O papa Francisco disse hoje (13) que os eleitores americanos enfrentam a escolha entre "o mal menor": apoiar o aborto ou expulsar migrantes na eleição presidencial dos EUA, na entrevista coletiva a bordo do avião papal em seu retorno de sua viagem de quase duas semanas pelo sudeste da Ásia.

Ao falar hoje (13) a bordo do avião papal, um voo fretado da Singapore Airlines, o papa encorajou os católicos a votarem com consciência.

“Na moralidade política, em geral, dizem que se você não votar, não é bom, é ruim. Você tem que votar, e tem que escolher o mal menor”, ​​disse Francisco.

“Qual é o mal menor? Aquela mulher ou aquele homem?”, disse o papa, referindo-se à vice-presidente Kamala Harris e seu oponente do Partido Republicano, o ex-presidente Donald Trump. “Não sei. Cada um, em sua consciência, deve pensar e fazer isso.”

Na primeira coletiva de imprensa do papa Francisco em quase um ano, o papa disse estar satisfeito com o acordo diplomático da Santa Sé com a China comunista, e descartou a possibilidade de comparecer à reabertura da catedral de Notre Dame em Paris. O papa não foi questionado sobre os supostos abusos e obras de arte do padre Marko Rupnik e ele novamente disse que o aborto é "assassinato".

Anna Matranga, repórter da rede de televisão americana CBS News, perguntou a Francisco que conselho ele daria a um eleitor americano que tem que decidir entre um candidato “que é a favor do aborto e outro que quer deportar milhões de migrantes”.

O papa Francisco respondeu: “Ambos são contra a vida — tanto aquele que expulsa os migrantes como aquele que mata os bebês — ambos são contra a vida.”

Harris, democrata que fez do aborto sem restrições legais o tema central de sua campanha presidencial, e Trump, que pediu a deportação de talvez milhões de imigrantes que entraram ilegalmente nos EUA nos últimos anos, travam uma disputa acirrada faltando apenas 52 dias para a eleição de 5 de novembro.

Aborto é "assassinato"

O papa disse que a ciência apoia a noção de que a vida começa na concepção, dizendo que, embora as pessoas possam não gostar de usar a palavra “matar” ao discutir o assunto, o aborto é “assassinato”.

“Fazer um aborto é matar um ser humano”, disse Francisco.

“A Igreja não permite o aborto porque é para matar, é assassinato”, disse o papa. “É assassinato. E isso nós temos que deixar claro.”

O papa Francisco também falou sobre o tema da imigração, ao citar sua visita à fronteira do México com os EUA em 2015, onde celebrou uma missa perto da diocese de El Paso, Texas, dizendo que “mandar os migrantes embora” ou não acolhê-los é “pecaminoso”.

“Mandar migrantes embora, não deixá-los se desenvolver, não deixá-los ter vida, é uma coisa ruim e desagradável. Mandar um bebê para longe do seio de sua mãe é um assassinato porque há vida. Sobre essas coisas, devemos falar claramente”, disse Francisco.

Na coletiva de imprensa de 45 minutos a bordo — que brevemente interrompida por fortes turbulências no avião papal — o papa Francisco também respondeu a perguntas sobre abuso sexual clerical, diálogo Santa Sé-China, a guerra em Gaza, a pena de morte e seus próximos planos de viagem.

Abuso é 'algo demoníaco'

O papa falou longamente sobre abuso sexual clerical em resposta a uma pergunta de um jornalista francês sobre outro escândalo recente de abuso clerical — o do padre Pierre, capuchinho francês que morreu em 2007 e foi uma das figuras da Igreja mais queridas e icônicas na França.

O fundador do Movimento Emaús na França foi acusado de abuso sexual e má conduta por pelo menos sete vítimas — incluindo uma que era menor de idade na época de sua suposta agressão. Como o administrador apostólico emérito de Díli, Timor-Leste, dom Carlos Ximenes Belo, herói da independência do país e ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1996 que foi punido pela Santa Sé por abusar sexualmente de meninos, o abade Pierre era admirado por fazer parte da resistência francesa na Segunda Guerra Mundial e ajudar judeus a cruzar a fronteira francesa para a Suíça.

