22 de out de 2024 às 14:19
O papa são João Paulo II, que governou a Igreja de 1978 até sua morte em 2005, é uma das figuras mais importantes do século XX.
Nascido há mais de 100 anos, em 18 de maio de 1920, em Wadowice, Polônia, Karol Wojtyla, o futuro papa, suportou a perda da maior parte de sua família, estudou clandestinamente para o sacerdócio enquanto seu país estava sob o domínio nazista e ascendeu na hierarquia da Igreja, nunca deixando de encorajar seus compatriotas poloneses a manter a fé enquanto resistiam à opressão comunista.
Ele participou do concílio Vaticano II e, depois de ser eleito papa, tornou-se o papa que mais viajou e provavelmente a pessoa mais vista na história do mundo. Ele era um acadêmico de prestígio, mas também um homem de simplicidade e humildade.
O papa sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1981, creditou sua sobrevivência à intercessão de Nossa Senhora e perdoou o homem que o atacou
“Ele é o exemplo do fato de que uma vida inteiramente dedicada a Jesus Cristo e ao Evangelho é a vida humana mais emocionante possível”, disse o escritor americano George Weigel, biógrafo de são João Paulo II, à CNA, agência em inglês da EWTN News.
“Esse homem viveu uma vida de drama tão extraordinária que nenhum roteirista de Hollywood ousaria inventar tal enredo. Seria simplesmente considerado absurdo.”
Sua história de vida envolvente foi contada e recontada muitas vezes, inclusive no cinema. Mas você sabia que a história de vida de João Paulo II já foi tema de uma história em quadrinhos da Marvel?
Impressa em cores e apresentando visuais dramáticos e elegantes, a história em quadrinhos de 1982 narra a vida do papa, desde sua infância na Polônia até o atentado contra sua vida.
A Marvel, que a Disney comprou em uma aquisição multibilionária em 2009, é uma das maiores empresas de entretenimento do mundo, com personagens como o Homem de Ferro, o Homem-Aranha e o Capitão América.
Então, o que convenceu os executivos da Marvel a autorizar uma história em quadrinhos sobre o então recém-eleito papa?
'O Homem da Marvel no Japão'
Tudo começou com Gene Pelc — um nova-iorquino e representante da Marvel que vive no Japão.
Pelc — cuja mulher é japonesa — mudou-se para o Japão na década de 1970 para relatar à Marvel como a empresa de quadrinhos poderia adaptar seus produtos para o público japonês.
Pelc foi encarregado de licenciar o Homem-Aranha para ser exibido na televisão japonesa e obteve grande sucesso no que fez, ganhando o apelido de "Homem da Marvel no Japão".
Pelc disse à CNA que ele e sua família iam — e ainda vão — à missa no Franciscan Chapel Center, uma comunidade de padres de língua inglesa em Tóquio.
O Japão era então — e continua sendo hoje — um país pouco cristão, com os católicos representando menos da metade de 1% da população.
Um dia, o padre Campion Lally abordou Pelc no Franciscan Chapel Center com uma proposta incomum. O 800º aniversário do nascimento de são Francisco estava chegando em 1982, disse Lally — e se, para comemorar, a Marvel produzisse uma história em quadrinhos sobre a vida de são Francisco?
Pelc gostou da ideia e se perguntou se ela se tornaria popular entre os católicos nos EUA. Lally quis firmemente, no entanto, que o quadrinho fosse comercializado para não católicos também.
“A verdadeira razão pela qual quero que isso seja feito é para atingir um público que a Igreja normalmente não alcança”, disse o padre Lally, segundo Pelc.
“ 'Quero tirar São Francisco do bebedouro de pássaros' foi o comentário exato”, disse Pelc.
Pelc ligou para Stan Lee — um lendário editor de quadrinhos da Marvel — que aparentemente gostou da ideia. Mas quando Pelc apresentou a ideia aos chefes da Marvel, eles não foram tão favoráveis a ela no começo.
“Todos eles disseram: Gene, você está no Japão há muito tempo. Ninguém quer ouvir sobre isso. Eles querem ouvir sobre super-heróis”, diz Pelc sobre o que os executivos disseram a ele.
No entanto, Pelc conseguiu apelar à sensibilidade financeira dos executivos para ajudar em seu caso — a Paulist Press, editora católica sediada nos EUA, expressou interesse em comprar cerca de 250 mil cópias da história em quadrinhos depois de seu lançamento.
