O secretário-geral da Secretaria Geral do Sínodo, cardeal Mario Grech, anunciou em 15 de março que o "Processo de Acompanhamento da Fase de Implementação do Sínodo sobre a Sinodalidade" vai terminar em outubro de 2028, não em um sínodo de bispos, mas em algo novo na governança da Igreja: uma "assembleia eclesial" em que o "Povo de Deus", com mais ou menos o mesmo número de bispos, padres, religiosos e leigos, vai propor perspectivas "para toda a Igreja".

É uma diferença notável das assembleias anteriores do Sínodo da Sinodalidade, em que a maioria dos votos foi dada pelos bispos.

O cardeal Grech confirmou à Vatican Media que, como a assembleia eclesial será uma reunião de toda a Igreja, ela será diferente em "natureza e função" de um Sínodo dos Bispos tradicional, "que é e continua sendo essencialmente uma assembleia de bispos".

O objetivo da "jornada" de implementação, disse ele, é "ajudar as igrejas a caminhar num estilo sinodal" e garantir que "uma verdadeira 'conversão', uma mudança de mentalidade", tenha "tempo para se enraizar na prática da Igreja". O processo também visa fortalecer "os laços entre as igrejas nos níveis nacional, regional e continental".

O Register entrou em contato com o cardeal Grech, mas seu porta-voz disse que ele não estava dando entrevistas no momento.

A fase recém-anunciada, que começará na metade do ano, foi "definitivamente aprovada" pelo papa Francisco de sua cama de hospital em 11 de março. Consistirá em três "assembleias de avaliação" escalonadas ao longo de três anos, começando em nível local em 2026, depois passando para as conferências episcopais nacionais e internacionais em 2027, antes de continuar com uma avaliação continental no primeiro semestre de 2028 e terminar com a assembleia eclesial, com a aprovação final deixada para o papa.

Autoridade episcopal prejudicada

O padre Gerald Murray, da arquidiocese de Nova York, EUA, comentarista da EWTN e canonista, vê como um grande problema com a assembleia eclesial: os bispos que participarão do evento histórico não serão a maioria, e a assembleia eclesial terá a palavra final sobre o que significa sinodalidade e o que o resto da Igreja deve abraçar para ser sinodal.

"A autoridade do colégio episcopal, sob e em união com o papa, para ensinar, santificar e governar o Povo de Deus, vem de Cristo e não pode ser legitimamente sujeita a qualquer arranjo que reparta essa autoridade exclusiva com uma assembleia composta por padres, diáconos, religiosos e leigos", disse o padre Murray ao Register.

Ele acredita que a assembleia eclesial não pode exercer o papel de uma assembleia sinodal, mas só "um pseudo-sínodo ilegítimo reivindicando poderes para si mesmo".

"Os pastores governam o rebanho; o rebanho não governa os pastores", disse o padre Murray.

O cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, disse ao Register que, na Igreja, "os bispos estão lá porque têm autoridade e direito divino; eles têm o magistério. Os leigos têm missão apostólica, mas não têm a mesma autoridade que os bispos".

O papa "não pode absorver toda a autoridade dos bispos e dá-la aos leigos”, disse Müller. “Ele não tem autoridade para mudar a ordem sacramental da Igreja".

Ele recomendou que os envolvidos no sínodo estudem os três primeiros capítulos da constituição apostólica Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, que abordam a natureza, missão e estrutura da Igreja, e aprendam sobre o dogma do papado e o papel do papa nos primeiros concílios ecumênicos.

Tanto ele quanto o padre Murray disseram que o modelo de assembleia eclesial se assemelha muito ao sínodo geral da Igreja da Inglaterra.

A Igreja da Inglaterra é caracterizada como "episcopalmente liderada e governada sinodalmente", o que significa que é liderada por bispos, mas suas práticas e leis são determinadas por meio de sínodos diocesanos, principalmente seu Sínodo Geral, comumente conhecido como "parlamento" da Igreja da Inglaterra. Tanto os sínodos diocesanos quanto o sínodo geral são formados por clérigos, bispos e leigos.

O Sínodo Geral remonta a 1970, mas a Igreja da Inglaterra tem um método sinodal de governança desde pelo menos 1919 com a Assembleia da Igreja, órgão que tinha poderes mais estreitos e menos posição legal na governança da Igreja da Inglaterra em comparação com o Sínodo Geral.

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Como assembleia nacional permanente e corpo legislativo, o Sínodo Geral e a assembleia eclesial do Sínodo da Sinodalidade têm uma série de semelhanças: ambos têm ampla participação na tomada de decisões envolvendo bispos, clérigos e, mais notavelmente, leigos; eles têm o poder de considerar e aprovar a legislação por meio de votação; e ambos estão envolvidos na avaliação e implementação de mudanças nas práticas e políticas da Igreja, embora no que diz respeito à assembleia eclesial, a decisão final seja deixada para o papa.

Os dois órgãos também têm o mesmo objetivo de influenciar as estruturas eclesiásticas mais amplas: a assembleia eclesial vai sintetizar insights para aplicação global dentro da Igreja, enquanto as decisões do Sínodo Geral geralmente afetam as leis nacionais devido à natureza estatutária do órgão como parte do sistema de governança da Igreja da Inglaterra.

