"Não à guerra!" é o único “grito de guerra” entre as comunidades cristãs do Líbano desde que os confrontos entre o grupo radical islâmico xiita Hezbollah e Israel começaram a se agravar. Enquanto grandes partes do país são arrastadas para o crescente conflito militar, os cristãos no Líbano se preparam para suportar um novo período de destruição, medo e deslocamento.

Os combates entre o Hezbollah e Israel se espalham para diferentes áreas do país. Mísseis lançados do Líbano estão chegando mais longe no território de Israel, enquanto os ataques israelenses têm como alvo áreas específicas em todo o Líbano ligadas ao Hezbollah, incluindo o sul, o vale do Bekaa e os subúrbios do sul de Beirute. Apesar de ser a pior escalada desde 2006, ainda não é uma guerra em grande escala.

Embora as cidades cristãs tenham evitado bombardeios diretos até agora, elas não escaparam das consequências. Em uma situação muito familiar aos libaneses desde 1975, quando começou a guerra civil que durou mais de 15 anos, surge uma questão importante: como as comunidades cristãs lidam com o crescente conflito?

Áreas cristãs ameaçadas

A situação em rápida mudança causa medo entre os cristãos. Eles estão preocupados com o fracasso em estabelecer um cessar-fogo e com o potencial de as coisas saírem do controle.

 

 

 

Na última quarta-feira (25), aviões israelenses atacaram uma cidade no distrito de Keserwan, no monte Líbano, pela primeira vez. Essa área é o coração da comunidade cristã por causa da grande população maronita e da presença de importantes lugares religiosos como o patriarcado maronita e o santuário de Nossa Senhora do Líbano.

O distrito também inclui algumas aldeias com maioria muçulmana xiita, como Al-Ma'aysarah. A cerca de 38 km de Beirute, o município foi diretamente atingido num ataque contra um oficial do Hezbollah.

O Líbano é um dos quatro países do mundo em que os xiitas formam a maioria da população muçulmana. Essa maioria é de quase 90% no Irã e pouco mais da metade no Iraque, no Iêmen e no Líbano. O Irã patrocina o Hezbollah.

Raquel, que mora na costa de Keserwan e trabalha numa escola católica, disse à ACI MENA, agência em árabe da EWTN News: "Estamos tentando viver normalmente o máximo possível, mas somos consumidos pelo medo. Nenhum lugar mais se sente seguro depois do bombardeio de uma vila próxima [Al-Ma'aysarah]. Queremos uma vida normal. Queremos nossos filhos de volta à escola. Rezamos para que Deus nos salve desta loucura".

Logo depois, a área ao redor da cidade de Ras Ashtar, na estrada para Annaya, no distrito de Jbeil, também foi atingida. Essa estrada leva ao mosteiro de Mar Maroun Annaya, onde se localiza o túmulo de são Charbel, o maior santo libanês.

O sentimento local é unânime: "Não temos medo” disseram monges à ACI MENA. “São Charbel está aqui conosco. Bombardear uma cidade na estrada para seu santuário não impedirá as pessoas de visitar o mosteiro. Nossas orações não vão parar. O Líbano está sob a proteção de seu santo".

 

 

 

 

Deslocados para áreas mais seguras

Cidades e vilas cristãs em todo o Líbano estão agora lotadas de pessoas deslocadas de aldeias do sul sob ataque. Mais de 90 mil pessoas foram deslocadas, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Casas de aluguel, escolas públicas e hotéis abriram suas portas para recebê-los. No entanto, esse não foi o caso em todos os lugares.

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A ACI MENA apurou que algumas aldeias na área de Keserwan se recusaram a alugar casas vazias, temendo que as pessoas deslocadas pudessem ter conexões com grupos militantes, potencialmente colocando sua aldeia em risco. Tanto os xiitas quanto os poucos cristãos que vivem nas aldeias fronteiriças foram deslocados, enquanto a maioria dos cristãos deixou o país antes da recente escalada militar.

O patriarca maronita, cardeal Bechara Boutros al-Rahi, agradeceu "a todos aqueles que estão recebendo nosso povo sofredor em suas casas nas áreas seguras", e falou sobre "a necessidade de um cessar-fogo imediato para evitar mais vítimas, feridos e deslocados desabrigados".

As escolas católicas não abriram suas portas para os deslocados, anunciando que "a partir de segunda-feira, 30 de setembro, a educação pode ser retomada pessoalmente, virtualmente ou em modo híbrido", dependendo das circunstâncias e localização de cada escola.

 

 

 

 

 

 

Um êxodo cauteloso da capital

Algumas famílias cristãs de Beirute e seus subúrbios estão se mudando para suas casas de verão em áreas rurais. Muitos acreditam ser necessário se afastar da capital.

É principalmente uma medida de precaução, especialmente se os ataques aumentarem. Muitos temem uma repetição do cenário de guerra de 2006, em que pontes e estradas vitais que conectam distritos foram bombardeadas, tornando impossível deixar Beirute para o monte Líbano e para o norte. No conflito, muitos ficaram presos em suas casas, isolados e com medo de morrer nas estradas.

Cenas de aeroportos e mercados

No Aeroporto Internacional de Beirute, os saguões de embarque estão lotados, enquanto os terminais de desembarque estão vazios. Uma pesquisa rápida por voos saindo de Beirute mostra que todos estão reservados até o mês que vem.

Pessoas correm a lojas e farmácias em todas as áreas cristãs para estocar alimentos em preparação para o pior, à medida que crescem os temores de escassez. Varejistas aproveitam a situação para aumentar os preços num país com uma economia já em dificuldades. Um rápido tour pelas lojas mais proeminentes nos últimos dois dias mostra que as prateleiras são sendo esvaziadas diariamente. Alguns itens básicos, como pão, estão esgotados.

 

 

 

 

A situação nos postos de gasolina é semelhante. O proprietário de um posto em Sin el-Fil, Monte Líbano, que liga Beirute aos distritos de Metn e Keserwan e se estende ao norte, disse à ACI MENA: "Vimos uma corrida para comprar gasolina e até diesel nos últimos três dias. À medida que o inverno se aproxima, muitas pessoas temem ficar presas em suas casas no centro e nas áreas altas de Metn sem aquecimento se a guerra estourar”. Ele disse que "há estoque suficiente, mas o medo do povo libanês os leva a estocar em excesso todas as vezes, preocupados com a falta ou a manipulação de preços".