14 de out de 2024 às 14:10
“O Inimigo quer que eu desista, mas eu não vou desistir”, disse à ACI Digital a promesseira Camila Gaia Ferreira, de 28 anos, uma das mais de 2 milhões de pessoas que participaram do Círio de Nazaré ontem (13), em Belém (PA), no coração da Amazônia. Devotos de Nossa Senhora de Nazaré de Belém, como Camila, de outros pontos do Pará, de todo o Brasil, e até de outros países, percorreram em cinco horas os cerca de 3,7 km de distância entre a catedral metropolitana de Belém e a Praça Santuário, em frente à basílica de Nazaré.
No percurso, fiéis se esforçam para segurar a corda que puxa a berlinda com a imagem da Virgem Maria, reencenando o episódio de 1858, quando uma enchente fez a berlinda com a imagem atolar e os cavalos não conseguiram puxá-la. Um comerciante local emprestou uma corda para os fiéis puxarem a berlinda. Desde então, uma corda de sisal de 400 metros de comprimento atada à berlinda é usada pelos devotos que se aglomeram para, segurando a corda, pagar suas promessas. À frente deles, muitos outros fazem o caminho de joelhos.
Todos os anos, Camila paga “promessa na corda”, mas este ano ela decidiu ir “de joelho até a frente da basílica”.
“A experiência da corda é uma emoção que a gente sente. Prende a respiração, é algo que não tem explicação mesmo, não tem, não tem nem como falar. Só sente, passa, quem vive o Círio”, disse.
Para pagar sua promessa, Camila saiu à 1h da catedral de Belém e foi de joelhos até a basílica, onde chegou às 6h54. “Eu senti na pele, eu achava tão lindo as pessoas indo de joelho, mas eu não sabia o quanto era... Mas, graças a Deus, Nossa Senhora me ajudou a chegar até aqui”.
O grande esforço físico é parte da experiência de devoção à Senhora de Nazaré. “Meu joelho, que eu vim de calça legging, tive que rasgar a calça, fez uma bolha. E eu não estava suportando”, disse Camila. Com a fé e o apoio de familiares e amigos que a acompanharam no caminho ela conseguiu. “Eu falei, eu vou conseguir, eu vou conseguir, eu vou conseguir, eu não vou desistir, eu não vou desistir”, contou.
“E cheguei até aqui. Representa muita emoção, muita luz, muita fé, muita esperança, amor que ela transmite para a gente”, completou.
Camila contou que no ano passado fez dez pedidos a Nossa Senhora de Nazaré. Ela não revelou quais foram seus pedidos, mas garantiu que “todos os dez foram concretizados”, confirmando o que muitos devotos diziam pelas ruas de Belém: “tudo o que pedimos, Nossa Senhora de Nazaré nos dá”.
A corda do Círio e uma corda humana
A corda, um dos principais símbolos do Círio de Nazaré, depois da própria imagem de Nossa Senhora carregada dentro de uma berlinda toda decorada de flores, contorna a berlinda e depois é dividia em núcleos atrelados entre si por estruturas de metal.
Os promesseiros se esforçavam para chegar e se manter presos na corda. A aglomeração de pessoas era tão grande que em muitos momentos não era nem possível ver a corda, apenas as mãos que a seguravam. Em alguns trechos, aqueles que não conseguiram chegar até a corda seguravam nos promesseiros que já estavam segurando a corda, formando uma espécie de extensão humana da corda.
Apesar do esforço físico e da aglomeração, os devotos não se sentiam esmagados, mas sim encaixados na corda e havia também outras pessoas que os acompanhavam e os ajudavam a se manter na posição, muitas vezes empurrando-os para que não saíssem de seu lugar.
A empreendedora Maiara Brito, de 32 anos, faz parte de um “grupo de amigos da corda”. Todos os anos, “a gente vai na corda e, quando a gente sai um pouco, dá apoio para quem vai na corda”, contou. Para ela, o que a motiva a viver essa experiência “é a fé, com certeza, é a fé”. “O Círio é um símbolo, sabe..., é o Natal do paraense. É inexplicável, eu fico emocionada. É fé. Só quem sente, quem tem essa amor no coração para explicar”, disse.
Ajuda ao próximo
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Em meio à força física e expressões de dor, os promesseiros também rezavam, cantavam e sorriam, além de se ajudarem mutuamente.
