2 de out de 2024 às 14:50
O prefeito emérito da então congregação, agora dicastério, para a Doutrina da Fé da Santa Sé, cardeal Ludwig Müller, visitou duas faculdades católicas, Holy Cross College e a Universidade de Notre Dame em South Bend, Indiana, EUA, na semana passada para falar sobre teologia e fez mais críticas ao Sínodo da Sinodalidade poucos dias antes de participar da sessão final do evento.
O cardeal Gerhard Müller criticou a metodologia, a teologia subjacente e os objetivos do sínodo antes da reunião, que ocorre entre hoje (2) e 27 de outubro em Roma, ao falar ao jornal National Catholic Register, da EWTN, em 24 de setembro, depois de visitar as duas instituições de ensino superior católicas.
Müller participou da sessão sinodal do ano passado a convite do papa. Para ele, o sínodo foi caracterizado pela "manipulação", seguindo um plano encenado em direção a resultados predeterminados.
“Acredito que os organizadores do sínodo têm um certo propósito, objetivo e visão da Igreja”, disse o cardeal.
Segundo Müller, os organizadores do sínodo tratam os bispos participantes como se fossem “pessoas sem formação teológica, sem competência, e que devem ser guiadas por eles”.
“Às vezes, eles falam sobre o Concílio Vaticano II como se fossem professores falando com alunos do primeiro semestre”, disse o cardeal.
As duas sessões do sínodo são conclusão do esforço iniciado em 2021 de consultar católicos em todo o mundo e estabelecer a “sinodalidade” como método padrão de tomada de decisões na Igreja. O conceito enfatiza maior escuta entre os membros da Igreja e participação mais ampla, e os proponentes o apresentaram como consistente tanto com a Igreja primitiva quanto com as reformas do concílio Vaticano II.
A sessão deste mês vai se concentrar em “Como ser uma Igreja Sinodal Missionária”, enquanto os 368 membros votantes do sínodo consideram propostas relacionadas à expansão do papel das mulheres, à descentralização da autoridade de doutrina da Igreja e ao aumento do envolvimento dos leigos nos processos de tomada de decisão.
O cardeal Müller deixou a sessão sinodal em 25 de outubro do ano passado, quatro dias antes de sua conclusão, para ordenar novos padres na Polônia.
Como exemplo de formas pelas quais o cardeal acredita que o sínodo está sendo manipulado, o cardeal Müller citou a decisão dos organizadores de distribuir os bispos participantes em pequenos grupos, normalmente com leigos, e limitar as oportunidades de os participantes falarem a toda a assembleia.
Para ele, o efeito foi enfraquecer a voz do episcopado.
“Você pode dizer algo crítico, mas no final, o porta-voz do seu subgrupo não dirá nada abertamente que possa ser interpretado criticamente contra a corrente principal”, disse o cardeal.
O padre jesuíta Giacomo Costa, secretário do sínodo, disse na semana passada em entrevista coletiva que as intervenções diante de todos os participantes seriam ainda mais limitadas este ano, com mais tempo destinado a reuniões entre os representantes dos pequenos grupos.
Quando foi dito que os delegados do sínodo intervieram com sucesso para fazer mudanças entre o rascunho e a versão final do relatório de síntese do ano passado, como remover o termo “LGBTQ”, oriundo da ideologia de gênero, o cardeal Müller disse não estar convencido de que isso significava que os organizadores realmente respeitavam os pontos de vista das vozes dissidentes.
“Eu me pergunto se [esse termo] foi retirado apenas devido a reflexões políticas — 'Não podemos neste momento; temos que buscar a unidade da Igreja' — ou pela percepção de que isso é [na verdade] errado”, disse o cardeal.
O cardeal também disse estar preocupado com grupos de estudo separados criados para responder a perguntas relacionadas à possibilidade de mulheres diaconisas e à doutrina da Igreja sobre sexualidade. O ex-membro da Cúria disse que essas questões doutrinárias devem ser respondidas com autoridade pelo Dicastério para a Doutrina da Fé.
O papa Francisco determinou a criação dos grupos, dez no total, para dar atenção adequada às questões que surgiram na reunião sinodal de 2023, mas, "por sua própria natureza, exigem estudo aprofundado". Os grupos, cujos membros incluem bispos, padres e leigos, vão apresentar seu trabalho no sínodo deste mês, mas têm um mandato até junho do ano que vem.
