Julio Luis Martínez Martínez, padre jesuíta espanhol, disse à revista jesuíta americana America Magazine, em 27 de maio, que a exortação apostólica Amoris laetitia, que o papa Francisco escreveu sobre o amor na família, “desatou os nós” sobre o matrimônio deixados pelos papas são Paulo VI e são João Paulo II ao estabelecerem a proibição dos métodos anticoncepcionais e reafirmar o conceito de mal objetivo, que independe de circunstâncias.

Julio Luis Martínez Martínez é professor de teologia moral, ex-reitor da Pontifícia Universidade Comillas de Madri e professor visitante da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

No texto, o jesuíta faz reflexões sobre “discernimento pastoral” e a moral. Para ele, o papa são Paulo VI, na encíclica Humanae vitae (Vida Humana) “tornou muito difícil a prática do discernimento em termos de moralidade pessoal” e que o papa são João Paulo II fez a mesma coisa na encíclica Veritatis splendor (Esplendor da verdade).

O papa são Paulo VI publicou a encíclica Humanae vitae em 25 de julho de 1968. O documento profético proíbiu o controle artificial da natalidade pouco depois de a indústria farmacêutica ter lançado no mercado a pílula anticoncepcional. São paulo VI avisou que, da adoção dos anticoncepcionais, se seguiriam a degradação moral, a perda de respeito às mulheres e o uso dos métodos artificiais de contracepção como políticas de Estado. Até cardeais de várias partes do mundo ficaram contra são Paulo VI à época.

São João Paulo II publicou a encíclica Veritais splendor em 6 de agosto de 1993. Na introdução, o santo polonês escreveu que “hoje, porém, parece necessário refletir sobre o conjunto do ensinamento moral da Igreja, com a finalidade concreta de evocar algumas verdades fundamentais da doutrina católica que, no atual contexto, correm o risco de serem deformadas ou negadas”.

"É essencial desatar os nós que a Veritatis splendor colocou na moral católica", escreveu o padre Martínez. Segundo ele, esses “nós” começaram 25 anos antes com a Humanae vitae, que não conseguiu "discernir e considerar as circunstâncias ao lidar com o matrimônio e a família humana” de forma precisa.

A encíclica de são João Paulo II introduziu o conceito de "mal intrínseco" ou inerente, algo que Martínez considera "um conceito filosófico controverso que levantou sérias dificuldades para a teologia moral".

Para o jesuíta Martínez, em Amoris laetitia o papa Francisco, também ele jesuíta, deu a teólogos e pastores, e a todos em geral, a tarefa de “tentar ver como aplicar o discernimento em todos os campos da vida moral”.

É um erro opor o magistério dos papas

"Amoris laetitia não deve ser lida em oposição à Humanae vitae ou Veritatis splendor, isso é um erro", disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, Francisco Javier "Patxi" Bronchalo, padre da diocese espanhola de Getafe.

“É querer fazer uma oposição entre o ensinamento de Paulo VI, João Paulo II e o de Francisco, em vez de lê-lo em continuidade e ler Amoris laetitia como contribuição a todo o ensinamento anterior”.

Padre Bronchalo também disse que “o magistério de Paulo VI e João Paulo II na moral não vem para dar um nó, mas para iluminar”.

“A Veritatis splendor fala da consciência e da importância de sua formação reta, que é justamente o que vai desatar os nós morais. E Paulo VI na Humanae vitae não põe nós, mas dá uma palavra esclarecedora sobre questões que estão se metendo na Igreja, por causa da revolução sexual”.

O padre espanhol disse que são Paulo VI “é um profeta do que tudo isso vai trazer, como a destruição da família, algo que está acontecendo”.

“Não devemos confrontar ou nos dedicar a enfrentar o magistério dos papas, somos cristãos”, concluiu.

Discurso perigoso e falso

"Não há nada mais perigoso e falso do que um discurso perfeitamente construído e aparentemente coerente, que vai intercalando entre os postulados indiscutíveis as opiniões pessoais que pretendem alcançar o status de ensino teológico", disse padre Juan Antonio Moya Sánchez, cônego da catedral da Encarnação de Almería, Espanha, e doutor em Psicologia, em relação ao que disse o jesuíta.

“Ainda mais grave, quando o que está em jogo são os princípios morais da fé católica”, lamentou padre Moya.

“O professor Julio Martínez aproveita a exortação do papa Francisco Amoris laeitia para voltar a uma questão que já havia sido condenada pelo papa Pio XII: a moral situacional”, alertou o doutor em psicologia.

A moral de situação defende a ideia de que não haveria princípios morais absolutos ou males objetivos. O certo ou o errado dependeriam das circunstâncias em que as pessoas que fazem as escolhas morais se encontram.

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“Os documentos do papa devem sempre ser entendidos no âmbito da tradição magisterial da Igreja e, claro, do magistério pontifício. Não é correto opor a Amoris laetitia à Humanae vitae ou à Veritatis splendor, como se deduz deste artigo, assim como não convém opor a necessidade do discernimento à existência de princípios morais sólidos e bem fundamentados”, destacou.

Padre Moya Sánchez também disse à ACI Prensa que "colocar em dúvida que existem atos intrinsecamente maus, isto é, que por sua própria natureza são destrutivos e perniciosos para os seres humanos, ou afirmar que este conceito não é mais útil na sociedade ou na Igreja, cria uma grave confusão na consciência moral das pessoas e contribui para o declínio da vida cristã”.

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