A ajuda também vinha de fora, de quem estava acompanhando o Círio passar. Como muitos promesseiros fazem o trajeto descalço, pessoas jogavam água no chão, para que aqueles que vinham na frente não queimassem os pés no asfalto, outras distribuíam água para os devotos beberem e se refrescarem, mel, fruta e outros alimentos. E, de mão em mão, as doações chegavam até aqueles que estavam firmes na corda.
Muitas dessas doações eram feitas por pessoas que fizeram promessas a Nossa Senhora de ajudar o próximo durante o Círio.
A devota de Nossa Senhora de Nazaré Aline Oliveira Ribeiro contou à ACI Digital que começou como promesseira na corda depois de uma graça alcançada pela saúde de seu filho, que precisou ficar internado depois do nascimento. “Quando eu saí do hospital, a primeira coisa que eu fiz foi ir à basílica, pedir a graça, a bênção do meu filho e, se Nossa Senhora devolvesse meu filho são e salvo, com vida, eu seria devota durante todos os anos da minha vida”, disse. No dia seguinte, ela recebeu uma ligação informando que seu filho estava bem e podia ir para casa. “Aí, foi que eu virei promesseira de corda. Isso durou uns vinte e poucos anos”.
Em 2018, Aline sofreu “uma síndrome muito rara” e parou “de falar, de andar, de enxergar”. Ela ficou dois anos internada. Um ano e meio na UTI. “Os médicos chamaram minha família e falaram que eu não respondia mais aos tratamentos e que não adiantava fazer mais nada. Como eu sempre fui devota de Nossa Senhora, eles diziam ‘não, ela é uma mulher de muita fé’”, contou. Um dia, “quando eles levaram a imagem para mim e colocaram próximo ao meu corpo, eu despertei e comecei a querer água, água, água”, disse. Depois disso, “por impossibilidade de poder ir na corda do Círio, eu comecei pagando minha promessa doando água, me juntei com o grupo de amigos e a gente continuou, estamos aqui e nunca mais paramos”.
Mas, não foram apenas pessoas pagando promessas que ajudaram os outros promesseiros. Pessoas de outras religiões também se solidarizaram. Um grupo da Assembleia de Deus participou do projeto “Eu + Você = Jesus” e distribuiu água para os promesseiros, sob o lema “Água para quem tem sede”.
Jovens do Movimento Bandeirante ajudaram os promesseiros que chegavam de joelhos à basílica, dando apoio, suporte físico e colocando papelões no chão para amenizar o trajeto, com o projeto “Fé que não se rompe”. O movimento é, segundo seu site, “uma organização civil, beneficente, sem fins lucrativos, de educação não formal”, que “se compromete com a educação para a cidadania ativa de crianças, adolescentes e jovens”.
“Um dos nossos códigos mais fortes é o ajudar o próximo em todas as ocasiões. Então, a manifestação do nosso projeto ‘Fé que não se rompe’ não é nada mais do que isso, é a gente levando para a rua a ajuda aos que mais precisam, o que a gente chama de apoio aos romeiros, ajudar o próximo, completamente voluntário, sem escolher pessoas, apenas a gente indo lá e ajudando da melhor forma possível”, disse o bandeirante Ítalo Seixas, de 24 anos.
Ele contou que nunca tiveram “nenhum problema com bandeirantes que sejam evangélicos, ou espíritas, umbandistas, de outras religiões que se negassem a participar porque eles sabem que esse é um ato de fé, acima de tudo, não de religião, mas sim de fé”.
Para Ítalo, poder ajudar no Círio “é indescritível”. “O nosso pagamento é ver a felicidade no rosto do promesseiro quando ele alcança o seu objetivo que é chegar aqui na basílica”, disse.
A cidade vive o Círio
O Círio de Nazaré também contou com uma decoração especial, e não só da berlinda que leva a imagem da Virgem Maria. Pelo trajeto, as ruas estavam enfeitadas com portais. Casas, prédios, comércios foram decorados com flores, balões e a imagem de Nossa Senhora de Nazaré.
Em muitos prédios e comércios locais ou mesmo em palcos improvisados, bandas tocavam músicas em honra a Nossa Senhora. Com o canto, os artistas incentivavam a procissão. Em vários momentos, as pessoas pediam para “tocar uma música animada para ajudar a puxar a corda do Círio” e eram prontamente atendidas pelos músicos.
“O Círio de Nazaré é isso, é o Natal dos paraenses. Nós adoramos essa época”, disse a promesseira Gleiciane Pinheiro, 31 anos. Para ela, esse é um momento em que “Nossa Senhora toma conta dos nossos corações”.