Jornalistas se apressam a interpretar todo novo lote de cardeais que o papa anuncia. A verdade é que, frequentemente, há mais de uma linha de explicação para cada lista de novos cardeais — e frequentemente para cada escolha individual.

Esse certamente parece ser o caso em relação aos 21 novos cardeais anunciados pelo papa Francisco no último domingo (6). Temas como diversidade geográfica, conexões pessoais e recompensa a quem se alinhou às prioridades do papa (e castigo a quem não o fez) permeiam o grupo de bispos que serão criados cardeais no consistório de 8 de dezembro, o décimo consistório convocado por Francisco em seus 11 anos de papado.

Seguem abaixo seis ângulos para entender quem são os novos cardeais e por que o papa Francisco pode tê-los escolhido.

1. Escolha surpreendente para católicos australianos e ucranianos

Antes do anúncio do último domingo (6), alguns observadores disseram que o colégio de cardeais não tinha representantes da Igreja Greco-Católica Ucraniana, omissão notável, dada a guerra em curso na Ucrânia, nem da Igreja na Austrália, que não tem um cardeal desde a morte do cardeal George Pell em janeiro do ano passado.

O papa Francisco remediou isso agora, mas não da maneira que se podia esperar, e provavelmente não de uma maneira que deixa australianos ou os greco-católicos ucranianos satisfeitos.

Numa das escolhas mais surpreendentes, o papa Francisco nomeou o bispo da eparquia católica ucraniana em Melbourne, Austrália, dom Mykola Bychok, de 44 anos de idade, como cardeal. Com isso, passou por cima de dois outros bispos de alto escalão: o arcebispo de Kiev, Ucrânia, dom Sviatoslav Shevchuk, primaz da Igreja Greco-Católica Ucraniana, que critica a abordagem da guerra pelo papa Francisco, e o arcebispo de Sydney, dom Anthony Fisher, sucessor do cardeal Pell como ordinário de Sydney e como o líder católico de maior destaque da Austrália.

Em outras palavras, os greco-católicos ucranianos têm um cardeal, mas não é seu principal representante, que surgiu como um líder heroico em meio a uma guerra terrível; e a Austrália também tem um, mas ele não é particularmente representativo dos 5 milhões de católicos da ilha, que são, em sua maioria, do rito latino.

2. A Lente da Fiducia

A declaração Fiducia supplicans, declaração da Santa Sé publicada em dezembro do ano passado que autoriza bênçãos a uniões homossexuais, é outra linha fundamental para entender quem entrou na lista de novos cardeais e quem foi deixado de fora.

Por exemplo, o papa Francisco escolheu o arcebispo de Argel, Argélia, dom Jean-Paul Vesco, um dominicano francês que, juntou com bispos do norte da África, fez uma defesa moderada do documento.

Outro escolhido, o arcebispo de Belgrado, Sérvia, Ladislav Nemet, recebeu Fiducia supplicans melhor do que a média dos bispos do leste europeu, ao dizer que a bênção não endossa uniões homossexuais, mas também que o desejo de duplas homossexuais de receber uma bênção era um exemplo do mundo moderno "descobrindo verdades... mais rápido do que nós com base na revelação e tradição bíblicas".

Enquanto isso, a vibrante Igreja dos países da África subsaariana, liderada por africanos — onde a resistência à Fiducia supplicans foi mais forte e eloquente — terá apenas um cardeal novo, o arcebispo de Abidjan, Costa do Marfim, dom Ignace Bessi Dogbo.

Na verdade, enquanto a Ásia e a América Latina terão cinco novos cardeais, o que expandirá a representação proporcional de ambos os continentes no colégio de cardeais, os poucos escolhidos da África no próximo consistório diminuirão a voz do continente no colégiocardinalício — e, portanto, num conclave para escolher o próximo papa. Com apenas dois dos 20 novos cardeais eleitores, com menos de 80 anos, a parcela de votos do continente cai de 13,1% para 12,7%, contra a preferência muito alardeada de Francisco de dar ao sul global mais voz nos assuntos da Igreja.

A ausência de africanos notáveis ​​como o arcebispo de Bamenda, Camarões, dom Andrew Nkea Fuanya, que liderou a Conferência Episcopal de Camarões em meio a uma guerra em sua arquidiocese, ou de bispos quenianos como o arcebispo de Ksiumu, dom Maurice Muhatia ou o arcebispo de Nairóbi, dom Phillip Anyolo, é notável, e a recepção nada calorosa do continente à Fiducia supplicans provavelmente tem algo a ver com isso.

Dom Shevchuk também se manifestou contra a Fiducia supplicans, o que talvez deu ao papa Francisco outro motivo para ignorá-lo.

3. Sedes Cardinalícias

O papa Francisco tem o hábito de ignorar os líderes das chamadas sedes cardinalícias, arquidioceses importantes que tradicionalmente são chefiadas por um cardeal. Ele fez isso de novo, já que sedes importantes como Paris, Milão e Los Angeles foram ignoradas mais uma vez. Essas três sedes estão sem um cardeal há mais de sete anos.