Simon Leplatre, jornalista do jornal francês Le Monde, perguntou ao papa Francisco o que ele diria “à população em geral que acha difícil acreditar que uma pessoa que fez tantas [muitas] boas ações também possa cometer crimes”, referindo-se tanto a Belo quanto ao abade Pierre.

Em sua resposta, o papa disse que a questão “tocou num ponto muito doloroso e muito delicado”, dizendo que os pecados públicos devem ser condenados, incluindo “todos os tipos de abuso”.

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“O abuso é, no meu julgamento, algo demoníaco”, disse o papa Francisco. “Porque todo tipo de abuso destrói a dignidade da pessoa. Todo tipo de abuso busca destruir aquilo que todos nós somos, a imagem de Deus”.

Durante a resposta do papa, o avião papal foi atingido por forte turbulência, fazendo com que o capitão da aeronave interrompesse a coletiva de imprensa com um anúncio de segurança.

“Sua pergunta causou turbulência”, disse o papa Francisco. “Para concluir, o abuso sexual de crianças, de menores, é um crime. É uma vergonha.”

O papa respondeu a perguntas de dez jornalistas — representando os países visitados e os diferentes idiomas falados no corpo de imprensa: italiano, espanhol, francês, alemão e inglês. Cada representante de idioma só podia fazer uma pergunta, e o jornalista de língua inglesa escolheu perguntar sobre a eleição presidencial dos EUA. Um jornalista de um meio de comunicação de propriedade chinesa foi autorizado a perguntar ao papa sobre o diálogo da Santa Sé com o governo chinês.

Diálogo Santa Sé-China

Em resposta à pergunta se o papa estava satisfeito com os resultados do acordo provisório da Santa Sé com Pequim até agora, o papa Francisco disse que, em sua opinião, os resultados são bons e há boa vontade em trabalhar na nomeação de bispos.

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“Estou feliz com o diálogo com a China”, disse Francisco. “Ouvi como as coisas estão indo do secretário de estado, e estou feliz.”

O papa Francisco disse admirar a longa história da China e disse querer visitar o país.

“A China é uma promessa e uma esperança para a Igreja”, disse o papa.

Os comentários do papa sobre a China ocorrem no momento em que o acordo Santa Sé-China, assinado pela primeira vez em 2018, será renovado por mais dois anos no final deste mês.

O diálogo da Santa Sé com a China nem sempre foi tranquilo. A Santa Sé disse que a China violou os termos de seu acordo provisório sobre a nomeação consensual de bispos na China por meio de uma comissão conjunta China-Santa Sé ao nomear unilateralmente bispos em Xangai e na “diocese de Jiangxi”, grande diocese criada pelo governo chinês que não é reconhecida pela Santa Sé.

Defensores dos direitos humanos disseram estar preocupados sobre o silêncio da Santa Sé durante os anos de diálogo sobre as violações da liberdade religiosa feitos pelo Partido Comunista Chinês, incluindo a detenção de muçulmanos uigures e a prisão de defensores da democracia, como o católico Jimmy Lai, em Hong Kong.

No mês passado, o governo chinês reconheceu oficialmente um antigo bispo “clandestino” na China, dom Melchior Shi Hongzhen, de 95 anos, o que Santa Sé disse ser “um fruto positivo do diálogo” com Pequim.

'Todos os dias eu ligo para Gaza'

A coletiva de imprensa no voo de retorno de 12 horas do papa a Roma foi a primeira coletiva de imprensa papal desde o início da guerra em Gaza, há quase um ano. Respondendo a uma pergunta sobre o recente ataque israelense a uma escola em Gaza que matou 18 pessoas, incluindo dois funcionários da agência da Organização das Nações Unidas para refugiados palestinos (UNRWA, em inglês), o papa disse que "a Santa Sé está trabalhando".

