Uma proposta para descentralizar a autoridade doutrinária na Igreja encontrou com grande resistência ontem (16) no Sínodo da Sinodalidade, disseram três participantes diferentes ao jornal National Catholic Register, da EWTN News.

Os delegados debatiam uma proposta no Instrumentum Laboris (documento de trabalho) do sínodo de reconhecer as conferências episcopais nacionais “como sujeitos eclesiais dotados de autoridade doutrinária, assumindo a diversidade sociocultural dentro da estrutura de uma Igreja multifacetada”.

Segundo fontes do sínodo, vários delegados de vários grupos linguísticos e origens geográficas disseram que a medida fragmentaria a unidade da Igreja e relativizaria a doutrina.

Um membro do sínodo descreveu o grau de resistência como “tremendo”.

“Uma maioria claramente se opõe. Esmagadoramente”, disse o delegado, ao falar sob condição de anonimato, dadas as rígidas regras de confidencialidade do sínodo.

Outro delegado disse ao Register que a oposição da assembleia à proposta foi a mais forte até agora na sessão do sínodo deste ano, que começou em 2 de outubro e termina em 27 de outubro.

Desde que o Instrumentum Laboris foi divulgado em julho, observadores teológicos e delegados sinodais disseram ao Register que veem a proposta de dar autoridade doutrinária às conferências episcopais como um dos tópicos mais críticos.

Descentralizar a autoridade doutrinária, ou decidir certas questões doutrinárias em nível local em vez de universalmente, tem sido visto como um passo fundamental para aqueles que buscam fazer mudanças drásticas na doutrina da Igreja.

A necessidade de autoridade descentralizada é defendida pelos defensores do Caminho Sinodal Alemão, que pressiona por mudanças na doutrina da Igreja sobre sexualidade e ordenação de mulheres.

A crítica à proposta do Instrumentum Laboris surgiu ontem (16), quando os cinco grupos linguísticos do sínodo apresentaram um resumo de suas discussões em pequenos grupos. Fontes disseram que a preocupação com a descentralização da autoridade doutrinária era mais destacada em um grupo de língua francesa e dois de língua inglesa, em comparação aos grupos de língua espanhola e italiana.

As críticas continuaram a surgir nas “intervenções livres”, ou discursos, feitos ontem (16) por membros individuais do sínodo a toda a assembleia.

Fontes disseram que delegados falaram sobre a necessidade de não cair no relativismo ao apresentar a fé a diferentes culturas, e de evitar qualquer coisa que possa prejudicar a unidade da fé. Delegados ressaltaram o fato de que o papado e o episcopado são de instituição divina, mas as conferências episcopais não.

A mídia católica alemã também falou sobre a reação, ao citar um delegado sinodal que disse: “Uma fé fragmentada também significa uma Igreja fragmentada!”

Como disse outro delegado ao Register, “a maioria das intervenções não foram na direção esperada”, referindo-se a um desejo percebido entre os organizadores do Sínodo da Sinodalidade de que a proposta fosse amplamente aceita.

Teólogo intervém

A resistência foi tão significativa que parece ter levado os organizadores do sínodo a tomar a atitude sem precedentes de ter um especialista em teologia no sínodo, o padre Gilles Routhier, fazendo uma apresentação improvisada depois do intervalo da manhã diante de toda a assembleia, ao tentar esclarecer a proposta e amenizar as preocupações.

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Um delegado disse que isso foi “altamente incomum” e que isso o “pegou de surpresa” porque os bispos e outros delegados do sínodo já haviam expressado suas opiniões sobre o assunto.

Delegados que falaram com o Register disseram que a apresentação do teólogo franco-canadense pareceu satisfazer alguns na assembleia, mas que eles ainda tinham suas preocupações.

Uma fonte do sínodo disse que o argumento do padre Routhier de que os concílios locais sempre tiveram autoridade doutrinária na tradição da Igreja levantou preocupações sobre por que, então, estender essa autoridade às conferências episcopais. Outro membro do sínodo disse estar preocupado que o padre Routhier parecia implicar que a autoridade doutrinária que uma conferência episcopal seria "baseada na hierarquia das verdades", possivelmente implicando que, embora alguns dogmas centrais fossem mantidos pela autoridade universal de doutrina da Igreja em Roma, as conferências locais seriam capazes de ensinar com autoridade em outras áreas.

Esse delegado disse esperar que os organizadores levem em conta a resistência à proposta ao redigir o documento final do sínodo. Se não, “então eu sentiria, honestamente, que estamos sendo manipulados por esses teólogos”.

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O documento final deve ser apresentado ao papa Francisco, que poderia consultá-lo ao emitir seu próprio documento de doutrina, ou até mesmo aceitar o texto como está, dando-lhe autoridade magistral.

Os debates do dia sobre a descentralização da autoridade doutrinária foram mencionados na entrevista coletiva diária do sínodo, com porta-vozes dizendo que apelos para evitar a fragmentação na Igreja surgiram na assembleia.

O tópico também foi abordado em um fórum teológico noturno sobre a relação entre as Igrejas locais e a Igreja universal, com o prefeito do dicastério para os Bispos, cardeal Robert Prevost, falando sobre a necessidade de distinguir entre que tipo de descentralização poderia ser permitida para a inculturação necessária e o que é essencial para a unidade da Igreja.

Preocupações crescentes sobre a descentralização

O tópico da unidade da doutrina da Igreja também parecia estar na mente dos delegados fora do salão sinodal nos dias que antecederam a discussão de ontem (16).

O bispo de Passau, Alemanha, dom Stefan Oster, crítico do Caminho Sinodal Alemão, disse ao Register na segunda-feira (14) que alguns em seu país buscam “regionalizar” a doutrina, especialmente sobre questões de gênero e moral sexual.

O bispo alemão disse que essas abordagens não consideram a “sacramentalidade da pessoa”, que convoca todos a “comunicar o amor de Deus ao mundo”, inclusive por meio do sinal de seus corpos criados.

“Se isso é verdade, então não pode ser verdade que na África se lide de uma maneira diferente com, por exemplo, essas questões sobre moral sexual. Não pode ser verdade”, disse dom Oster ao falar que pode haver diferenças apenas na abordagem pastoral, mas não na doutrina.

No dia seguinte, o arcebispo de Sydney, Austrália, dom Anthony Fisher, disse à EWTN News que a Igreja “não pode ensinar um catolicismo diferente em países diferentes”.

“Poderíamos, por exemplo, imaginar uma Igreja em que há ordenação de mulheres em alguns países, mas não em outros, ou você tem casamentos entre pessoas do mesmo sexo em alguns países, mas não em outros, ou você tem uma Cristologia Ariana em alguns países e uma Cristologia Nicena em outros?”, disse o arcebispo. “Como você pode imaginar, eu acho que não”.

O arcebispo de Utrecht, Holanda, dom Willem Jacobus cardeal Eijk, disse ontem (16) à revista teológica Communio, que buscar soluções regionais para questões controversas poderia prejudicar profundamente a Igreja.

“Se a unidade na proclamação for perdida”, disse o arcebispo holandês, “a Igreja perde sua credibilidade”.