Duas cartas abertas com mais de 1,7 assinaturas criticam o relatório sobre o Sínodo da Sinodalidade da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) pelo uso de “nomenclatura ideológica” e conceitos “contrários” ao magistério.

O relatório da CEP publicado em 26 de agosto defende “uma Igreja de portas abertas, que abrace a diversidade e acolha todos, excluindo as atitudes discriminatórias que deixam à margem a comunidade LGBTQIA+ e os divorciados recasados”. O texto fala ainda em celibato opcional, ordenação de homens casados e mulheres e papel mais ativo dos leigos, “mesmo na escolha dos bispos e na transferência dos párocos”.

A carta aberta aos bispos portugueses publicada pelos jovens portugueses diz que “reconhecendo a importância do diálogo com o mundo de hoje, interpela-nos a utilização de conceitos cientificamente não fundamentados e contrários ao mais recente magistério do papa Francisco (Homem e Mulher os criou, 2019), bem como à Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa (A propósito da Ideologia de Gênero, 2013)”.

A carta dos jovens, que já tem 418 subscritores de diferentes dioceses do país, se refere ao uso da sigla LGBTQIA+, marca registrada dos adeptos da ideologia de gênero.

Ideologia de gênero é a militância política baseada na teoria de que a sexualidade humana não depende do sexo e se manifesta em gêneros muito mais variados do que homem e mulher. Em vez de dois polos, a ideologia de gênero acha que existe uma gama de variações, por isso o arco-íris foi escolhido como símbolo.

O outro documento, com 1.367 assinaturas reúne padres, professores e profissionais universitários, classifica como “descabido que um documento eclesial utilize uma nomenclatura ideológica sem qualquer fundamento científico, como é o termo ‘expressões de gênero (grupo LGBTQi+)’”.

“Ficamos convencidos, embora com preocupação, que se evita esclarecer os mais jovens sobre os temas de base da antropologia cristã, antes se permitindo, pelo silêncio, a progressiva contaminação dos discursos e consciências sobre tais matérias”, disseram os jovens.

Os signatários da segunda petição chamaram a atenção para “o caráter sociológico” do relatório da CEP, alinhado “com o pensamento politicamente correto”.

O relatório da CEP diz que a fase diocesana de escuta nas dioceses detectou uma visão “de uma Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQi+)”.

Para os autores da segunda petição, “é preocupante que o relatório dê a entender que é, pelo fato de a Igreja ser ‘espiritual’, que é ‘humanamente pouco inclusiva e acolhedora’”. Ao contrário, “é precisamente por não ser mais espiritual que a Igreja é menos inclusiva e acolhedora”.

Para estes, “a perda da consciência do caráter sobrenatural da Igreja seria a sua destruição, pois ficaria reduzida a uma mera entidade corporativa, sem alcance nem natureza transcendente”. “Ora a Igreja não deve ser mundana, mas espiritual; não deve ser terrena, mas sobrenatural; não deve ser imanente ao mundo, mas transcendê-lo; não deve ser deste tempo, mas intemporal porque, ao contrário das ideologias políticas, não pretende apenas a felicidade terrena, mas alcançar a bem-aventurança celestial”, disseram.

Segundo os jovens, no relatório da CEP, “a Igreja parece ser vista como uma mera organização social e não como uma realidade sacramental em ordem à Salvação”. Afirmaram ainda que “percebe-se a existência de uma deturpação da ideia de sinodalidade para uma lógica plenária que confunde os fiéis e os faz ter uma ideia ‘parlamentar’ e ‘referendária’ da Igreja, da Doutrina e até da hermenêutica evangélica”.

Sobre este ponto, a segunda petição publicada na internet ressaltou que, “quando a Igreja convida todos os fiéis para que se pronunciem sobre a natureza e missão eclesial, não pode esquecer que é o próprio Deus que fundamenta a sua existência e ação”. “Será que, na base desta consulta popular, há uma tentativa de substituir a Igreja hierárquica por uma Igreja democrática, de tal forma que os pastores, até agora entendidos como representantes de Deus, passassem a sê-lo do povo?”.

Segundo eles, “é o que parece deduzir-se do relatório quando refere’uma Igreja onde os processos de tomada de decisão e escolha de lideranças é pouco transparente e inclusivo’, para depois propor ‘uma vivência mais democratizada [sic] e condizente com a sociedade’”.

“A Igreja é, certamente, a assembleia dos fiéis, mas o fundamental não é o consenso, nem a opinião maioritária, mas a verdade e a salvação, que só em Cristo se podem encontrar”, afirmaram.

Ausências no relatório

Segundo o relatório da CEP, houve “maior indiferença na população jovem” na participação na fase diocesana do sínodo. Em sua carta aberta, os jovens se disseram “convencidos de que esta aparente indiferença tem sobretudo a ver com a ideia que os jovens de fé maturada têm de Igreja”. “Isto poderá ter levado a que duvidassem e desacreditassem de um processo de auscultação desta natureza sobre matérias que a Igreja, pela Escritura e pela Tradição, tem bem discernidas e clarificadas”, afirmaram.

“Numa geração em que muitos jovens têm acesso no percurso acadêmico a bases elementares de metodologia científica é inevitável constatar que a amostra geral deste relatório nacional e dos relatórios das dioceses portuguesas não cumprem os requisitos mínimos de base da metodologia de investigação em Ciências Sociais, o que exigiria, no mínimo, algumas reservas na formulação de conclusões tão taxativas como o relatório apresenta”, declararam.

Segundo eles, o relatório “apresenta uma visão bastante parcial da realidade”, em relação aos jovens, não levando em “conta a experiência de um grande número de batizados que contradiz as conclusões apresentadas, nomeadamente os frutos dos movimentos católicos juvenis que enraizados na fé da Igreja levam esperança ao mundo de hoje”.

Citam, por exemplo, jovens catequistas, grupos de jovens, núcleos de estudantes católicos, o projeto missão país, os campos de férias católicos, grupos de voluntariado jovem, ou ainda “jovens que se entregam à política como forma de serviço cívico e cumprindo os ensinamentos da Doutrina Social da Igreja” e “múltiplos jovens que se dedicam ao estudo sério de várias matérias para garantirem a presença do pensamento e cultura cristãs em vários círculos da nossa sociedade portuguesa”.

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Os signatários da outra carta aberta também destacaram a ausências dessas realidades juvenis no relatório da CEP, bem como de outras, como os religiosos. “Ignora-se o serviço humilde das religiosas, ativas e contemplativas, que prestam um inexcedível serviço à sociedade”.

Além disso, destacaram, “é uma pena que este relatório, que se queixa de ser a nossa ‘uma Igreja que não considera as mulheres’, não tenha referido Nossa Senhora, nem a mais importante expressão da fé católica em Portugal: Fátima”.

“A Igreja que amamos e em que cremos, apesar de nos sabermos pecadores, é ‘una, santa, católica e apostólica’. É a Igreja dos anjos e dos santos, dos profetas, dos patriarcas, dos apóstolos, dos evangelistas, dos mártires, dos confessores e das virgens, que neste relatório foram esquecidos, senão mesmo discriminados. É, entre muitos outros, a Igreja do arcebispo são Bartolomeu dos Mártires, do santo Condestável, da rainha santa Isabel, de santa Beatriz da Silva e dos santos Francisco e Jacinta Marto. É também, decerto, a nossa Igreja, mas é, sobretudo, a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus com o Pai e o Espírito Santo; a Igreja que só a Deus adora e que venera Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, rainha e padroeira de Portugal, Mãe da Igreja”, concluíram.

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