Vilnius, 2 de jan de 2019 às 18:00
Sigitas Tamkevicius é o nome do Arcebispo jesuíta que conseguiu sobreviver à KGB. Hoje, com 80 anos de idade, realizou seu sonho de que um Papa visitasse o local onde, há 35 anos, ele e muitos outros sofreram repressão.
Quando o Papa Francisco visitou um antigo prédio da KGB em Vilnius (Lituânia) em 23 de setembro, o Arcebispo Sigitas Tamkevicius foi o único Prelado a acompanhá-lo ao local que hoje é o Museu dos Combatentes da Ocupação e Liberdade; onde ele já foi um prisioneiro.
O prédio também foi sede da Gestapo alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Após a retirada nazista em 1944, a KGB se mudou para o lugar. Mais de 2 mil pessoas foram executadas neste local e centenas de sacerdotes foram presos, incluindo Dom Tamkevicius, quando ainda não era bispo.
Nascido em 1938, o Prelado lembra claramente como foi a ocupação soviética da Lituânia e explicou à CNA – agência em inglês do Grupo ACI – como o regime comunista queria acabar com a liberdade religiosa.
"Os soviéticos queriam destruir a Lituânia e suprimir a liberdade religiosa, que era inexistente. Prenderam mais de 300 sacerdotes, que estavam inclusive proibidos de ensinar. Eles tentavam diminuir a Igreja. Foi assim que começamos a pensar no que poderíamos fazer para resistir ao regime", relatou.
O Arcebispo desempenhou um papel importante na resistência e, com outros sacerdotes, fundou em 1978 o Comitê Católico para a Defesa dos Direitos dos Fiéis.
Ele também criou uma pequena revista chamada Crônica da Igreja Católica da Lituânia, que foi editada pelo sacerdote jesuíta por 11 anos, sem saber que a KGB estava ciente da publicação.
"No lugar que o Papa Francisco visitou, milhares de pessoas foram mortas e outros milhares foram exilados na União Soviética”, contou à CNA.
O Arcebispo recordou ainda que foi preso em 1983 e condenado a 10 anos de trabalho forçado e exílio.
"Eu nunca rezei tão intensamente como naqueles momentos. Jesus não me deixou sozinho", disse o Prelado, recordando o momento da prisão: "‘Eles nos descobriram’, pensei naquele dia de 1983. Quando entrei na caminhonete da KGB, um suor frio me invadiu. Os sótãos da cadeia, com corredores estreitos, tetos altos, lâmpadas pouco iluminadas, fracas, com manchas de umidade e rachaduras, não convidavam à serenidade.
Perguntaram-lhe o seu nome e profissão. Ele respondeu: "Sacerdote. Jesuíta". Eles responderam: “‘Vamos lá! É Sigitas, do Comitê para a Defesa dos Fiéis, o que faz propaganda antissoviética contra o Estado’. Eu sabia que a minha participação no Comitê não era o que lhes interessava. Eles queriam saber quem eram os editores de 'A Crônica da Igreja Católica na Lituânia' e como esta chegava a outros países. Deus me deu forças para não trair ninguém naquele período terrível, nem mesmo nos momentos de maior fraqueza”.
O Arcebispo foi interrogado cerca de 60 vezes durante 8 meses.
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Para Dom Tamkevicius, a visita do Papa Francisco foi um momento emocionante. "Sonhei durante 35 anos que o Papa um dia visitaria o local onde eu e muitos outros vivíamos na prisão, por isso agradeci ao Santo Padre por mostrar sua solidariedade ao nosso povo".
A oração e a Missa o sustentaram
No lugar onde foi prisioneiro, o Prelado recordou coisas boas e ruins. Ele lembrou, por exemplo, "das orações que eram bastante intensas: o terço, a leitura da Bíblia" e a forma como ele conseguia celebrar a Missa.
"'Eu não entendo como você conseguia', muitos me dizem achando que superei toda esta situação com as minhas próprias forças. Mas não foi assim. Eu consegui comprar alguns pedaços de pão na prisão e confirmei que eram feitos de trigo. Eu só não tinha o vinho; em uma carta, pedi à minha família uma uva seca. Desde então, eu tive apenas que encontrar o momento mais adequado sabendo que o meu companheiro de cela, como acontecia normalmente, era um criminoso comum que poderia ter a sua pena reduzida caso fornecesse informações importantes sobre mim".
"Eu me posicionava de costas para a porta – contou o Arcebispo –, com o estojo dos óculos em cima da mesa; um estojo de plástico amarelo onde guardava um pequeno pedaço de pão e um pequeno recipiente com um pouco de passas. Eu esperava que meu companheiro de cela adormecesse e então, lentamente, espremia as uvas entre os dedos até obter uma gota de vinho que, em casos excepcionais, era válido para celebrar a Eucaristia".
"Graças a Deus, eu tenho uma boa memória e me lembrava das orações da Missa. Após a consagração, consumindo o corpo e o sangue de Cristo, uma alegria indescritível tomava conta de mim. Experimentava uma alegria maior do que a que senti pela primeira vez em que celebrei a Missa na catedral de Kaunas. Deus me consolou e me confortou. Eu sentia que Ele estava ao meu lado".
"Celebrar a Missa nessas circunstâncias – explicou Dom Tamkevicius– me dava uma força especial sem a qual eu não conseguiria resistir”.
O Arcebispo Tamkevicius foi libertado pelo programa de reestruturação da perestroika de Mikhail Gorbachev, que levou finalmente à dissolução da União Soviética em 1991.
O jesuíta voltou para o seu lar e, em 1989, foi nomeado diretor espiritual do seminário em Kaunas, a segunda maior cidade da Lituânia. Tornou-se reitor do seminário em 1990 e, em 1991, foi consagrado Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Kaunas. Em 1996, foi nomeado Arcebispo da cidade.
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— ACI Digital (@acidigital) 11 de maio de 2015