Na véspera da votação do documento final do Sínodo dos Jovens, alguns especialistas explicam o que é a sinodalidade, um critério que aparece agora na terceira parte do texto de 56 páginas que será votado pelos Padres Sinodais no sábado, 27 de outubro.

O termo sinodalidade é usado com frequência para se referir à colaboração e ao discernimento que ocorre no Sínodo, mas alguns críticos acreditam que a vaga definição do mesmo poderia ser usada para propor uma espécie de Igreja “parlamentarista” ou “democrática” que ensine sua doutrina desse modo.

Na coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira, 25 de outubro, na Sala de Imprensa do Vaticano, o Arcebispo de Viena (Áustria), Cardeal Christoph Schönborn, respondeu à pergunta sobre a inclusão da palavra sinodalidade na terceira parte do rascunho do documento final quando esta não estava no instrumentum laboris ou documento de trabalho.

O Cardeal Schönborn indicou que “a palavra ‘discernimento’ é fundamental no instrumentum laboris que é a coluna vertebral de todo o Sínodo. O discernimento é o que o Papa ensina a todo momento, não apenas por ser jesuíta”.

“Devemos discernir qual é a vontade de Deus a todo momento. Deus se abraça com a realidade. O Evangelho de hoje é sobre isso quando diz que ‘vocês sabem discernir o temporal que vem, mas não os sinais dos tempos’”. “O caminho sinodal é o caminho do discernimento sob a guia do Papa”, disse o Cardeal.

“Isso é sinodalidade. Essa palavra não estava muito presente no instrumentum laboris, mas é algo que temos feito: escutar a realidade, em seguida, discernir o que Deus nos diz através da realidade, à luz de sua palavra, do Espírito Santo e, depois, passar à ação”, prosseguiu.

“Este é o caminho que se chama sinodalidade. Então, acho que não é só útil, mas sábio discernir qual foi o caminho sinodal deste sínodo”, concluiu o Purpurado.

Em março deste ano, a Comissão Teológica Internacional, um organismo que colabora com a Santa Sé no exame das questões doutrinais de maior importância e atualidade, publicou o documento “A sinodalidade na vida e na missão da Igreja”.

Este assinala que “a sinodalidade se manifesta desde o começo como garantia e encarnação da fidelidade criativa da Igreja à sua origem apostólica e à sua vocação católica” e oferece também “o marco interpretativo mais adequado para compreender o próprio ministério hierárquico”.

Segundo o documento vaticano, as sinodalidade também designa “a realização pontual daqueles acontecimentos sinodais nos quais a Igreja é convocada pela autoridade competente e segundo procedimentos específicos determinados pela disciplina eclesiástica, envolvendo de modos diversos, em nível local, regional e universal, todo o Povo de Deus sob a presidência dos Bispos em comunhão colegial e hierárquica com o Bispo de Roma, para discernir seu caminho e questão particulares, e para assumir decisões e orientações a fim de levar a cabo sua missão evangelizadora”.

Em declarações a CNA – agência em inglês do Grupo ACI –, Dra. Jessica Murdoch, professora de teologia fundamental e dogmática na Universidade Villanova, dos Estados Unidos, explicou que, quando a sinodalidade é mal entendida, “o risco é que, ao se reunir, chegue-se a um achatamento da Igreja, com todos os membros do corpo atuando como se fossem iguais”.

“Existe uma enorme riqueza na diversidade dos carismas na Igreja e cada parte tem seu próprio papel, mas quando todos estão tentando fazer o trabalho de todos, não só perdemos essa riqueza do corpo, como também o corpo não funciona adequadamente”, alertou.

A especialista indicou que “a boa eclesiologia preserva as distinções na hierarquia e na Igreja como um corpo. Por fim, os bispos estão sob a autoridade do Papa, e o Papa e a Igreja estão sob a autoridade de Deus”.

“Uma má compreensão da sinodalidade achata a ordem hierárquica instituída por Deus e o converte em uma massa majoritária. A sabedoria coletiva e a perspectiva dos bispos e outros na Igreja pode certamente ser uma ferramenta importante, mas tem seus limites”, prosseguiu.

A má compreensão do conceito de sinodalidade fez com que, na história eclesial, se aceitasse algumas heresias, alertou a especialista, e assinalou que “a Igreja universal precisa considerar atentamente as lições da comunhão anglicana e das Igrejas ortodoxas, exemplos daquilo em que pode terminar uma má aplicação do conceito”.

Pe. Thomas Petri, vice-presidente da Faculdade Pontifícia da Imaculada Conceição na Casa Dominicana de Washington, explicou outro critério ligado à sinodalidade que também pode ser mal interpretado: o sensus fidei.

No ano de 2014, a Comissão teológica Internacional publicou um documento intitulado “Sensus fidei na vida da Igreja”, que explica que “os fiéis têm um instinto para a verdade do Evangelho, o que lhes permite reconhecer quais são a doutrina e prática cristãs autênticas e a elas aderir. Esse instinto sobrenatural, que tem uma ligação intrínseca com o dom da fé recebido na comunhão da Igreja, é chamado de sensus fidei, e permite aos cristãos cumprir a sua vocação profética”.

Sobre isso, Pe. Petri disse que “parece que alguns analistas reduzem o sensus fidei à mera expressão de qualquer indivíduo ou ‘experiência pessoal’ de algum grupo. Esta aproximação empobrece o que o sensus fidei realmente é”.

“O risco está, em minha opinião, na exaltação da experiência humana quase como se fosse outra fonte de revelação, como são a Escritura e a Tradição”, advertiu o especialista teólogo.

“Na Episcopalis communio, o Papa Francisco alertou que o sensus fidei não deve ser confundido com as correntes mutáveis da opinião pública”, recordou o sacerdote.

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A constituição Episcopalis communio foi publicada no último dia 15 de setembro e trata sobre a função e a estrutura do Sínodo dos Bispos.

O numeral 7 do documento assinala que, “à consulta dos fiéis segue-se, durante a celebração de cada Assembleia sinodal, o discernimento por parte dos Pastores especificamente designados, unidos na busca de um consenso que nasce, não de lógicas humanas, mas da obediência comum ao Espírito de Cristo. Atentos ao sensus fidei do Povo de Deus – que devem saber cuidadosamente distinguir dos fluxos frequentemente mutáveis da opinião pública –, os Membros da Assembleia facultam ao Romano Pontífice o seu parecer, para que este o possa ajudar no seu ministério de Pastor universal da Igreja”.

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