O papa Francisco publicou hoje (24) a encíclica Dilexit Nos  (“Ele nos amou”), na qual pede uma compreensão renovada da devoção ao Sagrado Coração na era moderna e seus muitos desafios urgentes.

No documento, o papa diz que a espiritualidade do Sagrado Coração dá uma resposta vital ao que ele chama de “sociedade líquida” dominada pela tecnologia e pelo consumismo.

“É necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência”, escreve o papa Francisco.

Com o subtítulo “Carta sobre o Amor Humano e Divino do Coração de Jesus”, o documento é a primeira encíclica papal dedicada inteiramente ao Sagrado Coração desde a Haurietis aquas , publicada pelo papa Pio XII em 1956.

Ao longo do documento, Francisco entrelaça elementos tradicionais da devoção ao Sagrado Coração com preocupações contemporâneas, ao apresentar o coração de Cristo como o princípio unificador da realidade em um mundo fragmentado.

A divulgação do documento cumpre um anúncio feito pelo papa em junho, quando Francisco disse que meditar sobre o amor do Senhor pode “ iluminar o caminho da renovação eclesial” e também dizer “algo de significativo a um mundo que parece ter perdido o coração”.

 

 

 

Na entrevista coletiva em que a nova encíclica  do papa Francisco foi apresentada hoje (24), o arcebispo de Chieti-Vasto, Itália, dom Bruno Forte, disse que a encíclica expressa “de forma profunda o coração e o motivo inspirador de todo o ministério e magistério do papa Francisco”.

O teólogo diz também que, em sua opinião, o texto é “a chave para entender o magistério deste papa”.

Dom Forte, membro do Dicastério para a Doutrina da Fé, apresentou a encíclica junto com a irmã Antonella Fraccaro, superiora-geral dos Discípulos do Evangelho (Discepole del Vangelo).

Das Escrituras à IA: Por dentro da visão do papa

A encíclica, que tem cerca de 30 mil palavras, cita generosamente as Escrituras e revelações de santa Teresa de Lisieux, são Francisco de Sales e são Carlos de Foucauld.

Lançado no momento em que o Sínodo da Sinodalidade conclui sua reunião de um mês em Roma, o documento fala tanto sobre a espiritualidade pessoal quanto sobre o compromisso missionário comunitário.

Francisco desenvolve sua visão em cinco capítulos, ao começar com uma exploração filosófica e teológica da “importância do coração” antes de passar por reflexões sobre as ações e palavras de amor de Cristo, o significado teológico da devoção ao Sagrado Coração, sua dinâmica espiritual e implicações sociais.

Papa Francisco fala sobre a era da tecnologia

“O algoritmo que atua no mundo digital mostra que os nossos pensamentos e as decisões da nossa vontade são muito mais standard do que pensávamos”, escreve Francisco. Para ele, as soluções tecnológicas por si só não podem atender às necessidades mais profundas do coração humano.

O papa diz que o significado da palavra “coração” não é suficientemente captado pela biologia, psicologia, antropologia ou qualquer outra ciência.

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“Na era da inteligência artificial, não podemos esquecer que a poesia e o amor são necessários para salvar o humano”, escreve Francisco. “O que nenhum algoritmo conseguirá abarcar é, por exemplo, aquele momento de infância que se recorda com ternura e que continua a acontecer em todos os cantos do planeta, mesmo com o passar dos anos”.

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O papa diz que a devoção ao Sagrado Coração não é meramente uma prática espiritual privada, mas tem profundas implicações para a vida social e as relações humanas.

“O mundo pode mudar a partir do coração”, escreve Francisco, ao conectar a transformação individual com uma renovação social mais ampla.

Doutrinas sobre o Sagrado Coração de Pio XII a Francisco

A encíclica se baseia em séculos de devoção católica ao Sagrado Coração, ao mesmo tempo em que dá novas interpretações para os desafios modernos. Francisco cita extensivamente doutrinas papais anteriores, particularmente do papa são João Paulo II.

“A devoção ao Sagrado Coração, tal como se desenvolveu na Europa há dois séculos, sob o impulso das experiências místicas de Santa Margarida Maria Alacoque, foi uma resposta ao rigor jansenista, que acabou por desconsiderar a infinita misericórdia de Deus”, escreveu são João Paulo II. “Os homens e as mulheres do terceiro milênio precisam do coração de Cristo para conhecer a Deus e para se conhecerem; precisam dele para construir a civilização do amor.”

Heidegger, arrepios e o coração

Em um desenvolvimento teológico e filosófico significativo, a encíclica se envolve profundamente com o pensamento moderno, particularmente por meio de sua discussão sobre a compreensão do filósofo alemão Martin Heidegger sobre as emoções e o entendimento humano

O papa cita a percepção de Heidegger de que “a filosofia não começa com um conceito puro ou uma certeza, mas com uma comoção”, pois “sem a comoção, o pensamento não pode começar. A primeira imagem mental seria a pele arrepiada”.

Para Francisco, é aqui que entra o coração, que “ouve não-metaforicamente a ‘voz silenciosa’ do ser ao se deixar afinar e determinar por ela”.

'Uma Nova Civilização do Amor': O Caminho a Seguir

Assim como o coração pode “unificar e harmonizar a própria história pessoal, que parece fragmentada em mil pedaços”, escreve o papa,  ele é o lugar no qual “tudo pode adquirir sentido”.

“É isso que o Evangelho exprime no olhar de Maria, que olhava com o coração”.

O documento pede uma renovação das práticas tradicionais do Sagrado Coração com base nesse entendimento, ao mesmo tempo que fala sobre sua relevância contemporânea.

“Só a partir do coração é que as nossas comunidades serão capazes de unir e pacificar os diferentes intelectos e vontades, para que o Espírito nos possa guiar como uma rede de irmãos, porque a pacificação é também uma tarefa do coração. O Coração de Cristo é êxtase, é saída, é dom, é encontro”.

O papa conclui ao conectar essa visão espiritual à missão mais ampla da Igreja no mundo moderno, ao pedir o que Francisco — seguindo são João Paulo II — chama de “civilização do amor” construída sobre o fundamento do amor de Cristo.

Essa visão também se conecta diretamente às encíclicas sociais anteriores do papa Francisco, Laudato Si' e Fratelli Tutti , que apresentam o amor de Cristo como a base para enfrentar e resolver os desafios contemporâneos.

Hannah Brockhaus colaborou nessa matéria.