. Outro papa devoto foi Pio IX que, “quando era arcebispo, teve uma enfermidade muito grave e perdeu a visão”. “Chegou a ele a informação de santa Filomena, então, ele pediu a intercessão dela e foi curado milagrosamente e recuperou a vista. Quando se tornou papa, ele passou a ser outro grande divulgador da devoção a santa Filomena”.
O padre Ruivo destacou ainda o “papa Leão XIII, que fez duas peregrinações pessoais ao santuário de Mugnano del Cardinale” e foi quem, em 1893, admitiu o uso do cordão de santa Filomena e concedeu indulgência plenária a quem o usasse.
Os sacramentais de santa Filomena
O cordão de santa Filomena é um dos sacramentais ligados à santa. Segundo o parágrafo 1667 do Catecismo da Igreja Católica, os sacramentais “são sinais sagrados por meio dos quais, imitando de algum modo os sacramentos, se significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos principalmente de ordem espiritual. Por meio deles, dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e são santificadas as várias circunstâncias da vida”.
O cordão de santa Filomena foi propagado por são João Maria Vianney, disse o padre Ruivo. Trata-se de um cordão de fios de linho, lã ou algodão em duas cores, “branco e vermelho, porque o branco é a virgindade e o vermelho é o martírio”. Na extremidade, “ele tem três nós, em hora ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. É usado na cintura, sob a roupa, no braço ou na perna.
O uso do cordão foi aprovado pelo papa Leão XIII, concedendo indulgências quem o usar com reta intenção e rezarem a oração: “Ó Santa Filomena, Virgem e Mártir, rogai por nós para que, por meio de vossa poderosa intercessão, possamos obter a pureza de alma e de coração que conduz ao perfeito amor de Deus”.
Para lucrar as indulgências plenárias com o cordão, é preciso cumprir os requisitos de confessar-se, comungar e visitar alguma igreja ou um doente, rezando pelas intenções do papa.
O padre Wagner Ruivo contou que, em uma ocasião, “uma mulher chegou ao santuário [de Mugnano del Cardinale] com a filha cega e sentiu a inspiração de molhar a ponta do dedo no azeite da lamparina que iluminava a imagem de Filomena; ela pegou aquele óleo e colocou sobre os olhos da filha, que voltou a enxergar”. A partir de então, “começou-se a perceber o poder sobrenatural que Deus havia dado ao azeite, ao óleo dedicado à santa Filomena”, que se tornou outro sacramental.
“Há toda uma interpretação teológica para esse fato, porque sabemos que Jesus conta a parábola das dez virgens, sendo que cinco eram imprudentes e as outras cinco previdentes. E, como sabemos, metade não levou óleo suficiente e o Senhor fala: vigiai e orai. Então, esse óleo lembra a virgindade e a vigilância, indicando também a perseverança da virgem prudente que foi fiel ao Senhor até o final, ou seja, que não perdeu o óleo da unção do Espírito Santo”, disse.
O sacerdote recordou ainda que, segundo as revelações para a irmã Maria Luiza de Jesus, quando Filomena “foi flagelada, igual ao esposo dela, Jesus, ela ficou ensanguentada, toda chagada e foi jogada na cela. Um anjo vindo do céu apareceu e ungiu Filomena com óleo, de modo que no dia seguinte, ela acordou mais bela do que no dia anterior, para a fúria do imperador Diocleciano”.
Há também uma coroinha de santa Filomena, um “objeto que lembra um terço”, com “treze contas, porque ela morreu martirizada aos 13 anos”. “Reza-se a oração completa dela e depois, reza-se ‘pelo sangue que derramastes por amor a Jesus Cristo, alcançai-me a graça que vos peço’, em cada conta”.
Festa de santa Filomena em Sorocaba
O padre Wagner Ruivo disse que a celebração de santa Filomena “varia bastante”. “Existem lugares no mundo em que o dia dela não é necessariamente 10 de agosto. Cada lugar tem seu costume”.
Em Sorocaba, a festa é celebrada em 10 de agosto, dia do martírio. Além disso, o santuário também celebra o dia 10 de janeiro, “que comemora o nascimento da santa”.
Antes da celebração de hoje, o santuário viveu uma trezena. Segundo o sacerdote, “a trezena é algo que, com o passar dos anos, fomos entendendo que seria mais produtivo e pedagógico, pelo fato dela ter morrido aos treze anos”. “Cada dia da trezena em honra a cada ano dela na terra. Cada dia vem um padre. Interessante que os padres que vêm rezar não são apenas aqui da arquidiocese, mas de outras dioceses”, disse, recordando que na trezena deste ano, chegou a ter três padres de cidades diferentes na mesma missa. “Muitos padres vêm de ônibus em peregrinação com seu povo e é interessante porque nós não pedimos nem divulgamos, acontece naturalmente”.
A cada dia da trezena, foi rezada a ladainha composta por são João Maria Vianney e a oração oficial de santa Filomena. “E um costuma é que todos os fiéis que participam da novena recebem e cordão e é costume que ao final de cada dia da trezena, a pessoa dá um nó no cordão, contando o total de treze nós”, disse.
Hoje, festa de santa Filomena em Sorocaba, a programação conta com duas missas solenes. “Uma às 15h, porque pela revelação a irmã Maria Luiza, ela teria morrido na sexta-feira às 15h, hora da misericórdia, como o Esposo dela”, e a segunda missa, “com maior afluência popular às 19h30”.
“Ao final das duas missas, as pessoas são ungidas com o óleo, um sacramental de santa Filomena”, disse.