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O caráter permanente do Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra também reflete as esperanças dos responsáveis pelos processos sinodais na Igreja por uma estrutura sinodal duradoura, uma esperança que remonta pelo menos ao "sonho" do cardeal jesuíta Carlo Mario Martini, morto em 2012. Ele imaginou uma estrutura sinodal permanente como um meio de introduzir a heterodoxia na Igreja e como uma alternativa à convocação de um concílio Vaticano III.

Em artigo de 20 de março no semanário católico progressista inglês The Tablet chamado "Papa Francisco e a Revolução Permanente" (link em inglês), Austen Ivereigh, biógrafo do papa Francisco e participante do sínodo, disse que o Sínodo da Sinodalidade agora será "pelo menos" um "evento de reforma de seis anos" e "consideravelmente mais longo do que o Concílio Vaticano II (1962-65)".

Ao contrário do Concílio, ele disse ele daria "agência não só aos bispos do mundo, mas ao Povo de Deus em geral, e assim completar o que o Concílio começou, mas nunca alcançou".

Seus poderes não se estenderão aos do Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra, que pode afetar a lei nacional. O papel da assembleia eclesial será mais avaliativo e consultivo, dando recomendações para o papa em vez de decretos legislativos, com o papa tendo a palavra final.

Ainda assim, quando se trata de questões importantes para os dirigentes do sínodo católico e para aqueles que tomam decisões no Sínodo Geral, os dois se aproximam. Ambos valorizam a inclusão. O Sínodo Geral tomou medidas rumo a uma maior inclusão LGBTQ, integração total das mulheres em papéis de liderança e tomada de decisões, priorizando a justiça racial e reformas para garantir que os leigos formem a maioria nos conselhos paroquiais da igreja.

Essas questões têm sido altamente políticas e divisivas dentro da Igreja da Inglaterra, levando a um cisma interno, e grande parte da culpa foi atribuída à governança sinodal, exacerbada pelo que a declaração da Santa Sé Dominus Iesus, publicada em 2000, chamou de "situação gravemente deficiente" em comparação com a Igreja.

Gavin Ashenden, convertido ao catolicismo que já foi vigário da Igreja da Inglaterra e capelão da rainha Elizabeth II, disse ao Register que a experiência sinodal geral na Igreja da Inglaterra tem sido aquela em que "os leigos em particular trouxeram consigo um gosto pelo exercício da política e do poder expresso através do uso da força democrática de preferência à espiritualidade bíblica ou tradicional".

"Na ausência da autoridade de um magistério anglicano, ou liderança episcopal, a reflexão teológica deu lugar ao Zeitgeist secular. O espírito da época triunfou em todas as competições. A sinodalidade e a democracia só provaram ser um meio de substituir a sabedoria da santidade por uma politização da ética relativista e da política de poder" disse dom Ashenden.

Faccionalismo e pontuação

O Sínodo Geral muitas vezes enfrentou críticas tanto das alas progressistas quanto das tradicionais da Igreja da Inglaterra. O órgão foi programado para o faccionalismo e a marcação de pontos, em vez de um diálogo construtivo, e sua atmosfera política foi considerada como minando a tomada de decisão eficaz e contribuindo para a desilusão entre os membros. Os críticos costumam citar o afastamento da fidelidade às Escrituras e à tradição anglicana como a principal razão. Várias questões divisivas na Igreja da Inglaterra, aprovadas no Sínodo Geral, foram atribuídas a isso, como a aprovação de mulheres sacerdotes em 1992 e as bênçãos de uniões homossexuais no ano passado.

Então, a assembleia eclesial poderia dar o mesmo fruto espinhoso? O padre Murray acredita que sim e diz que servirá como uma ferramenta para aqueles "insatisfeitos" com o modo como "a ordenação de mulheres ao diaconato e ao sacerdócio", a "imoralidade dos atos homossexuais e outras doutrinas contestadas" foram "tratados até agora". Os responsáveis estão agora, portanto, "colocando suas esperanças de vitória numa assembleia não composta principalmente de bispos".

O padre Murray acredita que a assembleia eclesial e essa nova fase do Sínodo da Sinodalidade como um todo é "descaradamente uma tentativa de tomar o poder da hierarquia e colocá-lo nas mãos de leigos selecionados que finalmente vão corrigir o que os bispos obstrucionistas não conseguiram mudar".

É uma "inovação revolucionária, que contradiz a doutrina católica e representa uma grave ameaça à unidade da Igreja e ao bem-estar espiritual dos fiéis".

O cardeal Müller disse que os organizadores do sínodo estão indo só com um "sentimento de que são autorizados pelo Espírito Santo", mas enfatizou que o Espírito Santo "é o espírito do Filho e do Pai. Não é uma assembleia. Isso tem o espírito de uma assembleia num sentido romântico, um sentimento romântico do povo. Mas devemos olhar para o que é a palavra de Deus e não para o sentimento subjetivo de algumas pessoas que estão se lembrando do Espírito Santo, mas não para a realidade. Eles estão promovendo só suas próprias idéias, e essas idéias estão vindo mais da sociologia e da psicologia”.

"O que vejo objetivamente é que está indo na direção errada. Deve ser corrigido conforme a eclesiologia católica", disse ele.