8 de nov de 2024 às 14:26
Uma das críticas à assembleia final do Sínodo da Sinodalidade foi que, apesar da sua ênfase frequente na escuta e no diálogo, várias vozes relevantes e importantes não foram ouvidas.
Em sua avaliação final do sínodo, o escritor americano George Weigel identificou algumas dessas vozes como casais felizes, educadores católicos que resistem à atual cultura “woke” e profissionais de saúde que vivem uma cultura da vida.
Mas outro grupo que se destacou por sua ausência foram os fiéis que valorizam a liturgia tradicional e a tradição apostólica, um grupo pequeno, mas próspero tanto em termos de vocações como de frequência na Igreja, mas que é atualmente sujeito a extensas restrições da Santa Sé desde o motu proprio Traditionis custodes, publicado pelo papa Francisco em 2021.
Nas fases de consulta global do sínodo de 2021 a 2024, grupos tradicionais como a Sociedade Latina de Missas da Grã-Bretanha (LMS, na sigla em inglês) e a Federação Internacional Una Voce (FIUV) encorajaram os seus membros a enviar contribuições, e muitos responderam ao divulgar seus pontos de vista como parte do processo sinodal.
As contribuições escritas, principalmente da Europa e dos EUA, foram incorporadas aos relatórios sinodais na fase continental, que se estendeu do fim de 2022 a março do ano passado, e continuaram a ser registradas pelos bispos nos relatórios de síntese posteriormente divulgados.
Ao escrever (link em inglês) no jornal Gregorius Magnus, da FIUV, o presidente da LMS, Joseph Shaw, disse que algumas conferências episcopais, como as de Malta, Itália, França e Austrália, tendiam a ignorá-los completamente. Mas nas dioceses e nos países onde a missa tradicional estava bem estabelecida, os relatórios de síntese diocesanos e nacionais tendiam a “reconhecer a existência de católicos ligados a ela e a relatar o seu ponto de vista”.
Eles foram frequentemente mencionados no contexto do desejo de uma liturgia mais reverente, da preocupação com as divisões e de um sentimento de exclusão e marginalização entre as pessoas ligadas ao rito antigo.
Mas à medida que o sínodo avançava, essas contribuições não chegaram aos debates da assembleia nem ao documento final.
“Eles foram, de certa forma, descartados”, disse Shaw ao National Catholic Register, ao dizer que eram “como sementes que caíram entre espinhos”.
Os apelos diretos aos organizadores do sínodo também não foram ouvidos.
Em abril deste ano, Jean-Pierre Maugendre, que dirige o grupo tradicional francês Renaissance Catholique (Renascimento Católico), enviou (link em francês) um apelo à secretaria do sínodo para a plena liberdade da missa tradicional porque queria que todo o mundo tradicional participasse no sínodo, mas o Register soube que Maugendre não recebeu resposta, nem mesmo um reconhecimento.
Noah Peters, fundador e presidente da Arlington Latin Mass Society (Sociedade da Missa em Latim de Arlington), no Estado da Virgínia, EUA, disse ao Register que “desde o seu início até ao seu documento final, o Sínodo da Sinodalidade se recusou a reconhecer ou agir de acordo com as contribuições que recebeu dos católicos tradicionais, tanto religiosos como leigos”.
Peters disse que isso aconteceu apesar dos católicos tradicionais apresentarem “opiniões bem ponderadas” que destacavam como a missa tradicional em latim “deu origem a uma fonte de vocações, conversões e reversões, e que as restrições foram prejudiciais e cruéis”. Mas Peters disse também que “ficou claro desde o início que os líderes do sínodo não estavam interessados em ouvir ou agir de acordo com estas opiniões”.
A discrepância se tornou evidente quando os participantes do sínodo discutiram a questão das vocações e a escassez de sacerdotes no Ocidente.
As comunidades católicas tradicionais têm sido descritas como o único grupo demográfico católico em crescimento no mundo ocidental, com grupos como a tradicional Fraternidade Sacerdotal de São Pedro (FSSP) registrando um número recorde de vocações em 2023 e um crescimento significativo no número de membros em geral. De um modo mais geral, a frequência às liturgias tradicionais tem aumentado e o número de peregrinos que participa em eventos como a tradicional peregrinação anual a Chartres, França, tem batido recordes.
