As recentes tentativas de emendar a Lei do Estatuto Pessoal do Iraque, o código legal relativo à vida familiar, não teriam "resultados positivos", de acordo com a doutora Muna Yaqo, presidente da Comissão Independente de Direitos Humanos no Curdistão.

As emendas propostas dizem respeito a questões como a idade mínima para o casamento para mulheres, registro de casamentos em tribunais, direitos de divórcio e guarda dos filhos.

“A emenda priva as mulheres de seus direitos, como pensão”, disse Yaqo à ACI MENA, agência de notícias da EWTN em árabe. “Por exemplo, qualquer esposa cujo marido não obtém prazer físico dela, seja por doença ou velhice, tem sua pensão negada. Esta é uma grave injustiça de direitos humanos”.

Não é a primeira vez que tentativas são feitas para emendar a Lei do Estatuto Pessoal. As primeiras tentativas datam de 2003, quando um decreto revogou a lei e adotou a Sharia, a lei islâmica. A decisão foi revogada mais tarde.

Yaqo, especialista em direito internacional e temas relacionados às minorias, esclareceu que a emenda proposta não diz respeito diretamente aos cristãos, observando que “o primeiro artigo especifica seu escopo de aplicação para os muçulmanos, concedendo aos iraquianos o direito de escolher entre as doutrinas sunitas e xiitas ao contrair casamento”. No entanto, ela disse: "Como iraquiana, é desanimador discutir uma lei que permite casamentos de menores em 2024".

Doutora Muna Yaqo, presidente da Comissão Independente de Direitos Humanos na Região do Curdistão e especialista em direito internacional e questões de minorias. Creditos: Doutora Muna Yaqo.
Doutora Muna Yaqo, presidente da Comissão Independente de Direitos Humanos na Região do Curdistão e especialista em direito internacional e questões de minorias. Creditos: Doutora Muna Yaqo.

Um apelo por uma Lei do Estatuto Pessoal específica para cristãos

Como cristã, Yaqo vê uma oportunidade na emenda proposta.

"Se aprovada, ela fortaleceria o caso para apresentar um projeto de Lei do Estatuto Pessoal específico para cristãos". Ela pediu que as igrejas do Iraque chegassem a um consenso sobre temas como casamento, divórcio e herança para preparar um projeto de lei unificado.

No entanto, Yaqo manifestou grande preocupação com a mera tentativa de alterar a lei.

“O Iraque é parte da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e da Convenção sobre os Direitos da Criança há décadas. A promulgação de uma lei que viola esses tratados criaria uma contradição gritante na posição oficial do Iraque. Se o Parlamento insistir em aprovar a emenda, o Iraque passará pelo constrangimento de ser um país que não honra seus compromissos internacionais”, disse Yaqo. “Ao assinar a Convenção sobre os Direitos da Criança, o Iraque se comprometeu a priorizar o bem-estar das crianças, concentrando-se na educação e na saúde, não no casamento de menores”.

Um retrocesso nos direitos das mulheres

Yaqo disse que a emenda proposta é um retrocesso nos direitos das mulheres, minando a dignidade protegida pela Lei do Estatuto Pessoal nº 188 de 1959 do Iraque. “Este é um retrocesso significativo”, disse ela. “Em vez de progredir, estamos regredindo. Legalmente, o casamento é um contrato consensual entre dois adultos competentes. Como uma menina de 9 anos pode ser considerada capaz de celebrar tal contrato?”

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Ela ainda fez referência a fontes jurisprudenciais. “A escola Ja’fari não só permite o casamento de meninas de 9 anos, mas também permite noivados infantis e certas práticas sexuais com menores, como carícias”, disse ela.

Desafios e contradições constitucionais

Yaqo falou das complexas circunstâncias políticas sob as quais a constituição do Iraque foi elaborada.

“Infelizmente, os compromissos resultaram no Artigo 41 da Constituição Iraquiana, que afirma: ‘Os iraquianos são livres para aderir às suas leis de estatuto pessoal de acordo com suas religiões, seitas, crenças ou escolhas, a serem regulamentadas por lei.’”

Ela também observou que o Artigo 2 da Constituição exige que as leis se alinhem aos princípios imutáveis ​​do Islã. No entanto, como não há consenso entre seitas sunitas e xiitas em temas como casamento e divórcio, a Decisão nº 147 de 2023 da Suprema Corte Federal — que define os princípios islâmicos como aqueles acordados unanimemente em todas as seitas — torna a confiança no Artigo 2 inaplicável.

Yaqo argumentou que a recente proposta de emenda foi elaborada de forma inteligente ao focar em apenas dois artigos. No entanto, a modificação desses artigos desmantelaria efetivamente toda a Lei do Estatuto Pessoal, substituindo-a por jurisprudência baseada em seitas.

A Lei do Estatuto Pessoal do Iraque é considerada uma das mais progressistas da região. Yaqo elogiou o reconhecimento da Suprema Corte Federal de que o Artigo 41 requer emendas, afirmando: "Isso significa que ele não pode servir de base para emendar a Lei do Estatuto Pessoal, pois nenhuma lei pode ser emitida sem uma base constitucional."

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Uma lei civil unificada: A visão do Patriarca Sako

O patriarca caldeu Louis Raphael Sako também falou das emendas propostas. Em uma entrevista anterior a um canal de TV iraquiano, ele reiterou seu apelo por uma lei civil unificada aplicável a todos os cidadãos, independentemente da religião - semelhante às práticas das nações avançadas.

“A realidade de hoje é diferente da de décadas atrás”, disse ele. “As mulheres agora desempenham papéis de liderança e ocupam altos cargos na sociedade.”

Ele chamou a atenção para os ensinamentos bíblicos que afirmam igualdade e complementaridade entre homens e mulheres, acrescentando: "No cristianismo, as leis de herança são iguais para homens e mulheres. Não consideramos as mulheres deficientes em razão ou fé."

Ele também disse que as igrejas iraquianas não permitem o casamento com menos de 18 anos.

Em relação ao divórcio, o patriarca disse que no cristianismo, o casamento não é um contrato, mas uma aliança eterna. Exceções se aplicam apenas quando um casamento é considerado nulo devido a "fundamentos impróprios".