Vaticano, 21 de mar de 2022 às 16:48
Em uma entrevista coletiva no Vaticano, o cardeal Marcello Semeraro, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, dom Marco Mellino, secretário do Conselho de Cardeais, e Gianfranco Ghirlanda, professor emérito de direito canônico da Pontifícia Universidade Gregoriana explicaram as mudanças feitas na Cúria Romana com a nova constituição apostólica Praedicate Evangelium (Pregai o Evangelho), promulgada no sábado, 19 de março, pelo papa Francisco.
A Praedicate Evangelium entrará em vigor no dia 5 de junho, Solenidade de Pentecostes.
Depois de nove anos de trabalho do papa Francisco junto com o Conselho de Cardeais nomeado pelo papa, a nova constituição revoga Pastor Bonus, promulgada pelo papa são João Paulo II em 28 de junho de 1988.
Entre as novidades desta nova reforma, destaca-se a mudança do nome dos “ministérios” da Santa Sé, que serão chamados todos de dicastérios. Além disso, todos gozarão da mesma dignidade jurídica e poderão ser dirigidos por leigos.
Antecedentes da reforma
O cardeal Semeraro disse que esta nova constituição é o resultado de um caminho que começou em abril de 2013, quando o papa Francisco anunciou a criação de um Conselho de Cardeais para aconselhá-lo sobre a reforma da Cúria Romana.
O cardeal disse que o decreto conciliar de sábado trata não apenas da natureza da Cúria Romana, "mas também da necessidade de reorganizá-la de um modo novo e de acordo com as necessidades dos tempos".
Dom Mellino explicou que cada uma das emendas foi examinada, discutida e votada nas sessões de junho e setembro de 2019.
Em seguida, foi redigido um texto que em outubro de 2019 foi novamente submetido à consulta de alguns dos chefes dos dicastérios da Cúria Romana e, em janeiro de 2020, foi enviado aos cardeais para que pudessem dar sua opinião e propor sugestões.
Todas as emendas recebidas desta segunda consulta foram novamente submetidas a exame, debate e votação, em parte na sessão do Conselho de Cardeais de fevereiro de 2020. O resultado desse trabalho foi um texto provisório que em 8 de junho de 2020 os cardeais do conselho entregaram ao papa Francisco.
Desde então, tudo foi submetido à consideração do papa, que desde julho de 2020 examinou pessoalmente as emendas, levando em conta as observações, indicações e propostas recebidas até sua promulgação final em 19 de março.
Uma "peça" que completa a reforma da Cúria Romana
Dom Mellino lembrou que nos últimos anos o papa Francisco lançou diferentes medidas de reforma e este texto é mais uma delas.
Portanto, o trabalho da reforma "é mais amplo do que apenas o texto da constituição em questão", que é "uma peça de um mosaico mais amplo e articulado" e ao mesmo tempo "um texto onde a reforma da Cúria Romana encontra sua forma completa.
Em relação às mudanças que a Praedicate Evangelium traz, foram indicadas as seguintes:
1. Mesma dignidade jurídica dos dicastérios
Durante a coletiva de imprensa, dom Marco Mellino disse que “todos os dicastérios gozam da mesma dignidade jurídica e todos exercem o poder de jurisdição, por isso a ordem da sua colocação na lista não tem valor jurídico em si”.
No entanto, explicou que a escolha de colocar primeiro o Dicastério para a Evangelização "torna explícita a perspectiva da atividade missionária na qual se realizou a visão geral da reforma da Cúria".
2. Uma Cúria a serviço do papa e dos bispos
O secretário do Conselho dos Cardeais também destacou que a Cúria Romana é por natureza "um corpo de serviço", tanto ao papa como aos bispos.
“A Cúria Romana, portanto, não se interpõe entre o papa e os bispos, mas os serve, segundo as modalidades próprias da natureza de cada um, não deixando espaço para equívocos e incompreensões sobre de quem depende em última instância e quais são as suas competências dentro das quais é chamada a realizar o seu serviço para o bem de toda a Igreja”, destacou dom Marco Mellino.
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3. Sinodalidade e corresponsabilidade
Ele também ressaltou que o exercício do serviço da Cúria deve ser sinodal e que dentro dos aspectos desta sinodalidade se pode diferenciar o "intradicasterial e interdicasterial" com os diferentes níveis da Igreja e a Secretaria Geral do Sínodo.
Explicou também que na Praedicate Evangelium existem vários artigos que procuram promover “o sentido de colegialidade e responsabilidade pastoral”, bem como uma “sã descentralização para garantir a rápida eficácia da ação pastoral”.
4. O papel dos leigos e das conferências episcopais
Em sua intervenção, o professor Gianfranco Ghirlanda citou o número 5 dos Princípios e Critérios, que estabelece que “qualquer fiel pode presidir um dicastério ou a uma organização, dada sua particular competência, poder de governo e função”.
“Esta é uma afirmação importante porque deixa claro que quem está encarregado de um dicastério ou outro órgão da Cúria não tem autoridade devido ao grau hierárquico de que está investido, mas pelo poder que recebe do Romano Pontífice e que exerce em seu nome", disse.
“Se o prefeito e o secretário de um dicastério são bispos, isso não deve levar a pensar que sua autoridade deriva do grau hierárquico que receberam, como se agissem com seu próprio poder, e não com o poder vicário que lhes é conferido pelo Romano Pontífice. O poder vicário para desempenhar um ofício é o mesmo, seja ele recebido por um bispo, um presbítero ou um padre”.
Portanto, conforme estabelecido no artigo 15 da Praedicate Evangelium, os leigos podem exercer “o poder vicário ordinário de governo recebido do Romano Pontífice com a atribuição do ofício”.
Segundo Ghirlanda, isso “confirma que o poder de governo na Igreja não vem do sacramento da Ordem, mas da missão canônica”.
Além disso, esta nova constituição pretende desenvolver o papel das conferências episcopais e promover a sua união regional e continental. Desta forma, deixarão de ser consideradas “estruturas hierárquicas intermediárias” e passarão a ser “órgãos de subsidiariedade que, como diz o Preâmbulo nos números 7 e 8, não interferem no ofício petrino nem no governo das Igrejas particulares”.
“Este espírito colegial, que inspira e orienta a atividade das conferências episcopais, leva também à colaboração entre conferências de diferentes regiões e mesmo continentes, dando origem a uniões regionais e continentais”, disse o professor.
5. Proteção de menores
Entre as mudanças previstas na Praedicate Evangelium, destaca-se que a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores será estabelecida dentro do Dicastério para a Doutrina da Fé e que seu objetivo será "fornecer ao Romano Pontífice conselho e assessoria e propor as iniciativas mais adequadas para a proteção de menores e pessoas vulneráveis”.
Dessa forma, segundo Ghirlanda, “a Pontifícia Comissão tem a tarefa de prevenir esses crimes, enquanto a Seção Disciplinar do Dicastério tem a tarefa de fazer as ações penais”.
6. Organismos econômicos
A nova constituição estabelece que os organismos econômicos são: o Conselho da Economia, a Secretaria da Economia, a Administração do Património da Sé Apostólica, o Gabinete do Auditor Geral, a Comissão das Matérias Reservadas e a Comissão de Investimentos.
Confira também:
Papa Francisco publica a reforma da Cúria Romana https://t.co/HXmNZn0sQD
— ACI Digital (@acidigital) March 21, 2022