Vaticano, 25 de set de 2020 às 15:10
O Papa Francisco denunciou, perante a 75ª Assembleia Geral da ONU, que muitos “países e instituições internacionais estão promovendo o aborto como um dos chamados 'serviços essenciais' na resposta humanitária”.
“É triste ver como se tornou simples e conveniente, para alguns, negar a existência da vida como solução para problemas que podem e devem ser resolvidos tanto para a mãe como para o nascituro”, denunciou o Pontífice em uma vídeo-mensagem enviada do Vaticano nesta sexta-feira, 25 de setembro.
O Santo Padre implorou às autoridades civis "que prestem especial atenção às crianças a quem lhes são negados seus direitos e dignidade fundamentais, em especial seu direito à vida e à educação”.
Do mesmo modo, destacou que “os primeiros educadores da criança são sua mãe e seu pai, a família que a Declaração Universal dos Direitos Humanos descreve como o elemento natural e fundamental da sociedade”.
O Papa também denunciou o processo de desintegração da família. “Muitas vezes, a família é vítima de colonialismos ideológicos que a tornam vulnerável e acabam provocando em muitos de seus membros, principalmente nos mais indefesos, crianças e idosos, um sentimento de desenraizamento e orfandade”.
“A desintegração da família acarreta a fragmentação social que impede o compromisso de enfrentar inimigos comuns. É hora de reavaliar e comprometer-se novamente com nossos objetivos".
O Pontífice também citou “as consequências devastadoras da crise da Covid-19 sobre as crianças, compreendendo os menores migrantes e refugiados não acompanhados. A violência contra as crianças, incluindo o horrível flagelo do abuso infantil e da pornografia, também aumentou drasticamente”.
Recordou que “milhões de crianças não podem voltar à escola. Em muitas partes do mundo, esta situação ameaça o aumento do trabalho infantil, da exploração, dos maus-tratos e da desnutrição”.
Saída solidária para a pandemia
Em sua mensagem, o Pontífice destacou como a pandemia do coronavírus, ainda em curso, mudou o modo de vida das pessoas. “Esta crise está mudando nossa forma de vida, questionando nossos sistemas econômicos, de saúde e sociais, e expondo nossa fragilidade como criaturas”.
O Papa recordou as muitas pessoas que perderam a vida por causa da COVID-19 e destacou que é necessário “repensar nossa forma de vida e nossos sistemas econômicos e sociais, que estão ampliando as distâncias entre ricos e pobres, à raiz de uma distribuição dos recursos injusta”.
Nesse sentido, assinalou que a crise pode dar lugar a duas atitudes distintas: uma individualista e elitista, frente à outra multilateral e solidária.
Reforçou que o multilateralismo é “a expressão de uma corresponsabilidade mundial renovada, de uma solidariedade baseada na justiça e na realização da paz e da unidade da família humana, projeto de Deus no mundo”.
O outro caminho, o individualista, leva a “atitudes de autossuficiência, nacionalismo, protecionismo, individualismo e isolamento, deixando de fora os mais pobres, os mais vulneráveis, os habitantes das periferias existenciais. E certamente será prejudicial para toda a comunidade, causando automutilação para todos. E isso não deve prevalecer”.
Do mesmo modo, assegurou que “a pandemia destacou a necessidade urgente de promover a saúde pública e de realizar o direito de toda pessoa à atenção médica básica. Portanto, eu renovo o chamado aos responsáveis políticos e ao setor privado para que tomem as medidas adequadas para garantir o acesso às vacinas contra a COVID-19 e tecnologias essenciais necessárias para cuidar dos enfermos.
“Se for preciso privilegiar alguém”, pediu, “que esse seja o mais pobre, o mais vulnerável, aquele que normalmente é discriminado por não ter poder ou recursos econômicos”.
Garantir o direito ao trabalho
O Papa Francisco também pediu que tenham presente os efeitos do desenvolvimento tecnológico sobre o trabalho e, em concreto, advertiu sobre a tentação de servir-se da robotização e da inteligência artificial para desestabilizar o mercado laboral.
"É particularmente necessário encontrar novas formas de trabalho que sejam verdadeiramente capazes de realizar o potencial humano e que, ao mesmo tempo, afirmem nossa dignidade".
Exigiu uma mudança no “paradigma econômico dominante que visa apenas ampliar os lucros das empresas. Oferecer trabalho a mais pessoas deveria ser um dos principais objetivos de cada empresário, um dos critérios para o sucesso da atividade produtiva. O progresso tecnológico é útil e necessário sempre que sirva para tornar o trabalho das pessoas mais digno, seguro, menos pesado e opressor”.
Cultura de descarte
O bispo de Roma defendeu o desenvolvimento de “um quadro ético mais forte, capaz de superar a cultura do descarte”.
