27 de set de 2024 às 12:00
O papa Francisco disse hoje (27) às autoridades belgas que a Igreja é “santa e pecadora” ao mesmo tempo; lamentou as adoções forçadas que ocorreram no passado e também denunciou o abuso de menores, uma “vergonha e humilhação” pela qual a Igreja deve pedir perdão.
Na manhã de hoje (27), em seu primeiro dia na Bélgica, o papa Francisco foi de carro às 9h (horário local) ao castelo de Laeken, depois de celebrar a santa missa em particular, para a visita de cortesia ao rei Filipe e à rainha Mathilde.
Uma guarda de honra a cavalo acompanhou-o até à entrada principal do castelo, onde foi recebido pela realeza belga.
Depois das fotos oficiais e da assinatura do Livro de Honra, foi realizada uma reunião privada seguida de troca de presentes. No final da visita, o papa Francisco, o rei e a rainha foram à Grande Galerie (Grande Galeria) do castelo de Laeken para o encontro com as autoridades.
Nas suas palavras de boas-vindas, o rei Filipe falou sobre a denúncia do papa Francisco sobre os abusos cometidos no seio da Igreja e também lhe agradeceu por suas ações concretas para ajudar as vítimas.
O papel da Bélgica na Europa
No seu discurso inaugural, depois de agradecer ao rei pelas boas-vindas, o papa Francisco falou sobre a posição geográfica do país, ocidental e ao mesmo tempo central, “como se fosse o coração pulsante de um organismo imenso”.
O papa também a definiu como “uma ponte para permitir a expansão da concórdia, fazendo retroceder os conflitos”, sendo “indispensável à construção da paz e ao repúdio da guerra”.
Francisco falou sobre a necessidade que a Europa tem de que a Bélgica “relembre a sua história” e leve adiante “o caminho da paz e da fraternidade entre os povos que a compõem”.
O papa disse que a Europa precisa da Bélgica "para se lembrar da sua história, feita de povos e culturas” e “para prosseguir na via da paz e da fraternidade entre os povos que a compõem".
“Neste momento histórico, penso que a Bélgica tem um papel muito importante. Estamos perto de uma guerra quase global”, disse Francisco.
“Façam filhos!”
A concórdia e a paz, disse o papa, “não são uma conquista alcançada de uma vez por todas, mas antes uma tarefa e uma missão incessante a cultivar, a cuidar com tenacidade e paciência”.
“Quando os seres humanos deixam de recordar o passado e ser educados por ele, esquecendo o sofrimento e os custos assustadores pagos pelas gerações anteriores”, disse Francisco.
O papa pediu que a Europa redescubra “o seu verdadeiro rosto” e se abra à vida e à esperança, “para derrotar o inverno demográfico e o inferno da guerra”.
“Há duas calamidades neste momento. Estamos assistindo ao inferno da guerra, que pode transformar-se numa guerra mundial. E o inverno demográfico. Com isso devemos ser práticos. Façam filhos, façam filhos!”, disse Francisco.
A Igreja, “santa e pecadora”
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Em seguida, o papa disse que a Igreja quer ser uma presença que, ao testemunhar a sua fé em Cristo ressuscitado, dê “uma presença que ajude todos a enfrentar os desafios e as provações, sem entusiasmos voláteis ou pessimismos sombrios, mas com a certeza de que o ser humano, amado por Deus, tem uma vocação eterna de paz e de bem, e não está destinado à dissolução ou ao nada”.
“Com o olhar fixo em Jesus, a Igreja reconhece-se sempre como discípula, que com temor e tremor segue o seu Mestre, reconhecendo-se tão santa como fundada por Ele e, ao mesmo tempo, frágil e insuficiente nos seus membros, sempre carente e superada pela tarefa que lhe foi confiada”, disse Francisco.
O papa disse também que a Igreja “anuncia uma Notícia que pode encher os corações de alegria e, com obras de caridade e inúmeros testemunhos de amor ao próximo, procura oferecer sinais concretos e provas do amor que a move”.
Depois, o papa Francisco disse que a Igreja é “santa e pecadora” e que vive “nesta perene coexistência de luz e sombra, muitas vezes com frutos de grande generosidade e esplêndida dedicação, e outras vezes, infelizmente, com o aparecimento de dolorosos contra-testemunhos”.
A vergonha do abuso infantil
“Estou a pensar nos dramáticos acontecimentos do abuso de menores, um flagelo que a Igreja está enfrentando com decisão e firmeza, escutando e acompanhando as pessoas feridas e implementando em todo o mundo um programa capilar de prevenção”, disse Francisco.
Para o papa, o abuso de menores representa “uma vergonha que hoje todos nós devemos enfrentar, pedir perdão e resolver o problema”.
O papa Francisco comparou os abusos com o que foi feito por Herodes no tempo dos santos inocentes e disse que “a Igreja deve se envergonhar e pedir perdão, e tentar resolver essa situação com humildade cristã, fazendo todos os esforços para que isso não aconteça mais”.
O papa disse também que, embora as estatísticas indiquem que a grande maioria dos abusos ocorre na família, no bairro, ou no mundo dos esportes e na escola, “apenas um abuso é suficiente para se envergonhar”.
“Na Igreja, devemos pedir perdão por isso e que os outros peçam perdão por sua parte. Essa é a nossa vergonha e nossa humilhação”, disse Francisco.
Papa lamenta adoções forçadas
O papa também falou sobre o fenômeno das “adoções forçadas”, também presente na Bélgica entre as décadas de 1950 e 1970, algo que segundo o papa “continua a ocorrer hoje em alguns países e culturas”.
“Nessas histórias espinhosas, o fruto amargo de um delito e de um crime misturava-se com o que, infelizmente, era o resultado de uma mentalidade prevalecente em todos os estratos da sociedade, de tal modo que aqueles que agiam de acordo com ela, em consciência, acreditavam fazer o bem, tanto à criança como à mãe”, disse Francisco.
O papa disse que, “muitas vezes, a família e os outros agentes sociais, incluindo a Igreja, consideravam que, para eliminar o estigma negativo que, infelizmente, recaía sobre a mãe solteira naquela época, era preferível, para o bem de ambos, mãe e filho, que este último fosse adotado”.
“Houve até casos em que não foi dada a possibilidade a algumas mulheres de escolher entre ficar com a criança ou dá-la para adoção”, lamentou Francisco.
Como sucessor de são Pedro apóstolo, o papa pediu ao Senhor “ que a Igreja encontre sempre dentro de si a força para esclarecer e não se conformar com a cultura dominante, mesmo quando esta – manipulando-os – usa valores derivados do Evangelho, para deles tirar conclusões indevidas, com consequências pesadas de sofrimento e exclusão”.
“Rezo para que temam o julgamento da consciência, da história e de Deus, e convertam os seus olhos e corações, colocando sempre em primeiro lugar o bem comum”, disse Francisco.
“A esperança é um dom de Deus”
O papa quis concluir o seu discurso com esperança, o que disse não ser “algo que se leva na mochila pelo caminho, não, a esperança é um dom de Deus que nunca decepciona e se leva no coração”.
“E por isso quero deixar-vos este desejo de esperança, a vós e a todos os homens e mulheres que vivem na Bélgica: que possam sempre pedir e receber este dom do Espírito Santo, para caminharem juntos com a Esperança no caminho de vida e de história”, concluiu o papa Francisco.