Por outro lado, o líder da sé cardinalícia em Lima, Peru, o arcebispo Carlos Castillo Mattasoglio, foi nomeado, embora tenha tido que esperar quatro anos. A espera do arcebispo de Toronto, Canadá, dom Francis Leo, foi muito mais curta: o arcebispo de 53 anos de idade será criado cardeal no segundo consistório a ocorrer desde que assumiu o cargo em 25 de março de 2023. E o arcebispo de Turim, Itália, dom Roberto Repole, também será feito cardeal menos de três anos depois de sua posse — embora seu antecessor, dom Cesare Nosiglia, nunca tenha sido criado cardeal.

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A conclusão é que Francisco não parou completamente de elevar líderes de sedes cardinalícias. Ele só escolhe qual desses bispos ele quer criar cardeal, o que, dizem os críticos, esvazia completamente o propósito de haver sedes cardinalícias tradicionais.

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A ideia é que, com dioceses em que os bispos usualmente se tornam cardeais, a política papal entra menos em jogo, resultando em uma Igreja mais naturalmente equilibrada. A menos que o bispo que ocupa uma sé cardinalícia seja completamente desqualificado, ele deve receber seu chapéu vermelho no devido tempo, independentemente de suas ênfases teológicas ou pastorais particulares se alinharem ou não com o papa da vez.

O papa Francisco mudou essa prática, o que provavelmente terá implicações muito além do seu próprio papado.

4. Olhando para o legado — e os próximos 20 anos

Análises que dizem que o papa Francisco está lotando o colégio de cardeais para garantir que um herdeiro ideológico seja eleito para sucedê-lo erram o alvo. O fato é que, ao expandir a composição geográfica do colégio, o papa Francisco garantiu que o próximo conclave será mais imprevisível do que o normal.

Isso não significa que o papa não esteja deixando sua marca no colégio de cardeais com o próximo consistório.

Sete dos 21 cardeais nomeados pelo papa têm menos de 60 anos. Isso significa que vários membros desse grupo de cardeais poderão votar em conclaves papais pelos próximos 20 anos ou mais. Embora eles possam não seguir todas as visões particulares de Francisco, eles estarão para sempre conectados a ele biograficamente, garantindo que se falará sobre o papa atual e seu impacto por muitos anos.

Por fim, como o primeiro papa da América Latina, que se baseou fortemente na prática católica da região ao governar a Igreja universal, Francisco garantiu que seu continente natal continuará a ter influência em Roma, ao nomear novos cardeais do Brasil, Peru, Equador, Chile e de sua terra natal, a Argentina.

5. Prioridades de Francisco

Muitas outras prioridades do papa Francisco foram refletidas simbolicamente em sua escolha de novos cardeais.

Por exemplo, o papa que viajou para mais países por ano do que são João Paulo II tomou a atitude sem precedentes de nomear o funcionário da Secretaria de Estado responsável pela organização de suas viagens papais, monsenhor George Jacob Koovakad, como cardeal.

O papa Francisco também falou sobre seu compromisso em lidar com a situação dos migrantes ao nomear o subsecretário focado em imigração do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, o padre Fabbio Baggio, como cardeal. Francisco fez a mesma coisa em 2020, com o cardeal Michael Czerny, que era então o subsecretário do dicastério, mas desde então foi promovido a prefeito.

O primeiro papa jesuíta também fez questão de elevar os membros das comunidades religiosas, já que dez dos 21 novos cardeais são religiosos.

Francisco também vai criar cardeal o dominicano inglês Timothy Radcliffe, que escolheu para ser o “diretor espiritual” do Sínodo da Sinodalidade, ao mesmo tempo ressaltando a importância do sínodo para seu legado e continuando a reabilitar teólogos antes marginalizados. Quando mestre-geral da ordem dos pregadores, o futuro cardeal Radcliffe irritou papas anteriores por seu apoio a relacionamentos homossexuais ao longo dos anos.

6. Nenhum americano escolhido

Toda vez que um novo consistório é anunciado, americanos analisam os nomes para ver se o arcebispo de Los Angeles, Califórnia, dom José Gomez, está entre os nomes.

E assim como em todos os outros consistórios realizados desde que Francisco se tornou papa em 2013, o nome de dom José Gomez não foi listado, apesar de ser o ordinário da maior diocese dos EUA.

Embora a não aparição de dom Gomez tenha se tornado esperada, foi surpreendente não encontrar um único americano na lista do papa Francisco. Dado que o arcebispo emérito de Boston, dom Seán cardeal O'Malley de Boston fez 80 anos em junho e agora não é mais eleitor, especulou-se que Francisco poderia criar um novo cardeal americano. Francisco tentou remodelar sua influência dentro da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA criando cardeais, como o arcebispo de Chicago, dom Blase cardeal Cupich, e o arcebispo de San Diego, dom Robert cardeal McElroy, que tendem a ser muito mais progressistas do que o bispo americano médio.

O fato de o papa não nomear um cardeal americano desta vez sugere que ele não conseguiu encontrar um candidato na linha do cardeal Cupich — ou que o papa não está mais interessado em remodelar a Igreja nos EUA por meio de nomeações de cardeais. Seja qual for o motivo, isso significa que a representação estatística americana no colégio de cardeais cairá no consistório de 8 de dezembro para 7%, de 8,2% hoje e de 9,4% em 2013.