O cardeal Müller disse prever que a reunião produzirá um longo documento final com “grandes palavras, mas não tanto de substância”. Ele disse que um cenário em que “permanece apenas o papa como uma única figura que decide” como implementar os resultados do sínodo não seria consistente com “a eclesiologia da Igreja, especialmente do Concílio Vaticano II”, que falou sobre a colegialidade entre os bispos da Igreja.
As relações entre o papado e o episcopado, disse o cardeal, não são “como as do imperador romano e dos governadores das províncias, que tinham que obedecer”.
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O cardeal Müller também criticou a ideia de que o papa Francisco tem “uma relação especial com o Espírito Santo” além dos carismas ligados à instituição do papado, o que lhe permitiria fazer mudanças significativas na doutrina e nas práticas da Igreja.
O cardeal alemão, de 76 anos, tem sido um crítico aberto do atual pontificado. Em julho de 2017, o papa Francisco decidiu não renovar seu mandato na DDF, como é de praxe, cargo que ocupava desde sua nomeação pelo papa Bento XVI em 2012.
Um relatório recente do site de notícias católico The Pillar sugeriu que a não renovação do mandato do cardeal estava ligada a uma investigação financeira do dicastério feita por ele em 2015. O cardeal Müller negou ter cometido qualquer irregularidade financeira e disse que o relatório é uma "intriga típica" destinada a desacreditar suas opiniões antes da sessão final do Sínodo da Sinodalidade.
O cardeal foi, de longe, o participante mais crítico do sínodo e suas críticas não diminuíram entre a sessão do ano passado e a deste mês.
Em artigo recente num site católico alemão, o cardeal descreveu a versão da sinodalidade que anima o sínodo como "uma ferramenta de lavagem cerebral para desacreditar os chamados conservadores como homens de ontem e fariseus disfarçados e para nos fazer acreditar que as ideologias progressistas que levaram ao declínio das Igrejas no Ocidente na década de 1970 são a conclusão das reformas do Vaticano II que foram supostamente interrompidas por João Paulo II e Bento XVI".
“Há jogos políticos nos bastidores”, disse o cardeal Müller ao Register. “Não é isso, no meu entender, o que é um sínodo.”
O cardeal também criticou as ideias que animaram o sínodo como “inventadas”, não sendo suficientemente fundamentadas nas Escrituras ou na Tradição e baseadas em “emoções e slogans” enraizados numa antropologia materialista que nega a confiança fundamental da humanidade em Deus.
“Sem princípios morais enraizados na transcendência de Deus, não é possível encontrar boas soluções nem viver em comunidade”, disse o cardeal.
A caracterização do cardeal Müller da estrutura subjacente do sínodo diferiu drasticamente de sua descrição da teologia católica, conforme apresentada tanto em Holy Cross quanto em Notre Dame.
Em 23 de setembro, ele deu a palestra Mind & Heart (Mente e Coração) do outono deste ano do Holy Cross College sobre “A missão da teologia hoje”.
No dia seguinte, o cardeal celebrou uma missa na Basílica do Sagrado Coração de Notre Dame e pregou sobre a visão teológica de são Tomás de Aquino. A missa coincidiu com uma conferência de Notre Dame sobre o legado de são Tomás de Aquino 800 anos depois do nascimento do doutor da Igreja.
Em ambas as apresentações, o cardeal disse que a teologia deve se envolver com o mundo, inclusive ao lidar com questões levantadas pelas ciências naturais e humanas e propor o Evangelho de maneiras inteligíveis para diferentes culturas, mas que deve tomar como primeiro princípio a palavra revelada de Deus.
Essa postura, disse o cardeal, é o que permite à Igreja dar algo verdadeiramente útil a um mundo que precisa desesperadamente de significado.
“A teologia deve preparar um novo humanismo cristão”, disse o cardeal Müller. “A responsabilidade pelo mundo moderno e a esperança de cada pessoa em Deus são marcos para a teologia de hoje”. Em Notre Dame, o cardeal disse: “No cristianismo não há espaço para o cansaço do mundo, o fatalismo e o niilismo, porque estamos todos nas mãos de Deus”.
Em ambas as palestras, o teólogo disse que, como ciência, a teologia deve ser animada pela interação genuína entre fé e razão, em vez de uma “teologia do sentimento”. Essa percepção central, que ele disse ter sido rejeitada pela modernidade, tem sido o tema definidor da cultura ocidental “e, portanto, da civilização mundial hoje”.
O cardeal disse em Notre Dame: “A relação entre razão e fé é, portanto, mais importante para o destino da humanidade do que a neutralidade climática e a ideologia woke ”.