ASSIS, 5 de out de 2020 às 09:30
As fotos que circularam do adolescente e futuro beato, Carlo Acutis, causaram confusão em alguns católicos, já que seu corpo parecia preservado do processo natural de decomposição após sua morte em 2006 e se pensou que poderia estar incorrupto.
Desde quinta-feira, 1º de outubro, os restos mortais do “ciberapóstolo” da Eucaristia foram expostos para veneração pública em Assis, Itália.
O Bispo de Assis, Dom Domenico Sorrentino, esclareceu no dia 1° de outubro que o corpo de Carlo –como se vê nas fotos–, embora intacto, “se encontrou no estado normal de transformação típico da condição cadavérica”. O corpo de Carlo foi arrumado com dignidade para a veneração pública e foi usado silicone na reconstrução de seu rosto, indicou.
Mas o que significa exatamente que um santo seja "incorrupto"?
É a preservação milagrosa do corpo da decomposição normal após a morte.
A Igreja não tem uma definição simples de em que condição o corpo de uma pessoa santa deve estar para ser declarado incorrupto, e não requer necessariamente que o corpo permaneça permanentemente na mesma condição na qual se encontra.
A razão que determina que a incorruptibilidade é milagrosa é porque não é possível explicar que tenha sido causada pela preservação intencional, como o embalsamento, ou pela preservação não intencional por causas naturais, como a mumificação.
Como identificar corpos incorruptos
A autora católica Joan Carroll Cruz, que morreu em 2012, escreveu sobre o fenômeno em seu livro de 1977 "Os incorruptos". Neste, identificou 102 santos ou beatos que são reconhecidos pela Igreja como incorruptos.
Afirmou que certamente havia muitos mais, mas esses 102 são "a grande maioria e certamente os mais famosos".
Cruz fez uma extensa pesquisa para o seu livro e, como escreveu antes da internet, trocou correspondências com os santuários que resguardavam os corpos para autenticar sua incorruptibilidade e descobrir se haviam sido embalsamados.
A autora assinalou que na época em que estava pesquisando e escrevendo, havia erros ou "falsos rumores" sobre a incorruptibilidade de alguns santos.
A qualidade das fotos às vezes podia levar as pessoas a acreditarem que as "figuras de imitação" que seguravam as relíquias dos santos eram na verdade cadáveres milagrosamente preservados, escreveu.
Um papa do século XVIII deu sua definição de incorruptibilidade em um tratado sobre o processo de beatificação e canonização dos santos.
Prospero Lambertini, o futuro Papa Bento XIV, escreveu o extenso trabalho enquanto servia na Congregação da Santa Sé para a promoção das causas dos santos de 1708 a 1728.
Dois capítulos do livro, intitulados "De Cadaverum Incorruptione", delineiam a posição do jovem teólogo e advogado sobre o fenômeno da incorruptibilidade.
Segundo Cruz, Lambertini determinou "que os corpos de pessoas santas que estão intactos, mas que se desintegram depois de alguns anos, não podem ser considerados preservação milagrosa".
"As únicas conservações que estava disposto a considerar extraordinárias são aquelas que conservam a sua flexibilidade, cor e frescura real, sem uma intervenção deliberada, durante muitos anos depois de sua morte”, assinalou.
O livro de Cruz documenta casos em que isso aconteceu, como o de São João da Cruz, que morreu em 1591 e cujo corpo, escreveu, "ainda está perfeitamente flexível".
Santos mais recentes também exibiram esse fenômeno, como São Charbel Makhlouf, um monge libanês que morreu em 1898.
Outros milagres também ocorreram na época da exumação de São Charbel, alguns anos após sua morte. Um foi a presença de um odor perfumado, fenômeno comum aos incorruptíveis. Uma luz brilhante também emanou de seu túmulo, levando os devotos do santo monge a solicitar que seus restos mortais fossem examinados.
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Objeções comuns
Uma objeção comum à crença na incorruptibilidade é que o corpo deve ter sido preservado deliberadamente, uma prática desde os tempos antigos, ou que as condições do túmulo ou sepulcro permitiram a preservação natural.
Em pelo menos um caso, o exame científico moderno descobriu que um santo, que antes achavam que estava incorrupto, provavelmente não estava.
De acordo com um artigo de 2001, de Heather Pringle, uma pesquisa aprovada pela Igreja por cientistas italianos na década de 1980 descobriu que a santa toscana do século 13, Margarida de Cortona, havia recebido embalsamamento extensivo e outras intervenções após sua morte.
Os cientistas também descobriram documentos que mostravam que o embalsamento havia sido solicitado por devotos da santa, padroeira das prostitutas convertidas. Mas, com o passar dos anos, o fato havia sido esquecido, e sua aparição levou as pessoas a acreditarem que era um milagre.
A evidência havia sido coberta por sua roupa e, por modéstia, não haviam realizado um exame completo de seu corpo durante séculos.
Os próprios cientistas, no entanto, não puderam encontrar “nem rastro de intervenção humana” em outra santa do século XIII e conhecida como incorrupta na Itália, Santa Zita.
Cruz argumentou em seu livro que alguma preservação deliberada depois da morte não exclui a possibilidade de que o cadáver ainda possa exibir uma condição milagrosa muitos anos depois da morte.
Reconheceu que cerca de 1% dos 102 incorruptos que identificou haviam recebido alguma intervenção. Muitos outros, no entanto, certamente não haviam recebido, já que pertenciam a ordens religiosas que não permitiam essa prática.
Também rejeitou a ideia de que muitos casos poderiam ser explicados pela mumificação natural, citando a falta de rigidez ou dureza dos corpos, condição normal dos cadáveres mumificados.
Como prova, documentou as condições em que muitos dos santos foram encontrados, como em túmulos de barro ou caixões de madeira com deterioração significativa. O corpo de São Charbel, por exemplo, foi encontrado boiando no barro.
Essas não eram condições propícias para mumificação, argumentou
Em um momento, a Igreja aceitava a incorruptibilidade como um dos milagres necessários para a canonização. Essa prática acabou deixando de ser usada, porque ser incorrupto após a morte não é um requisito para ser declarado santo na Igreja Católica.
E muitos dos santos e beatos cujos restos mortais passaram pelo processo normal de retornar "ao pó" foram expostos à veneração pública com figuras ou máscaras de silicone, como no caso de Carlo Acutis.
Vemos Carlo “de novo em seu corpo mortal”, disse Dom Sorrentino em uma missa para a abertura do túmulo do jovem de 15 anos, em 1º de outubro.
“Um corpo que passou, nos anos da sepultura em Assis, pelo processo normal de decomposição, que é o legado da condição humana depois que o pecado foi removido por Deus, fonte da vida. Mas este corpo mortal está destinado à ressurreição”, disse.
Publicado originalmente em CNA. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
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Quem foi Carlo Acutis? https://t.co/2b0wp7MKSM
— ACI Digital (@acidigital) October 2, 2020