SAN FRANCISCO, 20 de mai de 2022 às 16:59
O arcebispo de San Francisco, dom Salvatore Cordileone, proibiu Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA e membro da arquidiocese de San Francisco, de comungar por causa do apoio irrestrito dela ao aborto.
“Depois de numerosas tentativas de falar com ela para ajudá-la a entender o grave mal que ela está cometendo, o escândalo que ela está causando e o perigo para sua própria alma que ela está correndo, decidi que chegou o ponto no qual eu devo fazer uma declaração pública de que ela não deve ser aceita na Sagrada Comunhão a não ser que, e até que, ela repudie publicamente seu apoio aos ‘direitos’ ao aborto, se confesse e receba a absolvição por sua colaboração nesse mal no sacramento da Penitência,” escreveu Cordileone em um comunicado oficial dirigido a todos os membros da arquidiocese divulgado hoje (20).
Pelosi é a segunda política católica mais importante dos EUA a defender o aborto. O primeiro é o presidente Joe Biden, que é apenas o segundo presidente católico dos EUA, mas tem sido um dos mais radicais na defesa do aborto ao ocupar o cargo. Com a aprovação de leis que restringem o aborto no Texas e no Mississipi no ano passado, Biden prometeu pôr todo o arsenal do governo federal americano na luta contra essas restrições.
O aborto passou a ser aceito nos EUA com a decisão do caso Roe x Wade pela Suprema Corte dos EUA em 1973. A partir daquela decisão, qualquer tentativa de restringir o acesso ao aborto feita por algum Estado americano passou a ser inconstitucional.
Num caso que a Suprema Corte está julgando neste ano sobre legislação restritiva ao aborto do Estado do Mississipi, é possível que Roe x Wade seja derrubada. O site POLITICO vazou um rascunho de decisão da Suprema Corte que indica esse resultado. Com isso, os defensores do aborto têm feito protestos, alguns deles violentos, em frente à casa de juízes da Suprema Corte, diante e dentro de Igrejas e nas ruas. Pelosi tem sido uma das vozes mais agressivas contra a possível reversão de Roe x Wade, desde o vazamento.
No documento em que anunciou sua decisão sobre Pelosi, Cordileone diz que o papa Francisco “tem sido um dos mais loquazes defensores da dignidade em todos os estágios e condições da vida humana”.
Ele lembra o que o papa chama de “cultura do descarte” e disse em seu comunicado: “Não há exemplo mais radical dessa depravação cultural do que quando ataques diretos à vida humana são entronizados nas leis da nação, celebrados pela sociedade, e até pagos pelo governo. É por isso que o papa Francisco, tanto quanto qualquer papa de que se lembre, repetida e vivamente afirmou o claro e constante ensinamento da Igreja de que o aborto é um grave mal moral”.
Para o papa, diz Cordileone, há uma interconexão entre todas as ameaças à dignidade humana na cultura do descarte. E cita o discurso que Francisco fez em 2013, no começo de seu pontificado, a ginecologistas católicos que participavam de uma conferência mundial. “No ser humano frágil, cada um de nós é convidado a reconhecer o rosto do Senhor, que na sua carne humana experimentou a indiferença e a solidão às quais frequentemente condenamos os mais pobres, tanto nos países em fase de desenvolvimento, como nas sociedades abastadas”, disse o papa. “Cada criança não nascida, mas condenada injustamente a ser abortada, tem o rosto de Jesus Cristo, tem a face do Senhor, que ainda antes de nascer e depois, recém-nascido, experimentou a rejeição do mundo”.
Ao proibir Pelosi de comungar na arquidiocese, Cordileone disse que sua obrigação de se preocupar com cada fiel cristão confiado a seu cuidado, seguindo o cânon 383 código de Direito Canônico, às vezes é penosa. “Infelizmente, a posição da presidente da Câmara sobre aborto só se tornou mais radical ao longo dos anos”, diz Cordileone em seu documento. “Ainda no começo deste mês, como muitas vezes antes, ela citou sua fé católica para justificar o aborto como uma ‘escolha’, desta vez pondo-se em direta oposição ao papa Francisco.”
O arcebispo se referiu à entrevista que Pelosi deu ao jornal The Seattle Times em que a deputada democrata criticou o rascunho da opinião da Suprema Corte que indica a derrubada de Roe x Wade. Pelosi disse que, como católica praticante, acha “desconcertante” que se diga às mulheres alguma coisa sobre o tamanho da família delas, ou quando é a hora de ter filhos. “Pessoas me dizem: ‘Nancy Pelosi acha que sabe mais sobre ter bebês do que o papa’. Sei mesmo. Vocês são burros?”, pergunta ela na entrevista.
Cordileone disse ter recebido ao longo dos anos cartas de muitos membros de sua arquidiocese preocupados com o escândalo causado por católicos como Pelosi que, na vida pública, defendem o aborto.
O assunto já dividiu opiniões dentro da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos. No ano passado, parte dos bispos queria que uma proibição explícita de dar a comunhão a políticos como Pelosi ou Biden constasse de uma decisão coletiva do órgão. Parte dos bispos foi contra. O documento sobre eucaristia finalmente produzido não falava explicitamente sobre proibição.
Em outubro do ano passado, quando essa discussão dos bispos dos EUA ainda ocorria, Biden foi recebido no Vaticano pelo papa e, ao sair, disse que Francisco o teria autorizado a continuar comungando. A Santa Sé nunca comentou a afirmação de Biden.
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Cordileone disse ter sempre respondido aos fiéis que a “conversão é sempre melhor do que a exclusão”. Para tentar essa conversão no caso de Pelosi, Cordileone disse ter se guiado pelo ensinamento do cardeal Joseph Ratzinger, depois papa Bento XVI que, numa carta aos bispos dos EUA de 2004, disse: “Quando a cooperação formal de uma pessoa se torna manifesta (entendida, no caso de um político católico, como sua consistente defesa ou voto a favor de leis permissivas de aborto e eutanásia), seu pastor deve se reunir com ela, instruí-la sobre a doutrina da Igreja, informá-la de que não deve se apresentar para a Sagrada Comunhão até que ponha fim á situação objetiva de pecado, e alertá-la de que, caso contrário, terá a eucaristia negada”.
Depois de tentar falar com ela privadamente sobre o assunto e de se dirigir a ela por cartas e meios púbicos, Cordileone, por fim, decidiu agir.
“A presidente da Câmara Pelosi continua sendo nossa irmã em Cristo”, escreveu o arcebispo. “Sua defesa dos pobres e vulneráveis me causa admiração. Eu lhes asseguro de que minha ação é puramente pastoral, não política”, escreveu o arcebispo.
“Também peço que a vocês que apoiem ativamente com seu tempo, talento e recursos os esforços de defensores pró-vida em acompanhar mulheres grávidas em crise e dar todo apoio de que elas precisam para fazer uma escolha pela vida”, disse Cordileone. “Isso é o que significa ser verdadeiramente pró-vida. Esse é o caminho do amor.”
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