8 de jan de 2025 às 16:09
O encolhimento da Igreja na França parece ter relativamente poupado a vida monástica. Melhor ainda, o país parece estar vendo um retorno gradual de monges-construtores, a ponto de reviver memórias nostálgicas dos dias do rei são Luís IX (1214-1270).
A abadia beneditina de Sainte-Marie de la Garde, comunidade filha de Sainte-Madeleine du Barroux na diocese de Agen, no sudoeste da França, embarcou num vasto e audacioso projeto de ampliação.
A iniciativa dos monges beneditinos é um esforço de reconstrução civilizacional, seguindo um modelo arquitetônico clássico de inspiração românica e cluniacense, destinado a resistir ao teste do tempo.
A primeira fase do chamado Projeto Grande Esperança, lançado em maio de 2023, inclui a construção de um claustro, campanário e alojamentos para os monges. Depois virá a construção de uma igreja e uma cripta abaciais, um complexo hoteleiro, uma sala de conferências e uma enfermaria. O projeto implica em um grande desafio financeiro.
Cresce o número de fiéis e vocações
Ao contrário de muitas comunidades no resto da Europa, os monges de Le Barroux e sua comunidade afiliada de Sainte-Marie de la Garde parecem resistir à tempestade da descristianização do continente.
Em 2001, o número crescente de monges na abadia de Le Barroux (na região de Var, no sudeste da França) levou parte da comunidade a se mudar para a diocese de Agen para acomodar novas vocações e o número crescente de fiéis.
Fundada em 1970 por dom Gérard Calvet, a abadia de Saint-Madeleine du Barroux celebra a missa tradicional em latim anterior à reforma do Concílio Vaticano II. Os serviços litúrgicos, cantados inteiramente em canto gregoriano, foram recentemente postos à disposição do público por meio do aplicativo Neumz.
“Éramos cerca de 65 em Le Barroux na época, e assim como quando as abelhas em uma colmeia são muito numerosas, e a rainha voa para fundar uma nova colmeia, oito irmãos foram enviados para estabelecer uma nova fundação em outro lugar”, disse o irmão Ambroise, prior da comunidade de Saint-Marie de la Garde, ao jornal National Catholic Register, da EWTN.
Para ele, a mudança foi providencial, já que o bispo de Agen na época, dom Jean-Charles Descubes, estava ansioso para ter uma comunidade contemplativa na diocese e fez tudo o ao seu alcance para facilitar a vinda dos monges. Sem nenhuma abadia ou priorado antigo disponível na região, os irmãos tiveram que adquirir uma propriedade, restaurar as instalações que já existiam, e transformar um velho redil de ovelhas em capela.
O priorado se tornou uma abadia em 2021, com a eleição do primeiro abade, dom Marc Guillot.
A estrutura, que até agora pode acomodar entre 20 e 25 monges, em breve ficará pequena, pois a comunidade já conta com 19 membros, com idade média de 47 anos, e uma ou duas vocações por ano.
“Mas nossa primeira prioridade é acolher os fiéis na missa, pois a capela comportar um pouco menos de cem pessoas, o que é insuficiente aos domingos e dias festivos, especialmente nos meses de verão, quando somos obrigados a instalar uma tela do lado de fora para que todos possam acompanhar”, disse o irmão Ambroise. “Sabíamos desde o início que um dia teríamos que construir nossa própria abadia, mas não víamos isso como um obstáculo”.
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Mais de € 5 milhões necessários até o final de 2027
As obras, que começaram em maio de 2023, atualmente lidam com as três alas principais do grande claustro, o refeitório, o campanário, a biblioteca, a sala capitular e as celas. Uma quarta ala será construída na segunda fase, prevista para começar em 2027, que incluirá a igreja da abadia e a cripta. Depois, na década de 2030, virão o hotel, a cozinha, as salas de visita, a portaria e, por fim, a enfermaria.
O projeto inteiro, que depende totalmente de patrocínio privado — a lei secular francesa de 1905 proíbe o financiamento público de projetos religiosos — está atualmente estimado em cerca de € 157,9 milhões (cerca de R$ 25 milhões) . A comunidade agora estima que faltam pouco menos de € 5,8 milhões (cerca de R$ 37 milhões) para os quase € 9,6 milhões (cerca de R$ 61,2) milhões necessários para concluir a primeira fase.
Embora várias plataformas de arrecadação de fundos já tenham se mobilizado para apoiar a iniciativa, os monges contam com a experiência e a rede internacional de seu diretor de patrocínio, o general Stéphane Abrial, ex-chefe do Estado-Maior da Força Aérea Francesa e ex-comandante de um dos dois comandos estratégicos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
“É certamente um projeto ambicioso, mas que continua razoável, porque sabemos que os mosteiros serão chamados a desempenhar um papel cada vez maior nos tempos futuros, e cabe a nós mostrar uma ousadia profundamente cristã para reacender a esperança nos corações”, disse o irmão Ambroise. “Não temos pretensões, mas imensa convicção”.
Reconstruindo uma Civilização
Para o prior, o aspecto fundamental desse projeto de construção é o desejo de sua comunidade de lembrar ao mundo a primazia de Deus sobre todas as dimensões efêmeras da vida humana, ancorando-a numa herança atemporal.
E para garantir que essa herança seja passada para as gerações futuras, como testemunho silencioso da grandeza e beleza de Deus, todo o complexo será construído no espírito milenar da arquitetura monástica europeia, em pedra de cantaria com fundações de granito, numa abordagem sustentável e ecologicamente correta.
Ao mesmo tempo, a comunidade considera desenvolver uma série de atividades e iniciativas sociais, particularmente na área de treinamento, para apoiar populações locais que, longe dos grandes centros urbanos, sofrem com condições econômicas precárias e lutam para dar um futuro sustentável às suas famílias.
Essa é a receita perfeita para transformar o local em um “oásis espiritual”, segundo uma expressão de Bento XVI. Famílias já se aglomeram para comprar casas na área ao redor, confiantes de que o alcance da abadia será sentido em todo o bairro.
É também uma oportunidade para eles de alcançar os que estão longe da fé, tocados por essa iniciativa que dá testemunho da longa tradição francesa de monges construtores, que culminou com Cluny, a abadia mais poderosa da cristandade medieval, e de uma grande confiança no futuro.
Sobre a possibilidade do colapso moral do Ocidente dar origem a um retorno à era de ouro monástica iniciada por são Bento e que contrabalançava a decadência do Império Romano, o irmão Ambroise diz que os cristãos já deveriam agir como se esse fosse o caso.
“Num momento em que tudo está desmoronando, em que tudo está sendo questionado, em que estamos cedendo ao pessimismo ao nos contentarmos com uma liturgia ruim sob o pretexto de não nos pormos em destaque, uma abadia saindo do chão envia a forte mensagem de que tudo ainda é possível”, concluiu o prior. “Neste sentido, nosso projeto faz parte de uma abordagem profundamente civilizacional”.