Nem é preciso dizer que a perspectiva de um mínimo de 250 mil cópias vendidas — quando se esperava que uma história em quadrinhos popular na época vendesse cerca de 150 mil cópias — foi o suficiente para convencer os executivos a aprovar o projeto.
O padre franciscano Roy Gasnick, diretor de comunicações baseado em Nova York, ajudou uma escritora da Marvel, Mary Jo Duffy, a escrever a história da vida de São Francisco para os quadrinhos. O padre Gasnik era, segundo relatos, um grande fã de quadrinhos.
Então os artistas da Marvel fizeram sua mágica e produziram a história em quadrinhos intitulada “Francis: Brother of the Universe” (Francisco: Irmão do Universo), que chegou às lojas em 1980.
Ajudado pela grande encomenda da Paulist Press, a história foi um sucesso, tanto de crítica quanto de público.
Um novo projeto
“O próximo passo era bastante óbvio para mim, sendo católico e polonês”, disse Pelc.
“O papa João Paulo II era extremamente popular no mundo na época; ele estava viajando muito mais do que os antigos papas faziam anteriormente. E ele estava realmente vindo para o Japão”.
São João Paulo II foi o primeiro papa a visitar o país. O papa chegou ao Japão em fevereiro de 1981 para uma recepção pequena, mas entusiasmada.
A visita do papa deu entusiasmo a Pelc, que ainda estava no auge do sucesso da história em quadrinhos de são Francisco. Ele começou a analisar a possibilidade de produzir outra história em quadrinhos com tema religioso para a Marvel.
Um amigo de Pelc o apresentou ao padre Mieczyslaw Malinski, que era amigo do papa na Polônia na Segunda Guerra Mundial. Malinski aparentemente consultou o próprio papa sobre o que ele pensava sobre a ideia de transformar sua história em uma história em quadrinhos.
Segundo Pelc, são João Paulo II apoiou a ideia, desde que o próprio Malinski trabalhasse com a equipe de quadrinhos no projeto.
Então, a equipe da Marvel estava pronta para correr mais uma vez. O primeiro passo? Pesquisa. Muita pesquisa.
A maior parte das informações veio de Malinski, mas a história ainda teve que ser adaptada para caber nos quadros e nos balões de fala.
Essa tarefa coube a Steven Grant, um jovem artista freelancer de histórias em quadrinhos que na época morava em Nova York e trabalhava para a Marvel. Ele ouviu falar que a Marvel produziu uma segunda história em quadrinhos com tema religioso, mas não pensou muito nisso — ele presumiu que Mary Jo Duffy também seria encarregada de escrever essa história em quadrinhos.
Em vez disso, o editor-chefe da Marvel chamou Grant em seu escritório e pediu que ele assumisse a tarefa de escrever a história em quadrinhos de João Paulo II.
“Eu me envolvi porque eu era dispensável na época”, disse Grant à CNA.
“Eu não era um dos artistas que eles particularmente queriam escrevendo o Quarteto Fantástico naquele mês”, disse Grant com uma risada. “E eles sabiam que eu era católico — essa era minha grande credencial.”
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Para Grant, trabalhar em uma história em quadrinhos sobre João Paulo II — que a equipe sempre chamou de "o livro do papa" — foi algo comum, no sentido de que o processo de escrita não foi muito diferente de outras histórias em quadrinhos, e extraordinário, já que o assunto não era apenas sobre uma pessoa viva, mas também sobre o líder de uma religião mundial com 1 bilhão de fiéis.
“Ninguém estava preocupado em ofendê-lo, mas havia muito espaço para ofender muitas pessoas se fizéssemos um trabalho ruim”, disse Grant.
Solavancos na estrada
O projeto enfrentou dois grandes obstáculos no ano anterior ao seu lançamento. O primeiro deles foi a tentativa de assassinato de John Paul em maio de 1981, enquanto a história estava sendo produzida.
Em vez de abandonar o projeto, a equipe da Marvel escreveu os eventos da tentativa de assassinato no próprio livro.
Além disso, a comunicação com Malinski seria mais difícil do que a equipe da Marvel esperava.
