25 de out de 2024 às 09:58
O papa Francisco, cardeais e outros líderes da Igreja falaram do padre dominicano peruano Gustavo Gutiérrez Merino, um dos criadores e o homem que deu o nome à Teologia da Libertação, morto na terça-feira (22) aos 96 anos.
“Hoje penso em Gustavo Gutiérrez, um grande homem, um homem de Igreja que soube calar quando devia calar, soube sofrer quando teve que sofrer, soube levar adiante tantos frutos apostólicos e tanta teologia rica”, disse o papa Francisco em vídeo publicado ontem (24) pela arquidiocese de Lima, Peru. “Penso em Gustavo. Vamos todos rezar por ele juntos. Que descanse em paz”.
“Gustavo Gutiérrez é um dos grandes teólogos do nosso século. Já conhecia a sua principal obra, que lhe valeu com razão o título de ‘pai da teologia da libertação’, quando o conheci pessoalmente em 1988, em Lima, no Instituto Bartolomé de Las Casas”, disse o cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, atual dicastério para a Doutrina da Fé, ao jornal National Catholic Register, da EWTN.
Para Müller, “a teologia da libertação no verdadeiro sentido da palavra não é uma teologia de inspiração marxista no sentido do progressismo ideológico, mas antes levanta a questão de como podemos falar do amor de Deus face à miséria deste mundo. O próprio Deus fez uma opção pelos pobres em Cristo”.
O cardeal disse também que Gutiérrez, autor de Teologia da Libertação: Perspectivas (1971), “ficará na história como um dos grandes teólogos e com a sua humildade e espiritualidade sóbria mas profunda e permanecerá presente na memória da Igreja com o seu pensamento, mas também com sua intercessão a Deus e a seu filho Jesus Cristo, de quem foi um servo fiel na terra”.
John Cavadini, teólogo da Universidade de Notre Dame, EUA, que chefiava o departamento de teologia quando Gustavo Gutiérrez foi contratado em 1999, disse: “Ao contrário de alguns teólogos da libertação, o padre Gustavo se preocupava em permanecer dentro dos limites da fé católica ortodoxa e da disciplina eclesial”.
“Como resultado, ampliou a sensibilidade eclesiástica de uma forma que afetou permanentemente, pode-se dizer que desenvolveu, a doutrina social católica e, mais que isso, seus pressupostos teológicos”, diz o teólogo ao National Catholic Register.
Em sua opinião, a opção de Gutiérrez pelos pobres era “a rigor, uma doutrina teológica, não uma doutrina sociopolítica, embora, claro, tivesse ramificações sociopolíticas”.
“O que Deus prefere? As preferências de Deus são iguais às nossas? Você também prefere status social elevado, riqueza e influência política como indicadores de dignidade e valor? Ou você prefere o ser humano como tal, reduzido apenas a si mesmo, sem essas coisas?”, diz Cavadini.
O padre James Martin, jesuíta americano fundador do apostolado pró-LGBT Outreach, falou sobre o “grande Gustavo Gutiérrez” como “uma figura de destaque na vida da Igreja na era moderna” e disse desejar que ele “descanse em paz".
O arcebispo de Lima, Peru, dom Carlos Castillo, futuro cardeal, disse em vídeo: “No dia em que celebramos a canonização de João Paulo II, papa evangelizador e verdadeiro pastor, também tivemos dor e alegria, tendo vivido tantos anos com o padre Gustavo Gutiérrez, que agora passou a viver no Reino do Pai”.
Receba as principais de ACI Digital por WhatsApp e Telegram
Está cada vez mais difícil ver notícias católicas nas redes sociais. Inscreva-se hoje mesmo em nossos canais gratuitos:
Dom Castillo disse também que Gustavo Gutiérrez “foi um defensor incansável da opção preferencial pelos pobres, frase que ele cunhou e que foi integrada no magistério da Igreja como caminho fundamental para viver a nossa fé”. A expressão “opção preferencial pelos pobres” foi cunhada em 1968 na assembleia do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) em Medelllín, Colômbia.
O arcebispo emérito de Huancayo, Peru, o cardeal jesuíta Pedro Barreto, falou ao Vatican News, serviço de informações da Santa Sé, sobre um encontro que teve com Gutiérrez há alguns meses.
“Ele me disse que havia vivido momentos difíceis e estou muito consciente disso, mas ele estava muito em paz e com muita esperança", disse dom Barreto.
O cardeal disse que no encontro, num gesto espontâneo, entregou a Gutiérrez a sua cruz peitoral, apanágio dos bispos. Foi uma “expressão daquilo que ele, por fidelidade à Igreja, sofreu interiormente: viveu a paixão de Cristo na Igreja com esses insultos, essas negações que alguns setores da Igreja e fora dela fizeram”.
Uma nota divulgada pela ADN Celam, órgão de informação do CELAM, diz que “Gustavo Gutiérrez Merino foi criticado por seu claro distanciamento da ortodoxia, o que lhe rendeu uma associação direta com o marxismo”.
“A eleição do Papa João Paulo II em 1978, a sua origem polonesa e o amplo conhecimento da notável ameaça soviética, bem como a eleição de Ronald Reagan como presidente dos EUA em 1980, foram acontecimentos que marcaram essa luta e estigmatização contra a teologia da libertação e as vozes de seus maiores representantes”, diz o texto. “Em 2004, a Santa Sé concluiu o que chamou de processo de esclarecimento sobre os pontos que considerou problemáticos em algumas obras do teólogo peruano”.
A ADN Celam diz que em 2015, num evento organizado pela Universidade Fordham, Gustavo Gutiérrez disse que “a teologia da libertação (…) é contra o marxismo porque para Marx o cristianismo era opressão e o trabalho da minha vida está comprometido com a ideia de que o cristianismo é libertação”.
O ex-frade franciscano brasileiro Leonardo Boff, um dos principais representantes da teologia da libertação no Brasil, escreveu em publicação na rede social Instagram na quarta-feira (23) que Gutiérrez “era um entranhável amigo com o qual juntos colaboramos para fazer uma teologia adequada à situação da América Latina que é feita de injustiças sociais e de pobreza aviltante”.
Boff diz também que, como outros teólogos da libertação, Gutiérrez “sofreu incompreensões e perseguições com a acusação de que seria uma teologia marxista”.
“Essa acusação é vazia e sempre foi feita contra todos que colocam a situação dos pobres como vítimas de uma sociedade de injustiças que demanda uma transformação”, disse Boff. “Daí a libertação a partir da fé. O Papa Francisco o recebeu em Roma como gesto de desculpa pelos padecimentos que teve. Viveu com claros sinais de santidade”.