- Introducão
- I. O ENCONTRO COM CRISTO, LEGADO DO GRANDE JUBILEU
- II. UM ROSTO A CONTEMPLAR
- III. PARTIR DE CRISTO
- IV. TESTEMUNHAS DO AMOR
- CONCLUSÃO
Aos Irmãos no Episcopado,
aos sacerdotes e diáconos,
aos religiosos e religiosas,
a todos os fiéis leigos.
1. No início do novo milénio quando se encerra o Grande Jubileu,
em que celebrámos os dois mil anos do nascimento de Jesus, e um novo
percurso de estrada se abre para a Igreja, ressoam no nosso coração
as palavras com que um dia Jesus, depois de ter falado às multidões
a partir da barca de Simão, convidou o Apóstolo a " fazer-se
ao largo " para a pesca: " Duc in altum " (Lc 5,4). Pedro e os
primeiros companheiros confiaram na palavra de Cristo e lançaram as redes.
" Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe " (Lc 5,6).
Duc in altum! Estas palavras ressoam hoje aos nossos ouvidos, convidando-nos
a lembrar com gratidão o passado, a viver com paixão o presente,
abrir-se com confiança ao futuro: " Jesus Cristo é o mesmo,
ontem, hoje e sempre " (Heb 13, 8).
Ao longo do ano jubilar, grande foi a alegria da Igreja, que se dedicou a contemplar
o rosto do seu Esposo e Senhor. Ela tornou-se mais intensamente povo peregrino,
guiado por Aquele que é " o grande Pastor das ovelhas " (Heb
13,20). O povo de Deus, com um dinamismo extraordinário que envolveu
muitos dos seus membros, seja aqui em Roma, seja em Jerusalém e em cada
uma das Igrejas locais, passou pela " Porta Santa " que é Cristo.
A Ele, meta da história e único Salvador do mundo, a Igreja e
o Espírito gritaram: " Maranatha - Vem, Senhor Jesus! " (cf.
Ap 22,17.20; 1 Cor 16,22).
É impossível medir o sucesso de graça que, ao longo do
ano, tocou as consciências. Mas certamente um " rio de água
viva ", o mesmo que jorra incessantemente " do trono de Deus e do
Cordeiro " (Ap 22,1), inundou a Igreja. É a água do Espírito
que sacia e renova (cf. Jo 4,14). É o amor misericordioso do Pai que
uma vez mais nos foi manifestado e oferecido em Cristo. No termo deste ano,
podemos repetir, com renovado júbilo, aquele antigo refrão de
acção de graças: " Louvai o Senhor porque Ele é
bom, porque é eterna a sua misericórdia " (Sal 118117,1).
2. Sinto, por isso, a necessidade de me dirigir a vós, irmãos
muito amados, para partilhar convosco o cântico de louvor. A este ano
santo 2000, tinha eu pensado como uma data importante, desde o princípio
do meu pontificado. Tinha entrevisto esta celebração como um momento
providencial em que, trinta e cinco anos depois do Concílio Ecuménico
Vaticano II, a Igreja seria convidada a interrogar-se sobre a sua renovação
para assumir com novo impulso a sua missão evangelizadora.
O Jubileu terá conseguido realizar este desígnio? O nosso empenho,
com seus generosos esforços e inevitáveis fragilidades, Deus o
conhece. Mas não podemos subtrair-nos ao dever de agradecer " as
maravilhas " que Deus fez por nós. " Misericordias Domini in
aeternum cantabo " (Sal 8988,2).
Ao mesmo tempo, tudo o que aconteceu sob os nossos olhos merece ser ponderado
e de certo modo decifrado, para ouvir aquilo que, ao longo deste ano tão
intenso, o Espírito disse à Igreja (cf. Ap 2,7.11.17 etc.).
3. Mas sobretudo é nossa obrigação, amados irmãos
e irmãs, lançar-nos para o futuro que nos espera. Nestes meses,
olhámos frequentemente para o novo milénio que começa,
vivendo o Jubileu não só como lembrança do passado, mas
também como profecia do futuro. Agora é preciso guardar o tesouro
da graça recebida, traduzindo-a em ardentes propósitos e directrizes
concretas de acção. A esta tarefa, desejo convidar todas as Igrejas
locais. Em cada uma delas, reunida à volta do seu Bispo na escuta da
Palavra, na união fraterna e na " fracção do pão
" (cf. Act 2,42), " está e opera a Igreja de Cristo una, santa,
católica e apostólica ".1 É principalmente na realidade
concreta de cada Igreja que o mistério do único povo de Deus assume
aquela configuração particular que o torna aderente aos diversos
contextos e culturas.
Este enraizamento da Igreja no tempo e no espaço reflecte, em última
análise, o movimento mesmo da encarnação. É hora,
pois, de cada Igreja reflectir sobre o que o Espírito disse ao povo de
Deus neste especial ano de graça e também no arco mais amplo de
tempo desde o Concílio Vaticano II até ao Grande Jubileu, medindo
o seu fervor e ganhando novo impulso para os seus compromissos espirituais e
pastorais. Com tal finalidade, desejo oferecer nesta Carta, no encerramento
do ano jubilar, o contributo do meu ministério petrino, para que a Igreja
resplandeça cada vez mais na variedade dos seus dons e na unidade do
seu caminho.