Em 13 de dezembro de 1981, o general Wojciech Jaruzelski apareceu em aparelhos de televisão por toda a Polônia. Em uma mensagem de vídeo repetida várias vezes, o general declarou lei marcial no país e ordenou que as tropas reprimissem o movimento Solidariedade, um sindicato guiado por princípios católicos que se opunha ao comunismo.
Muitos trabalhadores em greve do Solidariedade morreriam nos próximos dias quando tropas polonesas atiraram contra grupos deles.
Depois da visita de João Paulo II à Polônia, sua terra natal em 1979, levaria mais uma década até que o Partido da Solidariedade na Polônia, com o incentivo do papa, finalmente obtivesse a maioria no parlamento do país e, em grande parte pacificamente, o país se livrasse das amarras do comunismo.
Para piorar a situação, a turbulência na Polônia estava acontecendo em meio ao cronograma de produção da história em quadrinhos, e a equipe da Marvel precisava das ideias de Malinski para escrevê-la.
Os comunistas restringiram muitas das comunicações que entravam e saíam da Polônia nesse período. Pelc disse se lembrar de receber comunicações contrabandeadas de Malinski, que ele levou para seu pai em Nova York para que traduzisse do polonês para o inglês.
Além das contribuições de Malinski, Grant disse que ele se dedicou e leu o máximo que pôde sobre a vida do papa.
“Foi um pouco antes da internet”, disse Grant, rindo.
“Achei que qualquer coisa que eu encontrasse com três ou quatro referências provavelmente seria precisa.”
Sua pesquisa total durou cerca de dois meses, disse Grant, mas o processo de escrita em si durou apenas algumas semanas, estimulado pelos cronogramas apertados de produção da Marvel.
Legado
Finalmente, em 1982, o gibi chegou às prateleiras. Graças em grande parte às agências católicas que compraram a edição, algo em torno de 1 milhão de cópias foram distribuídas pelo mundo.
Para um jovem artista de histórias em quadrinhos, foi uma grande dádiva. Grant disse que conseguiu pagar seus empréstimos estudantis quando recebeu os royalties do quadrinho no ano seguinte.
Então, o próprio papa teve a chance de se ver como um herói da Marvel?
Segundo Pelc, isso aconteceu. Um executivo da Marvel voou para Roma e presenteou o papa com uma edição encadernada em couro.
O sucesso das duas primeiras histórias em quadrinhos com temática religiosa levou a uma terceira, dessa vez sobre uma futura santa — e amiga de são João Paulo II — madre Teresa de Calcutá.
Embora Pelc não tenha conseguido ajudar com esse projeto, essa história em quadrinhos foi bem-sucedida, embora tenha sido o último dos principais quadrinhos com temática religiosa que a Marvel produziu. Essa história em quadrinhos ganhou um prêmio da Catholic Press Association em 1984.
Nas quatro décadas desde o lançamento da história em quadrinhos de João Paulo II, vários membros da equipe que trabalhou nela, incluindo o artista que criou os desenhos, morreram.
Pelc e Grant seguiram caminhos separados. Quando a CNA entrou em contato com ele em 2020, Grant ainda escrevia histórias em quadrinhos como freelancer e disse que ainda escrevia para a Marvel “de vez em quando”.
Embora o "livro do papa" continue sendo apenas um em meio às centenas de projetos nos quais Grant trabalhou ao longo dos anos, ele disse se lembrar de entrar em sua lavanderia local em Nova York alguns meses depois do lançamento da história em quadrinhos e ficar surpreso ao ver a capa do quadrinho emoldurada e pendurada em uma parede.
Embora Grant nunca tenha contado aos donos da lavanderia — claramente católicos devotos — que ele era o autor do quadrinho, ele disse que sentia orgulho por eles o valorizarem tanto.
Pelc, em 2020, ainda mora no Japão e é dono de uma empresa que vende produtos para artistas musicais. Ele disse ainda responder até hoje — principalmente a paroquianos no Franciscan Chapel Center — sobre as histórias em quadrinhos religiosas da Marvel.
Pelc disse acreditar ser improvável que uma empresa como a Marvel produzisse algo assim novamente, mas que estava feliz que, por meio do "livro do papa", ele, Grant e toda a equipe conseguiram contar uma boa história em um mundo inundado de histórias ruins.
“Aquele homem merecia ser conhecido por mais do que apenas pessoas que vão à igreja. Ele era um papa comum, e eu, sendo polonês, o amava”, disse Pelc.