“Todos os dias eu ligo para Gaza, para a paróquia de Gaza”, disse o papa Francisco. “Ali, dentro do colégio, há 600 pessoas: cristãos, muçulmanos... mas vivem como irmãos.”

Ao lamentar os “corpos de crianças mortas” em Gaza, o papa disse sua frase de que “a guerra é sempre uma derrota”, mesmo para o vencedor. O papa disse ser grato ao Rei da Jordânia, Abdullah II bin Al-Hussein, elogiando-o por “tentar fazer a paz”.

Desejo de visitar as ilhas Canárias

O papa Francisco, que fará 88 anos em dezembro e frequentemente usa cadeira de rodas, parecia enérgico e sorria frequentemente ao responder às perguntas dos jornalistas a bordo do avião. No último dia da mais longa e uma das mais árduas viagens internacionais de seu pontificado, o papa de 87 anos já estava pronto para discutir viagens futuras.

O papa Francisco disse que pensa em visitar as ilhas Canárias, arquipélago espanhol autônomo na costa noroeste da África, especialmente por causa de sua população migrante. O papa foi convidado a visitar as ilhas Canárias pelo presidente das ilhas Canárias, Fernando Clavijo, em audiência no Vaticano em janeiro.

O papa descartou definitivamente a possibilidade de visitar a França para a reabertura da catedral de Notre Dame em 8 de dezembro. A catedral deve reabrir na solenidade da Imaculada Conceição, festa que o papa tradicionalmente sempre celebra com a cidade de Roma na praça aos pés das Escadarias da Praça da Espanha.

O papa Francisco foi menos decisivo sobre a possibilidade de uma viagem tão esperada à Argentina, sua terra natal. Ele disse à jornalista argentina Elisabetta Pique que gostaria de ir à Argentina, mas “ainda não está decidido” porque “há uma série de coisas a resolver primeiro”.

A viagem mais longa do seu pontificado

Em meio a muito ceticismo sobre como o idoso papa seria capaz de lidar com a ambiciosa viagem internacional, o papa Francisco completou sua viagem mais longa até então, voando 32 mil km no total em sete voos para visitar quatro países no sudeste da Ásia e na Oceania.

No voo de volta a Roma, o papa caminhou lentamente pelo corredor da aeronave usando uma bengala antes de ser ajudado a se sentar em uma pequena cadeira dobrável, de onde agradeceu aos jornalistas por acompanhá-lo na longa viagem.

O papa Francisco disse que ficou impressionado com a arte e as danças tradicionais que encontrou em Papua Nova-Guiné e os arranha-céus e a aparente falta de discriminação na cidade-estado multicultural de Singapura. O papa disse que Singapura em breve sediará o Grande Prêmio de Fórmula 1 de Singapura, o que ele disse ser uma prova de como a cidade é um destino internacional que atrai diferentes culturas.

Enquanto ele falava sobre sua viagem, ficou claro que Timor-Leste, país pequeno e empobrecido estabelecido em 2002, causou uma forte impressão no papa. Estima-se que 600 mil pessoas compareceram à missa papal em Timor-Leste — quase metade da população do país que é 98% católica.

O papa Francisco elogiou a “cultura da vida” de Timor-Leste, ao elogiar a alta taxa de natalidade do país e dizer que os países mais ricos, incluindo Singapura, poderiam aprender com o pequeno país que “as crianças são o futuro”.

“Timor-Leste é uma cultura simples, muito familiar, feliz, uma cultura da vida com muitas crianças”, disse Francisco. O papa disse esperar que esse aspecto da cultura timorense possa ser protegido de “ideias que vêm de fora”, que podem ser como os crocodilos de água salgada que invadiram algumas das praias de recifes de corais do país.

“Deixem-me dizer uma coisa”, disse o papa Francisco. “Eu me apaixonei por Timor Leste.”