As questões mais controversas podem estar fora da agenda da assembleia do Sínodo da Sinodalidade do próximo mês em Roma, mas não se engane: o encontro de 2 a 27 de outubro ainda pode levar a várias grandes mudanças que afetam a vida cotidiana na Igreja.

Os delegados do sínodo, que concluirá um processo sinodal global de quatro anos, provavelmente discutirão e possivelmente aprovarão propostas que abordam tudo, desde mulheres em posições de liderança até a capacidade das conferências episcopais nacionais de tomar decisões doutrinárias.

 

O potencial para mudanças de impacto permanece mesmo depois de o papa Francisco decidir  transferir tópicos controversos, como a possibilidade de ordenar mulheres diaconisas e a mudança de questões doutrinárias controversas, incluindo as relacionadas à sexualidade, para grupos de estudo especialmente dedicados e não para a assembleia sinodal como um todo.

Tanto teólogos preocupados quanto ativistas ansiosos especularam que, ao se concentrar em tópicos mais fundamentais, como a tomada de decisões na vida da Igreja, o sínodo poderia realmente "abrir a porta" para esforços para mudar doutrinas e disciplinas específicas.

E enquanto participantes como o arcebispo de Viena, Áustria, dom Christoph cardeal Schönborn,  disseram que os tópicos específicos do sínodo "estão um pouco incertos", o documento que guiará as discussões de outubro, o Instrumentum Laboris, já inclui esboços iniciais de várias propostas concretas.

 

 

Mais de 360 delegados com direito a voto, incluindo, pelo segundo ano consecutivo, um número significativo de mulheres e homens leigos, discutirão essas propostas ao longo de outubro antes de votar num documento final. O papa Francisco levará esse texto em consideração antes de escrever sua própria doutrina pós-sinodal, a menos que ele decida simplesmente aceitar o documento final do Sínodo como magisterial, como permite uma recente mudança no direito canônico.

Seja qual for o caso, teremos um outubro muito mais importante do que aqueles que se concentram apenas em "questões polêmicas" levariam a acreditar.

Seguem abaixo sete maneiras concretas pelas quais o sínodo ainda pode mudar a Igreja.

 

 

 

1. Mulheres nos seminários — e em todos os outros lugares

Espere que o sínodo peça que as mulheres se envolvam mais nos seminários. Não como candidatas ao sacerdócio, mas como participantes vitais no processo de formação dos homens.

O Instrumentum Laboris fala sobre a importância de as mulheres terem acesso a papéis de "ensino e formação", o que permitiria que futuros padres e mulheres "cresçam em seu conhecimento mútuo e estima mútua e em sua capacidade de cooperar".

A proposta é apenas uma das muitas destinadas a impulsionar o papel das mulheres na Igreja. Outras incluem envolver mais as mulheres nos processos de tomada de decisão, cargos diocesanos de responsabilidade e como juízas em processos canônicos. O objetivo é que as mulheres desempenhem um papel maior em todas as áreas da Igreja, não reservadas exclusivamente aos clérigos.

A ênfase provavelmente pode ser implementada em todas as partes da Igreja, embora também seja verdade que sua novidade e, portanto, seu impacto, vai variar conforme a região.

Assim, embora propostas concretas sobre o papel das mulheres na Igreja provavelmente surjam do sínodo, se elas forem recebidas como um apelo a uma mudança dramática ou simplesmente "mais do mesmo" provavelmente vai variar conforme o contexto.

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2. Conferências episcopais sobrecarregadas

O papa Francisco quer uma "salutar descentralização" na Igreja. E o documento preparatório do sínodo propõe o fortalecimento das conferências episcopais como um passo nessa direção.

Os participantes do Sínodo devem discutir se as conferências episcopais devem se tornar "sujeitos eclesiais dotados de autoridade doutrinal" canonicamente reconhecidos, capazes de tomar decisões litúrgicas, disciplinares e até teológicas.

Esse tipo de descentralização foi favorecido no sínodo por, entre outros, participantes alemães, que provavelmente o veem como uma forma de permitir que eles implementem as mudanças desejadas relacionadas à doutrina da Igreja sobre sexualidade e a possibilidade de ordenar mulheres na Alemanha.

O Instrumentum Laboris diz que esse tipo de "estilo sinodal" pode ajudar a "deixar de pensar que todas as Igrejas devam forçosamente mover-se ao mesmo ritmo relativamente a cada questão", embora também diga que decisões mais localizadas não devem afetar "a unidade de doutrina, de disciplina e de comunhão da Igreja".

Mudanças no status canônico das conferências episcopais, e seu correspondente nível de autoridade, podem resultar em mudanças sísmicas no terreno. Críticos dizem que isso pode levar as igrejas locais a seguir seu próprio caminho em questões-chave de doutrina e disciplina, efetivamente estando em comunhão apenas no nome. Espera-se que esse tópico seja um dos mais disputados no próximo mês.

 3. Avaliações do bispo

Para promover a transparência e a responsabilidade, o sínodo provavelmente proporá maneiras concretas pelas quais as comunidades eclesiais podem avaliar seus líderes.

Além das normas canônicas já existentes, o Instrumentum Laboris diz ser necessário desenvolver "estruturas e formas de avaliação regular do modo como são exercidas todas as responsabilidades ministeriais".

"A avaliação, entendida em sentido não moralista, permite aos Ministros introduzir tempestivamente eventuais ajustamentos e favorece o seu crescimento e a capacidade de prestarem um serviço melhor", diz o documento.