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Um padre tradicional nos EUA disse ao Register, sob condição de anonimato devido às restrições ao rito antigo, que as comunidades tradicionais estão sendo “inundadas com consultas vocacionais e lutam para acomodar aqueles que aspiram se juntar às suas fileiras”.
O padre disse que muitas dessas vocações emergentes não há muito tempo teriam se aproximado da sua diocese local, mas que desde Traditionis custodes, sentem que “já não podem confiar o seu discernimento vocacional àqueles que efetivamente cancelaram as concepções tradicionais do que significa ser católico”.
O documento final do sínodo reconheceu a crise das vocações, mas apresentou outras soluções além da valorização da liturgia tradicional, como “ampliar e estabilizar” os ministérios leigos.
A questão também foi levantada em algumas entrevistas coletivas. O bispo de Essen, Alemanha, o cardeal Franz-Josef Overbeck, disse em 22 de outubro que “até agora não encontramos uma resposta para a falta de padres” e sugeriu ser necessário encontrar “uma nova resposta em relação às mulheres na Igreja”, incluindo a instituição oficial de mulheres pregadoras.
O arcebispo de Luxemburgo, cardeal Jean-Claude Hollerich, também falou sobre o problema da falta de padres em seu país profundamente secular. O cardeal disse aos jornalistas que, para combater isso, sua arquidiocese combinou paróquias, não só por causa da falta de padres, mas também por causa da “falta de fiéis”. A liturgia tradicional não foi mencionada como uma solução possível.
O abade Claude Barthe, autor especialista em liturgia tradicional e sacerdote da diocese de Fréjus-Toulon, França, disse ao Register que “ninguém no sínodo, nem mesmo os bispos que conhecem bem o mundo tradicional, como o bispo Matthieu Rougé de Nanterre, mencionou o aproveitamento das possibilidades do mundo tradicional em que há um número significativo de vocações”.
Respondendo ao Register no final do sínodo sobre por que os católicos tradicionais e as suas opiniões sobre as vocações e outras questões não foram consideradas nas fases finais do processo, o cardeal Hollerich disse: “Tenho pessoas que celebram a missa no rito antigo e sou amigo deles. Posso imaginar que num mundo pós-moderno eles se sintam atraídos por isso; não condeno isso”.
Ao ser pressionado sobre a questão, o cardeal disse que o catolicismo tradicional “não era um tema de discussão”, acrescentando: “Não estávamos contra eles; não éramos para eles.”
Respondendo sobre como essa abordagem pode ser chamada de sinodal quando deveria incluir ouvir todos os pontos de vista, dom Hollerich disse: “Discutimos coisas trazidas do povo de Deus, e essas pessoas não nos escreveram”.
Fora da sala de imprensa, o cardeal disse estar “muito cansado” ao ser abordado novamente sobre o assunto antes de entrar em uma sala para ser entrevistado por mídias da Santa Sé. Dom Hollerich se recusou novamente a responder ao perguntarem a ele se poderia dizer por que o catolicismo tradicional não foi incluído, dizendo que precisava ver jovens que o aguardavam.
O arcebispo de Bamenda, Camarões, dom Andrew Nkea, que fez parte do conselho ordinário da secretária-geral do sínodo que supervisionou o funcionamento do processo de 2021 a 2024, disse ao Register no final do sínodo que o catolicismo tradicional foi omitido e que isso se deve a Traditionis custodes. “Não íamos discutir o [motu proprio] do papa no sínodo”, disse.
Para o abade Barthe, a exclusão do Sínodo da Sinodalidade foi “obviamente ideológica”. O abade citou “outras áreas em que as 'receitas' tradicionalistas funcionam”, como “a frequência às missas, os movimentos juvenis e o ensino do Catecismo”.
Peters disse que embora o documento final “possa não ter sido tão mau como se temia, o processo tendencioso infelizmente não refletiu as vozes dos leigos e religiosos católicos que falaram em grande número a favor da liturgia tradicional e do magistério imutável da Igreja”.
“É mais evidente do que nunca que Traditionis custodes discorda totalmente do conceito de uma Igreja sinodal”, disse Peters. Mas, disse também estar “confiante de que os futuros sínodos não serão capazes de escapar à deliberação imparcial e orante necessária durante estes tempos difíceis para a Igreja”.
Membros do secretariado do sínodo também foram contatados para este artigo, mas não responderam até o momento desta publicação.