“Na origem desta cultura do descarte está um grande desrespeito pela dignidade humana, uma promoção ideológica com visões reducionistas da pessoa, uma negação da universalidade de seus direitos fundamentais e um desejo de poder e controle absolutos que domina a sociedade moderna hoje. Digamos pelo nome: isso também é um atentado contra a humanidade”.
O Papa denunciou os muitos direitos fundamentais que sendo violados com impunidade e, especificamente, citou perseguições por motivos religiosos, incluindo genocídios. “Também, entre os religiosos, nós, cristãos, somos vítimas: quantos sofrem ao redor do mundo, às vezes obrigados a deixar suas terras ancestrais, isolados de sua rica história e cultura”.
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Guerras e refugiados
Denunciou o uso em guerras de armas "convencionais" cada vez menos convencionais e cada vez mais "armas de destruição em massa", o que faz com que os conflitos bélicos sejam cada vez mais destrutivos.
“Devemos nos perguntar se as principais ameaças à paz e à segurança, como pobreza, epidemias e terrorismo, entre outras, podem ser enfrentadas de forma eficaz quando a corrida armamentista, incluindo as armas nucleares, continua desperdiçando recursos preciosos que seriam mais bem aproveitados no benefício do desenvolvimento integral dos povos e para proteger o meio ambiente natural”.
Ele exigiu “desmantelar as lógicas perversas que atribuem à posse de armas a segurança pessoal e social. Tais lógicas só servem para incrementar as ganâncias da indústria bélica, alimentando um clima de desconfiança e de temor entre as personas os povos”.
Em particular, assegurou que “a dissuasão nuclear fomenta um espírito de medo baseado na ameaça de aniquilação mútua, que acaba envenenando as relações entre os povos e dificultando o diálogo. Por isso é tão importante apoiar os principais instrumentos jurídicos internacionais de desarmamento, não proliferação e proibição nuclear”.
O número de deslocados pelas guerras é cada vez maior. “Frequentemente, os refugiados, os migrantes e os deslocados internos nos países de origem, trânsito e destino sofrem abandonados, sem oportunidade de melhorar sua situação de vida ou de sua família”.
“Pior ainda, milhares são interceptados no mar e devolvidos à força aos campos de detenção, onde enfrentam tortura e abusos. Muitos são vítimas de tráfico, escravidão sexual ou trabalho forçado, explorados em trabalhos degradantes, sem um salário justo. O que é intolerável, porém, é hoje uma realidade que muitos ignoram intencionalmente!”.
Frente a esta situação, o Santo Padre apelou à promoção dos Pactos Globais sobre Refugiados e Migração.
Novo modelo econômico
Diante da “desigualdade cada vez maior entre os super ricos e os permanentemente pobres”, o Papa Francisco pediu “um modelo econômico que promova a subsidiariedade, apoie o desenvolvimento econômico local e invista em educação e infraestrutura que beneficie as comunidades locais”.
“A comunidade internacional deve fazer um esforço para acabar com as injustiças econômicas”, afirmou. “Temos a responsabilidade de fornecer assistência ao desenvolvimento para as nações empobrecidas e alívio da dívida para as nações altamente endividadas”.
Mudança climática
Em sua mensagem de vídeo, o Papa Francisco também fez um balanço dos últimos anos de luta contra as mudanças climáticas. Especificamente, citou os compromissos assumidos por meio da Agenda 2030 e do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.
Ele reconheceu que "embora algum progresso tenha sido feito, a capacidade limitada da comunidade internacional de cumprir suas promessas feitas cinco anos atrás me leva a reiterar que devemos evitar qualquer tentação de cair em um nominalismo declaracionista com um efeito tranquilizador sobre as consciências".
Referiu-se à "situação perigosa da Amazônia e de suas populações indígenas" e afirmou que "a crise ambiental está intrinsecamente ligada a uma crise social e que cuidar do meio ambiente exige uma abordagem integral para combater a pobreza e combater a exclusão".
Elogiou o aumento da sociedade ecológica integral e o desejo de ação, mas convidou também a perguntar-se seriamente sobre se existe “a vontade política para mitigar os efeitos negativos da mudança climática”.
Promoção da mulher
O Papa Francisco assinalou que “em todos os níveis da sociedade as mulheres estão desempenhando um papel importante, com sua contribuição única, assumindo as rédeas com grande coragem no serviço do bem comum”.
“Muitas mulheres ficaram para trás”, denunciou o pontífice. “São vítimas de escravidão, do tráfico, da violência, da exploração e do tratamento degradante”. O Papa sublinhou o seu empenho “na luta contra estas práticas perversas que levam à degradação não só das mulheres mas de toda a humanidade que, com o seu silêncio e não uma ação eficaz, se torna cúmplice”.
Confira também:
7 chaves do discurso do Papa Francisco na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque http://t.co/39stAfd6iv
— ACI Digital (@acidigital) September 25, 2015