A proposta é apresentada como uma forma de combater o clericalismo e possivelmente será bem-vinda por aqueles que gostariam que os líderes da Igreja fossem mais responsáveis diante de seu povo na tomada de decisões, seja sobre finanças, reorganização diocesana ou mesmo sobre a programação da missa paroquial.

Outros provavelmente vão expressar preocupação de que tornar o relacionamento entre os ministros e aqueles a quem servem excessivamente avaliativo possa prejudicar o que também deveria ser um vínculo espiritual.

 

 

 

Um estudo descobriu que um efeito semelhante ocorreu nos EUA depois dos protocolos de prevenção de abuso sexual levarem muitos padres a sentir que seus bispos os viam principalmente como potenciais problemas legais.

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Os delegados do sínodo, a maioria dos quais são bispos, provavelmente desejarão se proteger contra resultados não intencionais semelhantes em qualquer processo de avaliação formal estabelecido.

 4. Ministério da Escuta

O documento preparatório propõe estabelecer um novo "ministério de escuta e acompanhamento" como forma de tornar a sinodalidade uma experiência mais concreta na vida dos crentes comuns.

Esse ministério serviria como uma "porta aberta" para a comunidade, permitindo às pessoas “entrar sem se sentirem ameaçadas ou julgadas”. O ministério também é visto como modo de o discernimento comunitário ocorra em nível local, possivelmente facilitando a metodologia de "conversação no espírito" do sínodo.

Estabelecer esse novo ministério, diz o Instrumentum Laboris, indicaria o "caráter profético" da escuta, demonstrando que a escuta é uma parte ordinária da vida da Igreja, mas também uma prioridade eclesial.

O papa Francisco já demonstrou querer instituir novos ministérios para atender a uma necessidade percebida, ao criar o ministério de catequista em 2021. Com o "ministério da escuta" já desenvolvido no documento preparatório da sessão do Sínodo deste ano, espera-se que alguma forma dele seja proposta no final de outubro – e que o papa Francisco se mova rapidamente para implementá-lo.

 

 

 

5. Votos mais do que consultivos

Um dos principais focos no próximo mês será envolver mais pessoas na tomada de decisões pastorais na Igreja.

O Instrumentum Laboris diz que a autoridade eclesial adequada será livre para tomar decisões finais sem "competição ou conflito", uma vez que essa autoridade está enraizada na "estrutura hierárquica da Igreja estabelecida por Cristo".

Mas o texto também implica que um bispo é um pouco obrigado a aceitar o "acordo geral que emerge" dos processos consultivos.

Não está claro como os conflitos que podem surgir seriam resolvidos de uma forma que respeite tanto a hierarquia da Igreja quanto a visão de sinodalidade apresentada.

 

 

 

 

Esse quadro se torna ainda mais confuso quando o Instrumentum Laboris propõe que a fórmula canônica que fala de um "voto consultivo apenas" seja corrigida, porque "reduz o valor da consulta".

Embora os detalhes do que realmente está sendo proposto em relação à participação ampliada na tomada de decisões permaneçam extremamente confusos, tal mudança pode ter enormes consequências. Espera-se que os delegados do sínodo peçam mais clareza em seu tempo em Roma.

 6. A solidariedade intra-eclesial

Dada a sua natureza internacional, o Sínodo da Sinodalidade foi saudado pelos participantes como um momento de aprofundamento da solidariedade e do enriquecimento mútuo entre os católicos na Igreja universal. Segundo o Instrumentum Laboris, "a existência de Igrejas ricas e de Igrejas que vivem em condições de grande privação é um escândalo".

Portanto, espera-se que surjam propostas que formalizem as Igrejas locais divulgando seus respectivos dons, não apenas materiais, mas também catequéticos e ministeriais.

 

Certamente, já existem esforços colaborativos entre, por exemplo, as Igrejas mais ricas do Ocidente e as Igrejas mais vibrantes do Sul Global, incluindo intercâmbios de padres e recursos financeiros. Mas uma proposta concreta do sínodo poderia estimular uma dedicação renovada a esse tipo de "compartilhamento de presentes", semelhante a como a diretriz do papa são João XXIII desencadeou um movimento de paróquias missionárias patrocinadas pela América do Norte na América Central e do Sul na década de 1960.

 7. Um Sínodo sem fim

O penúltimo rascunho do resumo da sessão do sínodo do ano passado incluía uma proposta para criar "um sínodo permanente de bispos eleitos pelas Conferências Episcopais para apoiar o ministério petrino" – em outras palavras, um "supersínodo" permanente e geograficamente representativo para aconselhar o papa de forma contínua.

 

 

A proposta não foi aprovada na época, mas a linguagem relacionada voltou ao documento preparatório da sessão deste ano.

Ao citar a constituição apostólica  Episcopalis Communio de 2018, do papa Francisco, o documento pede a transformação do sínodo "de um evento ocasional para um processo eclesial que se estende no espaço e no tempo".

Embora nenhum detalhe concreto tenha sido divulgado sobre como fazer a transição do Sínodo dos Bispos, criado pelo papa Paulo VI em função das reformas implementadas pelo Concílio Vaticano II na década de 1960, de um "evento ocasional", normalmente uma vez a cada três anos sobre um tópico determinado pelo papa, para um "processo eclesial" em andamento, o documento falou positivamente do "processo por etapas" do Sínodo da Sinodalidade. A sessão de encerramento do mês que vem ocorre depois de três anos de sessões diocesanas, nacionais e regionais.

 

 

 

 

O Sínodo da Sinodalidade pode ser concluído no fim do mês que vem. Mas se algo como um "super-sínodo" for proposto pelos delegados e aceito pelo papa Francisco, ouviremos falar de sínodos em Roma muito depois deste ano.